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II SÉRIE — NÚMERO 82

de que o dito princípio da irreversibilidade postula a permanência na titularidade pública (ou da «parte pública», como se diz no decreto em análise) do capital «económico» que era o das empresas nacionalizadas à data da respectiva nacionalização — ou seja, a permanência nessa titularidade não apenas do «capital» síricto sensu, «capital jurídico» ou «capital social» ao tempo de tais empresas, mas ainda das reservas então existentes entretanto incorporadas nesse mesmo «capital», provocando o seu aumento.

Continuo a entender, com efeito, que o que o princípio em causa exige, no máximo, é que continue a pertencer à «parte pública» o referido capital stricto sensu, ou «capital» em sentido técnico-jurídico, das empresas à data da nacionalização, e apenas esse. E isto —para me ater ao essencial— porque não mais é reclamado pela «lógica» das nacionalizações (e pela consequente «lógica» da sua irreversibilidade), que é uma lógica político-económica e político-jurídica, e de modo algum exclusivamente económica: a «lógica» da transferência para a titularidade «jurídica» do Estado, e para a sua gestão, de determinadas unidades produtivas, em nome de determinada concepção e programa «político», e não a da apropriação pelo Estado dessas mesmas unidades em razão do «valor» económico de respectivo património. Ora, sendo assim, claro é que a ideia básica que presidiu à nacionalização (e que determina a correspondente irreversibilidade) fica respeitada desde que o «capital social» inicial das empresas permaneça nas mãos do Estado ou de outras entidades do sector público — por isso que, determinando-se a titularidade de uma empresa e da correspondente gestão pela titularidade do correspondente «capital social», o que a nacionalização significou (e através do que se consumou) foi justamente a apropriação pelo Estado do mesmo capital das empresas que daquela foram objecto.

Exigir que, além disso, permaneça na titularidade pública o capital correspondente às reservas existentes à data da nacionalização traduzir-se-á, pois, em meu modo de ver, numa mudança de plano — susceptível de conduzir, aliás, a consequências incongruentes. Na verdade —pode perguntar-se—, se a empresa, à data da nacionalização, tivesse, em lugar de reservas, prejuízos acumulados e apresentasse uma «situação líquida» passiva, a mesma razão que leva a deverem considerar-se intransferíveis aquelas para o sector privado não deveria conduzir, nesta outra hipótese, a ter como admissível a «privatização» mesmo do capital inicial da empresa em questão, salvaguarda a maioria da participação do sector público?

Eis por que no ponto em apreço não posso acompanhar o acórdão. O que significa que continuaria a perfilhar a sua conclusão fundamental, ainda quando se entendesse que no artigo 2.°, alínea a), do diploma

sub judicio se tinha unicamente em vista o «capital» em sentido jurídico das empresas nacionalizadas à data da respectiva nacionalização.

2 — Também acompanhei o acórdão no que se refere à pronúncia da inconstitucionalidade do artigo 7.°, n.° 2, do decreto da AR em análise. Mas aqui só parcialmente.

Procurando, de igual modo, cingir-me ao essencial da questão, direi simplesmente que, pelo menos no tocante à escrituração como «operações de tesouraria» das receitas a que se reporta o n.° 1 do mesmo artigo, ela ainda será compatível com o princípio da universalidade, conjugado com o princípio da anualidade, do orçamento desde que a correspondente «regularização» — naturalmente através de um orçamento suplementar— se faça no próprio ano em que as receitas são arrecadadas e que, no tocante às despesas, não haverá, em qualquer caso, violação daqueles princípios, na medida em que tais receitas (mesmo escrituradas como «operações de tesouraria») venham a ser utilizadas na cobertura de despesas orçamentalmente previstas. É que —e quanto a este último ponto—, não se prevendo propriamente no artigo 7.° um regime de «consignação de receitas», mas tão-só a «afectação» destas a determinadas despesas públicas, o facto de aquelas virem a ser arrecadadas (isto é, o facto de virem efectivamente a realizar-se em determinado ano alienações de acções que as produzam) não tem que implicar uma automática «majoração» das últimas (para lá da correspondente dotação orçamental): bem poderá perfeitamente o Governo, em lugar disso, e por exemplo, utilizar em menor extensão o recurso aos empréstimos como meio de financiamento.

Na medida indicada, pois, não votei a inconstitucionalidade do preceito ora em causa.

Tem-se consciência, aliás, quer da complexidade da problemática que ele suscita, desde logo, ao nível financeiro, e depois, ao nível constitucional, quer do melindre e complexidade das situações que lhe estão subjacentes. Mas, se aquela parece realmente defrontar-se, no limite, com a exigência dos princípios da CRP, em matéria de organização orçamental, atrás referidos, crê--se, não obstante, por outro lado, que as preocupações e os objectivos que estarão na base da disposição sempre poderão vir a encontrar uma diversa resposta — uma resposta que, dando-lhes do mesmo modo satisfação, seja a um tempo mais conforme com os aludidos princípios.

José Manuel Cardoso da Costa.

Declaração de voto

Vencido parcialmente, nos termos do n.° 1 da declaração de voto do Ex.m0 Sr. Conselheiro Raul Mateus. — Armando Manuel Marques Guedes.