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II SÉRIE — NÚMERO 82

quem pertencem; não estão sujeitas a processo rígido nem à regra da anualidade; são imprescritíveis, e essas saídas de fundos darão origem a uma nova entrada nos cofres até à concordância do crédito. Tanto podem ser operações de receitas como de despesas e assumem diversíssimas naturezas, como operações de movimentação de dinheiros públicos não inscritos no orçamento (artigo 4.°, § 1.°, da Lei de 20 de Março de 1907). O seu regime foi clarificado pelo Decreto-Lei n.° 113/85, de 18 de Abril, que as define assim (artigo 1.°):

São operações de tesouraria todos os movimentos de fundos nos cofres do Tesouro que não se encontram sujeitos à disciplina do Orçamento do Estado, bem como todas as restantes operações escriturais com eles relacionadas no âmbito das contas do Tesouro.

O artigo 2.°, n.° 2, subdivide-as em operações passivas ou activas:

As operações passivas correspondem à entrada de fundos ou a operações escriturais de natureza idêntica nos cofres do Tesouro e as operações activas correspondem à saída de fundos daqueles cofres ou a operações escriturais de natureza idêntica.

Uma das maneiras de suprir dificuldades na execução do orçamento consistiria em recorrer para tal a operações de tesouraria (cf. o artigo 2.° do Decreto-Lei n.° 74/70, de 2 de Março); nesse caso, podia-se chegar a não respeitar de todo a previsão orçamental. Por isso, é proibido efectuar despesas por operações de tesouraria, salvo em casos especiais (artigo 36.°, § 3.°, da Lei de 20 de Março de 1907 e Decreto n.° 22 257, de 25 de Fevereiro de 1933, artigo 35.°, n.os 1, 2 e 3). A lei dispõe sobre a sua formalização e controle pelo TC.

Quanto às receitas, os seus casos mais conhecidos relacionam-se com as emissões de moeda e a gestão da dívida flutuante, destinadas a antecipar recursos de que o Estado disporá necessariamente no termo do período orçamental, e cujas condições de utilização (aliás hoje flexíveis) estavam rigidamente condicionadas (menos, todavia, do que ao abrigo do artigo 67.°, § único, da Constituição de 1933).

Quatro funções principais são então asseguradas por estas operações, tanto na forma das entradas de tesouraria (receitas de tesouraria) como através das saídas da tesouraria (despesas de tesouraria):

a) A antecipação de receitas que o Estado espera cobrar durante o ano, mas não pode movimentar quando delas careça para realizar despesas;

b) A colocação junto de certas instituições do sistema bancário de disponibilidades em excesso por prazos curtos, obtendo, assim, um rendimento (juro) de dinheiro que, de outra maneira, estaria inactivo (cf. Decreto-Lei n.° 49 240);

c) A gestão de fundos afectos a finalidades permanentes (como no Decreto-Lei n.° 74/ 70, de 2 de Março);

d) A utilização como instrumentos de politica monetária, regulando os mercados de dinheiro e a oferta de moeda (possível em casos como o dos bilhetes do Tesouro).

As operações de tesouraria previstas no artigo 7.°, n.° 2, do Decreto n.° 83/V e classificadas no requerimento do Presidente da República —em concordância, aliás, com a definição do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 113/85— como operações extra-orçamentais serão, na verdade, incompatíveis com a CRP? Serão inconciliáveis, designadamente, com as regras da anualidade e da plenitude orçamental?

17 — Decorre do que até aqui se escreveu que, à luz da CRP, serão admissíveis operações de tesouraria, isto é, operações extra-orçamentais, desde que elas tenham de algum modo a ver, mais ou menos directamente, com a gestão do património de tesouraria. Na realidade, o acolhimento constitucional do Tesouro como organismo a se e de longa tradição no nosso ordenamento jurídico não pode deixar de ter essa implicação.

Não será sempre fácil traçar a fronteira entre a gestão do património de tesouraria e a gestão do restante património do Estado, ou património stricto sensu. No caso presente (caso do artigo 7.° do Decreto n.° 83/V), a situação, todavia, não deixa margem para dúvidas.

É que em causa está a venda de elementos do património empresarial do Estado, rectius de acções das sociedades anónimas que, nos quadros do Decreto n.° 83/V, resultarão da transformação de empresas nacionalizadas. Uma alienação deste tipo, como é evidente, não pode nunca ser equiparada a mero acto de gestão do património de tesouraria.

Pelas receitas que gera e pelas despesas que permite impossível é de deixar considerá-la no Orçamento do Estado.

Deste modo, têm aqui aplicação, e plenamente, as regras da anualidade e da plenitude. A regra da anualidade implica:

a) A votação parlamentar, ano a ano, do orçamento;

b) A vigência do orçamento pelo período de um ano.

Esta regra era claramente afirmada no texto primitivo da CRP (artigo 108.°, n.° 1). No entanto, e apesar de no actual artigo 108.° da CRP se ter deixado de fazer qualquer referência directa a esse parâmetro temporal, é de entender que tal regra ainda hoje tem pleno acolhimento constitucional.

Com efeito, tudo indica que, aquando da revisão de 1982, o poder constituinte derivado se limitou a introduzir na CRP o conceito de Orçamento do Estado na sua acepção tradicional, muito particularmente no que respeita à sua vertente periódica (na história constitucional portuguesa os orçamentos sempre foram anuais). E a isto acresce o facto de a CRP, no artigo 93.°, alínea c), explicitamente afirmar que o plano anual há--de ter a sua expressão financeira no Orçamento do Estado, o que necessariamente, e ao nível temporal, os associa (neste sentido, Sousa Franco, ob. cit., p. 319, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2." ed., l vol., p. 470, e Guilherme de Oliveira Martins, Constituição Financeira, 2." vol., pp. 278 e 279).