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11 DE JUNHO DE 1988

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Isto importará, antes de mais, uma interpretação translata do artigo 89.° da CRP, interpretação que arrancará de duas ideias base, ideias que exprimirão, afinal, o seu verdadeiro espírito:

a) Situações não imediatamente subsumíveis em qualquer uma das definições constitucionais dos sectores de propriedade dos meios de produção deverão localizar-se no sector com o qual for mais evidente o seu parentesco;

b) Em tal juízo, deverá ser dada particular relevância ao vector do modo social de gestão.

Nesta perspectiva, verifica-se que o regime previsto para aquelas sociedades anónimas no Decreto n.° 83/V, ora particularmente consideradas, tende a acercar-se mais da definição constitucional do sector público que da definição constitucional do sector privado.

E, na verdade, assim é, porque, por um lado, tal regime preenche integralmente um dos vectores da definição do sector público (gestão por entidade pública) e quase que preenche — atenta a reserva maioritária do capital em favor da parte pública — o outro vector dessa definição (a propriedade pública) e, por outro lado, não preenche, de forma constitucionalmente relevante, qualquer dos vectores que, em alternativa, definem o sector privado (a propriedade privada ou a gestão por entidade privada).

A isto acresce que, no referente ao vector do modo social de gestão, vector, neste campo, de decisiva relevância, se verifica o vector característico, a esse nível, da definição do sector público: a gestão por entidade pública.

10 — Nestas circunstâncias e numa leitura translata do artigo 89.° da CRP, é de concluir que as sociedades anónimas com maioria de capitais públicos e decorrentes — em função do regime instituído pelo Decreto n.° 83/V— de empresas nacionalizadas depois de 25 de Abril de 1974 (tivessem elas ou não o estatuto de empresas públicas) se hão-de situar no sector público (note-se, algo proximamente, que, no âmbito do direito comunitário, e quanto às sociedades comerciais de economia mista, são tais empresas «consideradas como empresas públicas, pelo menos aquelas em que o Estado detenha [... ] a maioria do capital e, para alguns autores, mesmo aquelas em que o Estado detenha o controle 'de facto' da empresa, sem mesmo ser titular da maioria do capital» (Manuel Afonso Vaz, ob. cit., p. 199, nota 1)]. Sendo assim, não se verificará, por via de tal regime (particularmente expresso nos artigos 1.°, 2.°, n.° 1, 8.° e 9.° do Decreto n.° 83/V), a desnacionalização daquelas empresas e, consequentemente, não se registará, a este título, violação do princípio da irreversibilidade das nacionalizações, declaradamente afirmado no artigo 83.°, n.° 1, da CRP.

Esta conclusão vale necessariamente para a transformação de empresas nacionalizadas após 25 de Abril de 1974 em sociedades anónimas de capitais exclusivamente públicos, expressamente referidas no artigo 1.° do Decreto n.° 83/V. Na verdade, tais sociedades preenchem directamente o duplo critério a que obedece a definição constitucional do sector público. Por isso, e quanto a essas empresas nacionalizadas que se venham a converter em sociedades anónimas desse tipo, é ainda mais evidente que não poderá haver mudanças de sector de propriedade dos meios de produção, ou seja, que não poderá haver desnacionalização.

11 — Vai-se agora averiguar se em função do regime decorrente das normas em causa do Decreto n.° 83/V não se registará, por outra via embora, infracção ao princípio da irreversibilidade das nacionalizações, tal como o princípio é afirmado no artigo 83.°, n.° 1, da CRP.

O artigo 2.°, n.° 1, alínea a), do diploma em apreciação, em conexão com o artigo 8.°, determina que a transformação das empresas nacionalizadas em sociedades anónimas não implicará nunca a reprivatização do capital nacionalizado. Face a esta salvaguarda, é evidente que, neste plano, o princípio da irreversibilidade também não é posto em causa.

No entanto, e uma vez que, declaradamente ao menos, se não faz ressalva paralela em favor do capital resultante da incorporação das reservas existentes à data das nacionalizações, poder-se-ia ser tentado a concluir, a uma primeira leitura do Decreto n.° 83/V, que, a esse nível, já se registaria confronto com o princípio do artigo 83.°, n.° 1, da CRP, que, como se viu, proíbe a alienação em favor de entidades privadas desse capital (o resultante da incorporação de tais reservas).

No entanto, a uma segunda leitura, e tendo em conta muito particularmente o princípio da interpretação conforme a CRP, é de extrair-se de tal análise conclusão diametralmente oposta. Sobre tal princípio escreve Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.a ed., pp. 164 e 165, o seguinte:

Este princípio é fundamentalmente um princípio de controle (tem como função assegurar a constitucionalidade da interpretação) e ganha relevância autónoma quando a utilização dos vários elementos interpretativos não permite a obtenção de um sentido inequívoco de entre os vários significados da norma. Daí a formulação básica para este princípio: no caso de normas polissémicas ou plurissig-nificativas deve dar-se preferência à interpretação que lhe dê um sentido em conformidade com a CRP. Esta formulação comporta várias dimensões:

1) O princípio da prevalência da CRP impõe que, de entre as várias possibilidades de interpretação, só deve escolher-se a interpretação que não seja contrária ao texto e programa da norma ou normas constitucionais;

2) O princípio da conservação de normas afirma que uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins da norma, ela pode ser interpretada em conformidade com a Constituição;

3) O princípio da exclusão da interpretação conforme a CRP, mas «contra legem», impõe que o aplicador de uma norma não pode contrariar a letra e o sentido dessa norma através de uma interpretação conforme a CRP, mesmo que através desta interpretação consiga uma concordância entre a norma infraconstitucional e as normas constitucionais.

Este princípio deve ser compreendido articulando todas as dimensões referidas, de modo que se torne claro:

a) A interpretação conforme a CRP só é legítima quando existe um espaço de deci-