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II SÉRIE-A — NÚMERO 13

Lá fora, assiste-se também a um esforço de busca. São exemplos disso, entre outros, as class actions, dos EUA, as «acções de grupo» da França, o «recurso colectivo» do Quebeque e os ensaios de acção popular em tentativa no Brasil. A própria CEE encara a adopção de formas e casos de legitimação grupai.

É claro que, no plano teórico, as perplexidades são muitas. Desde logo a questão de saber a que título e em que medida (de procurador?, de substituto processual?, de gestor de negócios?, outro?) os intervenientes em processo de acção popular representam os titulares dos interesses em causa. E não menos a projecção disso no plano dos efeitos do caso julgado. Fonte de dúvidas e hesitações é também o novo papel dos cidadãos no exercício da acção penal.

E a extensão dos novos poderes que necessariamente há que conferir ao julgador. E as novidades a consagrar em matéria de reparação de danos. E não menos a forma de fixar o quantum repondeatur (se em função do prejuízo recebido se do provocado). Ou a divisão ou o rateio entre os titulares — públicos e privados— desse quantum, uma vez fixado. Ou a quem imputar, e em que medida, a responsabilidade por custas, nomeadamente em caso de sucumbência.

Como se vê pela amostra, não é fácil — nem o foi — encontrar respostas para todas estas questões, sobretudo sem esfrangalhar, como se impunha, o velho e magnífico puzzle conceituai do nosso sistema jurídico de base romanística.

A tudo isto, de resto, se somam outras preocupações, como essa de estabelecer o justo equilíbrio entre o estímulo a que os cidadãos assumam o papel que lhes cabe — bem incómodo por sinal — de defesa da legalidade em sectores importantes do interesse público, colectivo ou difuso, e o desestímulo ao surgimento de uma classe de profissionais da acção popular com outros objectivos menos nobres e transparentes do que aqueles que motivam o legislador.

3 — Dir-se-á: porquê então tanto empenhamento em viabilizar e incrementar este tipo de acção? Só por que a Constituição assim o quer? Não decerto. Mas porque são preponderantes as suas vantagens e porque debalde se procurará opor o dique de uma recusa à tutela dos interesses que a justificam.

Não é só a necessidade de conferir aos respectivos titulares, no dizer do Sr. Deputado Mário Raposo, o direito a uma «crescente cidadania económico-social». Nem só a necessidade de conferir legitimidade processual às já referidas Sociedades intermédias, colectivas, comunitárias ou grupais para defesa de interesses colectivos ou difusos. Nem só a necessidade de fazer participar cada vez mais o cidadão na iniciativa da tutela judicial dos interesses que são de todos ou de muitos.

É também o reconhecimento de que as chamadas «lesões de massa» ficam em regra impunes porque são demasiado irrelevantes ao nível individual para motivarem iniciativas judiciais isoladas, e em regra demasiado graves para ficarem impunes só porque se não dispensa a coligação de todos ou de muitos.

É, pois, uma forma de, através de actos de participação democrática, por via judicial, proteger a parte mais fraca, em regra impondo restrições à autonomia da vontade da parte mais forte.

Para além disso, há que reconhecer o relevo de que se revestem a economia de juízes (tão necessária em face do bloqueamento dos nossos tribunais), a econo-

mia de despesas judiciais, a rapidez das soluções por multiplicação dos efeitos de uma decisão única e o acréscimo de eficácia do combate a flagelos tão preocupantes como os atropelos à saúde pública e à degradação do ambiente ou do património cultural. Este combate deixa de ser apenas do Estado e dos directamente lesados, passando a ser de todos.

Espera-se que venha a ser eficaz, porque é desde já democraticamente bonito!

4 — A nossa Constituição, prudente, como convinha, consagrou o direito de acção popular em casos contados, com permissão de mais como reserva de lei.

Entenderam também os signatários do presente projecto que, tratando-se de algum modo de um salto no desconhecido, há por ora que manter a prudência da Constituição.

Por isso se limitam a consagrar os termos em que pode ser exercido o direito de acção popular relativamente às infracções em que a própria Constituição consagra este direito, porém de forma a abrangerem quer os casos de acção popular já reconhecidos em legislação avulsa — até agora sem regulamentação que permitisse exercer o correspondente direito — quer os que no futuro venham a sê-lo.

Com uma diferença: em relação a todos estes casos, o presente projecto de lei inclui no objecto da acção popular a tutela de interesses difusos, porém em termos que não dispensam a criação de um regime processual específico.

Já se realçou o parentesco existente entre os interesses protegidos num caso e noutro.

E esse parentesco basta para justificar que nos casos em que a importância dos interesses em causa impõe a acção popular o direito dos respectivos titulares se não detenha perante a natureza difusa dos mesmos interesses. I

Mas impõe-se reconhecer que podem existir, e seguramente existem, interesses difusos que, pelas suas características, com destaque para a sua importância, podem justificar uma acção de grupo, sem chegarem a justificar uma acção popular. Em tal caso, o universo dos titulares do direito de acção deve restringir-se aos titulares do interesse de que se trate, desde que a todos eles.

5 — Debalde se recusará a justificação da acção popular na tutela de interesses tão importantes como a saúde pública, o ambiente e a qualidade de vida e o património cultural.

E facilmente se alcança que os mixordeiros, os profissionais da poluição e os depredadores do património cultural vão passar a ter a vida bem mais dificultada. Para persegui-los, cada cidadão é Ministério Público.

Com a preocupação de estimular saudáveis reacções individuais, associativas ou de grupos contra actividades nocivas, moléstias, insalubres, depredatórias e em geral perigosas, propõem-se a isenção de preparos e a de custas em caso de procedência parcial. Mas, com a também preocupação de desestimular o abuso do exercício da acção popular, por vezes com prejuízos irreparáveis, propõe-se uma regra especial de custas, posto que benigna, em caso de total sucumbência.

Com a mesma preocupação, conferem-se ao julgador excepcionais poderes, nomeadamente em matéria de indeferimento liminar, recolha de provas, avaliação de danos, efeitos do caso julgado e decisão segundo critérios de equidade.