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II SÉRIE — NÚMERO 82

Feita esta detalhada excursão analítica pelas normas dos artigos 1.°, 2.°, n.° 1, 4.°, 8.° e 9.° do Decreto n.° 83/V, é de colocar de novo as interrogações:

1) As empresas nacionalizadas após o 25 de Abril de 1974, tenham ou não o estatuto de empresas públicas, se transmudadas em sociedades anónimas, nos quadros do regime definido por aquelas normas, seriam desnacionalizadas, isto é, passariam do sector público para o sector privado dos meios de produção?

2) As alienações de acções previstas no diploma em análise e subsequentes à conversão dessas empresas nacionalizadas em sociedades anónimas poderiam tocar, segundo tal regime, ou o capital existente à data das nacionalizações, ou o capital resultante da incorporação das reservas a essa data existentes?

Sucessivamente, na análise subsequente se irá dar resposta a estas duas interrogações.

7 — Os três sectores de propriedade dos meios de produção (sector público, sector privado e sector cooperativo) são definidos, nos termos do artigo 89.°, n.° 1, da CRP, em função da sua titularidade e do modo social de gestão.

Em nota a este artigo 89.°, salientam, a propósito, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2." ed., 1.° vol., p. 423:

O critério de delimitação dos sectores (n.° 1) é misto. Faz apelo simultaneamente à propriedade formal («titularidade») e à posse e gestão («modo social de gestão») dos meios de produção. (A referência a «solos» e «recursos naturais» é evidentemente redundante.) Mas o critério dominante parece ser o último, pois, no caso de discrepância entre a titularidade da posse e gestão, prevalece, em geral, esta última. Importa, contudo, analisar cada um dos sectores. Na verdade, há que distinguir três figuras jurídicas:

a) Propriedade formal sobre os meios de produção (terras, fábricas, etc);

b) Direito sobre a empresa ou estabelecimento;

c) Direito de exploração ou gestão da empresa.

Pode haver coincidência — e normalmente existe — destas três figuras jurídicas na mesma pessoa jurídica. Mas também pode não haver, surgindo então o problema de saber em que sector enquadrar essas figuras jurídico-económicas complexas.

Liminarmente, é de afastar a possibilidade de as empresas nacionalizadas depois de 25 de Abril de 1974, uma vez convertidas em sociedades anónimas, nos termos do Decreto n.° 83/V, virem integrar o sector cooperativo, dada a sua total desconexão com este sector (cf. artigo 89.°, n.° 4, da CRP). Resta, pois, uma única via de solução, via esta de tipo necessariamente alternativo: ou aquelas empresas continuam no sector público ou são atiradas para o sector privado. É que, constitucionalmente, não existe qualquer outro sector de propriedade dos meios de produção.

8 — A CRP define os sectores público e privado dos meios de produção nos seguintes termos:

Artigo 89.°

Sectores de propriedade dos meios de produção

1 — ........................................................

2 — O sector público é constituído pelos bens e unidades de produção pertencentes a entidades públicas ou a comunidades, sob os seguintes modos sociais de gestão :

a) Bens e unidades de produção geridos pelo Esta,do e por outras pessoas colectivas públicas;

b) Bens e unidades de produção com posse útil e gestão dos colectivos de trabalhadores;

c) Bens comunitários com posse útil e gestão das comunidades locais.

3 — O sector privado é constituído pelos bens e unidades de produção cuja propriedade ou gestão pertençam a pessoas singulares ou colectivas privadas, sem prejuízo do número seguinte.

4 —........................................................

Por outro lado, e como se viu, segundo o regime instituído pelo Decreto n.° 83/V, o capital das sociedades anónimas resultantes da transformação de empresas nacionalizadas depois de 25 de Abril de 1974 será, todo ele, ou na sua maior parte, pertença da parte pública [cf. artigos 1.°, 2.°, n.° 1, alínea b), e 4.° do Decreto n.° 83/V], e tais sociedades hão-de ser geridas em função da vontade da mesma parte pública, à qual é sempre assegurada representação maioritária nos órgãos sociais [cf. artigo 2.°, n.° 1, alínea c)].

Comparando as definições constitucionais dos sectores público e privado com o estatuto das sociedades anónimas que o Decreto n.° 83/V pretende instituir — e cujas linhas dominantes foram postas em evidência —, verifica-se, a uma primeira análise, e não considerado o caso especial das sociedades anónimas, referidas no artigo 1.°, de capitais exclusivamente públicos, que aquelas sociedades não se situariam nem num nem noutro dos mencionados sectores, demarcáveis, nos termos do artigo 89.°, n.° 1, da CRP, em função de dois vectores: a titularidade e o modo social de gestão.

De facto, o regime daquelas sociedades anónimas não é rigorosamente subsumível, ao nível desses dois vectores, nem na regra que, no plano constitucional, define o sector público (artigo 89.°, n.° 2), nem na regra que, no mesmo plano, define o sector privado (artigo 89.°, n.° 3).

9 — A situação prevista para aquelas sociedades no Decreto n.° 83/V é, pois, híbrida, combina diversamente vectores próprios da definição constitucional de um e de outro daqueles sectores de propriedade. E, porque as sociedades anónimas de capitais mistos, resultantes, nos termos do diploma em análise, da conversão de empresas nacionalizadas após o 25 de Abril de 1974, se não poderão, logicamente, colocar numa espécie de terra de ninguém, numa zona indefinida, como que num limbo dos meios produtivos, há que optar, como atrás se referiu, entre situá-las no sector público ou no sector privado.