O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

11 DE JUNHO DE 1988

1588-(47)

«democracia económica e social» em que se configura o Estado de direito democrático de vocação socialista, cuja construção a CRP visa (artigos 1.° e 2.°).

Nada disto é compaginável — antes é frontalmente contrariado — pela reprivatização, ainda que parcial, das empresas nacionalizadas, pela introdução do capital privado e da filosofia da gestão privada nas empresas públicas. Isto não favorece, antes impede, a realização daqueles princípios constitucionais.

Qualquer que seja o juízo que se faça sobre a constituição económica da CRP em sede político-constitucional, não se afigura aceitável, porém, em sede de jurisdição constitucional, que se silencie e ignore o sentido que os princípios constitucionais emprestam a cada norma singular, sobretudo àquelas normas que mais típica e emblemáticamente caracterizam a constituição económica (como sucede justamente com a do artigo 83.°).

As normas da parte económica da CRP não são diferentes das demais normas constitucionais. Não são mais «fracas», nem estão mais à disposição do legislador e do intérprete do que as demais. Não existe nenhuma razão jurídico-dogmática para se adoptar um código específico de interpretação e de aplicação das normas da constituição económica, substancialmente menos exigente e mais complacente do que aquele que se considera adequado para as normas sobre os direitos fundamentais e sobre a organização política.

Tal como já escrevi na declaração de voto de vencido ao Acórdão n.° 25/85, continuo a não poder alinhar no preconceito de que as normas da constituição económica pertencem a uma espécie de constituição menor, de segunda ordem, menos cogente e menos limitativa para o legislador, mais lábil e imprecisa, insusceptível de fundar juízos de inconstitucionalidade (salvo em casos limite de irremissível e escandaloso conflito entre norma legal e norma constitucional). Não é difícil identificar os pressupostos ideológicos que suportam essa desvalorização da constituição económica. O que penso é que ter consciência deles apenas sublinha a necessidade de afirmar enfaticamente que a constituição económica não é menos constituição e que deve ser tratada como parte a título inteiro da lei fundamentai da República.

Vital Moreira.

Declaração de voto

Nos termos do n.° 1 do artigo 83.° da CRP «todas as nacionalizações efectuadas depois de 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras».

Definindo o âmbito deste preceito, escrevem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.a ed., 1.° vol., 1984, nota ih a esse artigo:

Quanto ao âmbito material, importa notar que a norma não fala em «empresas nacionalizadas», mas sim, simplesmente, em «nacionalizações». Abrange, portanto, tudo aquilo que foi objecto de um acto de nacionalização: não apenas as empresas globalmente, mas também as participações no capital de certas empresas; [... ]

Sobre a proibição de desnacionalização dizem os mesmos autores, ob. c/7., loc. cit., nota V:

Não existe desnacionalização apenas quando haja reprivatização de uma empresa inteira, enquanto tal. Da letra e da ratio da norma resulta igualmente claro que a CRP não só proíbe a desnacionalização integral, mas também a desnacionalização parcial de qualquer empresa ou exploração nacionalizada — a CRP não fala em empresas nacionalizadas, mas sim em nacionalizações, tout court. Por isso, deve ter-se por inconstitucional a alienação da propriedade ou do direito de exploração de qualquer estabelecimento ou parte distinta do património de uma empresa nacionalizada susceptível de exploração empresarial autónoma, directa e imediata; de outro modo, o Estado estaria sempre em condições de frustrar a proibição constitucional [... ]

Também parece infringir a garantia das nacionalizações a abertura das empresas nacionalizadas à participação do capital privado [...]

Na mesma orientação escreve Guilherme de Oliveira Martins, Lições sobre a Constituição Económica Portuguesa, vol. i, 1984, n.° 25:

Quanto à desnacionalização parcial, entendemos que ela não é possível à face do artigo 83.°, n.° 1, uma vez que com esse «expediente» poder-se-ia, afinal, retirar conteúdo à disposição constitucional, que, assim, seria contornada e violada. Pensamos que o direito de propriedade do Estado se reporta à totalidade dos títulos de participação no capita] nacionalizado das empresas, nesse sentido, aliás, apontando a Lei n.° 77/79, de 4 de Dezembro, designadamente no seu artigo 3.°

Com base nesta doutrina votei a inconstitucionalidade — por violação do citado preceito constitucional — das normas dos artigos 1.°, 2.°, n.° 1, 4.° e 9.° do diploma em apreciação, na parte em que elas se referem às empresas públicas nacionalizadas, bem como da norma do artigo 8.° do mesmo diploma, referente às empresas nacionalizadas que não tenham estatuto de empresa pública.

Mário de Brito.

Declaração de voto

1 — Tal como já havia entendido na declaração de voto que juntei ao Acórdão n.° 273/86 {Diário da República, l.a série, de 11 de Setembro de 1986), proferido sobre um decreto do Governo visando transformar a SOCARMAR, E. P., em sociedade anónima de capitais mistos —e, por conseguinte, já pelas razões aí expendidas—, acompanhei o precedente acórdão no seu conteúdo decisório fundamental, a saber, que a abertura do capital de empresas nacionalizadas à participação de entidades privadas, nas condições previstas no decreto da AR em apreço, não briga com o princípio constitucional da irreversibilidade das nacionalizações. Existe, de resto, e prescindindo do maior ou menor ênfase posto em certos considerandos, uma básica sintonia entre o teor da referida declaração e a fundamentação do presente aresto, no que toca a esse seu ponto central e nuclear.

Estou, porém, em divergência com tal fundamentação no que respeita ao entendimento, nela consignado,