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11 DE JUNHO DE 1988

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À face disto, como é que é possível sustentar que a nacionalização teve por objecto apenas o «capital historicamente existente» à data da nacionalização? Pois não é evidente que, salvo o caso das empresas com capital estrangeiro, se nacionalizaram as empresas enquanto tais, enquanto organizações de produção, afastando de todo em todo o capital e a gestão privados?

O que as nacionalizações fizeram transferir para a titularidade do Estado foi não apenas o capital da empresa (no todo ou em parte), mas sim a empresa em si mesma.

Escreve um especialista (aliás citado no acórdão):

Como é sabido, a nacionalização tanto pode operar-se pela apropriação [...] das participações sociais (acções) como pela apropriação da sociedade (empresa) em si mesma. Num como noutro caso, é certo que estamos perante uma empresa nacionalizada, mas, na primeira hipótese [...] somente [passou] para a titularidade do Estado o seu capital (as acções que o representam). [J. Simões Patrício, Curso de Direito Económico, 2.a ed., p. 536.]

Não é difícil ver, pelos exemplos acima transcritos, que, na generalidade dos casos, a nacionalização importou a «apropriação da sociedade (empresa) em si mesma» e que só nos casos de empresas com participação estrangeira é que a nacionalização se limitou «à apropriação das participações sociais» nacionais. Na primeira figura, a nacionalização traduziu-se na transferência para o sector público da «universalidade dos bens, direitos e obrigações que integram o activo e o passivo das sociedades nacionalizadas», como refere o preceito dos diplomas de nacionalização acima transcrito.

Ora, se o que foi nacionalizado foi a própria empresa, em si mesma, de modo a torná-la integralmente pública, então constitui desnacionalização todo o acto que privatize, mesmo que apenas em parte, essa empresa. Como já se disse no Acórdão n.° 11/84 deste Tribunal, «desnacionalização é um acto de sinal contrário [à nacionalização]: directa ou indirectamente dirigido à reintegração, quase sempre por inteiro, da empresa nacionalizada no sector privado». «Quase sempre por inteiro», diz-se na expressão agora sublinhada, mas pode ser também apenas «por partes», que isso não é menos desnacionalização.

É indiferente que a privatização tenha por objecto apenas a parte de capital em excesso em relação ao capital da empresa à data da nacionalização, pois (não é de mais insistir) o que foi nacionalizado não foi um certo capital, mas sim a empresa em si mesma, como entidade dinâmica, como organização empresarial. Uma empresa não é como um prédio em propriedade horizontal, nem os aumentos de capital entretanto ocorridos são uma espécie de andar a mais, construído sobre os existentes à data da nacionalização, ao qual fosse lícito alienar sem prejuízo dos andares originários. É óbvio que a entrada de capital privado e a consequente intervenção privada na gestão afectam toda a empresa, que deixa de ser integralmente nacionalizada, de ser gerida exclusivamente por entidades públicas e em atenção exclusivamente ao interesse público.

Em conclusão: a privatização, ainda que parcial e minoritária, das empresas nacionalizadas — pelo menos das que foram nacionalizadas integralmente — confi-

gura uma clara violação da garantia constitucional das nacionalizações. A privatização parcial é necessariamente desnacionalização parcial. É posição que defendo desde há muito (cf. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., loe. cit.) e que o presente caso não fez mais do que arreigar.

Compartilho, assim, das posições que na doutrina consideram constitucionalmente ilícitas soluções como as do presente diploma e tenho por manifestamente inconvincentes as tentativas (laboriosas ou sumárias) de as defender. Com Guilherme de Oliveira Martins, penso que «com este 'expediente' poder-se-ia, afinal, retirar conteúdo à disposição constitucional, que, assim, seria contornada e violada» (Constituição Económica, \.° vol., 1983, pp. 78 e seg.).

3 — Desnacionalização e privatização

Não é por acaso que o diploma em causa ficou vulgarmente conhecido como lei das privatizações. Ora, só se privatiza aquilo que é público e, quando se trata de empresas públicas por via de nacionalização, então a privatização é desnacionalização.

É desnacionalização na medida em que toda e qualquer privatização — por injecção de capital privado ex novo ou por alienação do actual capital público — de uma empresa totalmente nacionalizada implica, ipso Jacto, um atentado à nacionalização.

A garantia das nacionalizações implica o respeito pelo sentido e propósito das nacionalizações, tal como elas ocorreram. Ora, é fácil ver que as normas em apreço conduziriam, em certos casos, a retirar todo e qualquer sentido à nacionalização. Basta recordar o exemplo já referido das nacionalizações de empresas em que o Estado já detinha maioria do capital. Nestes casos, as normas aqui em consideração permitiriam a privatização de um montante igual ao capital nacionalizado. A nacionalização será integralmente inutilizada. Volta-se ao status quo anterior a nacionalização. Como é que se pode dizer então que não foi afectada a nacionalização? A proibição de desnacionalização não pode ser compatível com actos que desfazem o efeito da nacionalização.

Acresce que o objectivo do presente diploma é contraditório, em si mesmo, com a garantia das nacionalizações.

Na própria «exposição de motivos» da proposta de lei n.° 18/V, que deu origem ao presente diploma, afirma-se expressamente que ela «vem iniciar um processo de abertura ao sector privado do capital de empresas [públicas]» (Diário da Assembleia da República, 2.a série, de 5 de Dezembro de 1987, p. 54). Um periódico especializado entendeu que «neste diploma vem o Governo franquear as portas das empresas públicas à intervenção da dinâmica privada» (Jornal do Comércio, de 26 de Janeiro de 1988, p. 5).

Neste contexto não sei se se pode sustentar — como se faz no acórdão — que as empresas assim «abertas ao sector privado» ou «franqueadas à intervenção da dinâmica privada» permanecem, mesmo assim, no sector público e não passam, pelo menos parcialmente, para o sector privado. Como quer que seja, o que não vejo é como se pode contestar que, pelo menos, é o sector privado que entra nas empresas públicas. O que