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11 DE JUNHO DE 1988

1588-(41)

Quanto à sub-regra da universalidade —uma das sub-regras em que se desdobra a regra da plenitude—, observa-se que, apesar de a CRP não se mostrar igualmente muito determinante, parece legítimo, mesmo assim, deduzi-la do artigo 108.°, n.° 1. É que este preceito, obrigando à discriminação no orçamento, e sem ressalvas, das receitas e despesas do Estado, por certo se referirá a todas as receitas e a todas as despesas (em concordância com esta interpretação, Sousa Franco, ob. cit., p. 322, Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., p. 469, e Guilherme de Oliveira Martins, ob. cit., pp. 282 e 283).

No que respeita à outra sub-regra em função da qual se exprime a regra da plenitude, ou seja, no respeitante à sub-regra da unidade —segundo a qual as receitas e despesas do Estado devem constar de um único documento—, afirma-a expressamente o artigo 108.°, n.° 5, da CRP.

18 — À luz destes princípios constitucionais verifica--se que, não podendo as receitas e as despesas previstas no n.° 2 do artigo 7.° do Decreto n.° 83/V —dentro do discurso argumentativo que se vem desenvolvendo — ser realizadas através de operações de tesouraria (em causa não está de maneira alguma, directa ou indirectamente, um acto de gestão do património de tesouraria), tinham elas de ser inscritas, embora a um nível meramente previsivo, no Orçamento do Estado do ano a que respeitassem. Isto o que resulta imediatamente das regras da anualidade e da plenitude, as quais, como se viu, têm efectivamente assento constitucional.

Prescrevendo de outro modo, a norma do n.° 2 do artigo 7.° violou o disposto no artigo 108.°, n.os 1 e 5, em conjugação com o artigo 93.°, alínea c), ambos da CRP, e tem por isso de ser considerada inconstitucional.

19 — Pelos motivos expostos, o T. Const. decide:

a) Não se pronunciar pela inconstitucionalidade das normas dos artigos 1.°, 2.°, n.° 1, 4.°, 8.° e 9.° do Decreto n.° 83/V da AR;

b) Pronunciar-se pela inconstitucionalidade da norma do artigo 7.°, n.° 2, do mesmo diploma, por violação dos princípios constitucionais da anualidade e da plenitude do orçamento.

Lisboa, 31 de Maio de 1988. — Raul Mateus (vencido parcialmente, nos termos da declaração de voto junta) — José Magalhães Godinho — Luís Nunes de Almeida — Antero Alves Monteiro Dinis —fosé Martins da Fonseca — Vital Moreira (vencido em parte, conforme declaração de voto junta) — Messias Bento (vencido em parte, nos termos da declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Cardoso da Costa) — Mário de Brito (vencido em parte, nos termos da declaração de voto junta) — José Manuel Cardoso da Costa (vencido em parte, conforme declaração de voto) — Armando Manuel Marques Guedes (vencido.parcialmente, nos termos da declaração de voto).

Declaração de voto

1 — Entendi que o princípio da irreversibilidade das nacionalizações, consignado no n.° 1 do artigo 83.° da CRP, interpretado este dispositivo em relação5sistemá-tica com o n.° 2 do mesmo artigo, proibia apenas a desnacionalização de empresas no exacto sentido que no acórdão se deu a tal acto jurídico.

Consequentemente, entendi ainda que esse princípio já não impunha que o capital existente à data das nacionalizações, e muito menos o capital resultante da

incorporação das reservas nessa altura existentes, tivesse obrigatoriamente de permanecer nas mãos de entidades públicas. Deste modo, e quanto a esta interpretação alargada do princípio da irreversibilidade das nacionalizações, fiquei vencido.

Por isso, e face à interpretação estrita de tal princípio, a que tive por correcta, votei naturalmente que, no plano do artigo 83.°, n.° 1, da CRP, se não verificava qualquer inconstitucionalidade por parte das normas em questão do Decreto n.° 83/V.

De facto, e face a este posicionamento interpretativo, tive ainda como de todo em todo irrelevante que no regime do Decreto n:° 83/V se impedisse ou não a venda a entidades privadas do capital superveniente de empresas nacionalizadas, ainda que aquele mesmo capital tivesse resultado da incorporação de reservas.

É que nesses casos de aumento de capital, aos quais se refere directamente o artigo 9.° do Decreto n.° 83/V, se assegura que a maioria absoluta do capital (e, consequentemente, a gestão das empresas) continua sempre a ser detida pela parte pública [artigo 2.°, n.° 1, alínea b)], a isto acrescendo que o juízo sobre a desnacionalização ou não das empresas nacionalizadas depois de 25 de Abril de 1974, e ao menos em princípio, sempre haveria de ser de ordem global. Ou seja, e atenta a regulamentação constante do artigo 89.° da CRP, sempre teria de incidir sobre tais empresas, consideradas como unidades produtivas, e não sobre partes delas: aquele artigo 89.° distribui pelos diversos sectores de propriedade os meios de produção, e não fracções deles.

Por estas razões, e só por estas razões, votei a não inconstitucionalização das normas dos artigos 1.°, 2.°, n.° 1, 4.°, 8.° e 9.° do Decreto n.° 83/V, face ao disposto no artigo 83.°, n.° 1, da CRP.

2 — Uma última nota se impõe registar. Tendo sido derrotado no que respeita à interpretação do artigo 83.°, n.° 1, da CRP (o T. Const. interpretou-o como proibindo ainda a alienação em favor de entidades privadas do capital económico existente à data das nacionalizações nas empresas nacionalizadas), considerei que, apesar do meu posicionamento sobre este ponto, não estava impedido de me pronunciar sobre uma questão nova, qual era a de saber se seria possível fazer uma interpretação conforme a CRP da norma do artigo 2.°, n.° 1, alínea a), do Decreto n.° 83/V.

E, pronunciando-me a propósito — e sempre com ressalva da leitura por mim feita do artigo 83.°, n.° 1, da CRP—, secundei a argumentação do acórdão e respondi, pois, positivamente.

Raul Mateus.

Declaração de voto 1 — Introdução

Votei pela inconstitucionalidade das normas dos artigos 1.°, 2.°, 4.° e 9.° na parte em que elas se referem a empresas nacionalizadas, por ofensa da garantia constitucional das nacionalizações (artigo 83.° da CRP). Continuo convicto da justeza da posição que defendi noutro lugar, há já bastante tempo, de que tal garantia é infringida pela abertura das empresas nacionalizadas ao capital privado (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.a ed., 1.° vol., C.a, 1984, p. 411), opinião que não vejo razões para modificar (pelo contrário!).