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10 DE DEZEMBRO DE 1990

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PROJECTO DE LEI N.° 641 A/

LEI QUADRO DE DEFESA DOS ARQUIVOS E 00 PATRIMÓNIO ARQUIVÍSTICO PORTUGUÊS

1 — Se é certo que a defesa do património arquivístico português exige bem mais do que uma profunda reforma legislativa, poucos terão dúvidas de que não pode prescindir-se por mais tempo da adopção de medidas legais que fixem inequivocamente grandes opções, gizem com rigor os contornos de um sistema nacional de arquivos e estabeleçam metas, objectivos e responsabilidades claramente repartidas no tocante à definição, coordenação e execução de uma política arquivística integrada.

Todos reconhecem que constitui obstáculo de monta a escassez de recursos financeiros. Sucede, porém, que não deixa de acarretar incalculáveis custos históricos o facto de o regime jurídico dos arquivos portugueses ser presentemente constituído por uma labiríntica malha de diplomas com filosofias inspiradoras e características muito diversas. Legislação produzida no início dos anos 30, na década de 60 e no período posterior ao derrube da ditadura vai coexistindo precariamente, originando não apenas abundantes dificuldades de articulação como verdadeiros espaços vazios, tolhedores da necessária modernização.

Isto mesmo foi sublinhado no diploma que determinou a criação do Instituto Português de Arquivos. No preâmbulo do Decreto-Lei n.° 152/88, de 29 de Abril, assinalou-se, com objectividade:

A inexistência de um corpo legislativo que permita definir uma política arquivística coerente e adaptada às necessidades actuais da administração e das ciências da informação;

A inadequada subordinação, durante anos, da política arquivística a objectivos que, devido ao cunho dos departamentos de tutela (Direcção--Geral dos Assuntos Culturais, Direcção-Geral do Património Cultural), não tinham em devida conta as exigências técnicas do sector;

A persistente indefinição de competências quanto a importantes arquivos (v. g. Universidade de Coimbra, Universidade do Minho, Torre do Tombo);

A ausência de legislação clara sobre o destino a dar à documentação estática ou histórica dos serviços centrais do Estado, tornada desnecessária para a administração corrente e o agravamento deste facto pela extinção de importantes serviços a partir de 1974, bem como a falta de sequência das medidas preconizadas nesse sentido;

A necessidade de alterações de fundo motivadas pelo desmesurado crescimento do volume de documentação produzida actualmente, sem adequada definição prévia de normas gerais para a sua selecção e preservação (facto tanto mais grave quanto se tornam cada vez mais exigentes as técnicas actuais das ciências de informação cujo ponto de partida está precisamente na selecção e classificação dos seus suportes materiais);

O risco de destruições criminosas mas inevitáveis se a documentação produzida não for rigorosa e atempadamente seleccionada e classificada.

A este impressionante rol de disfunções poderiam ter sido acrescentadas muitas outras:

Degradação dos arquivos públicos por penúria financeira e técnica;

Endémica carência de pessoal e equipamentos;

Crise dos arquivos distritais;

Adiamento da modernização de serviços;

Sucessão de crises de direcção e orientação dos departamentos públicos responsáveis;

Aberrantes prazos de proibição de consulta pública dos documentos;

Inexistência de políticas integradas que, sem vezos centralistas, tenham em conta a natureza do Estado Português (que compreende regiões autónomas e órgãos de poder local constitucionalmente libertos de ingerências da Administração Central);

Ausência de regras que incentivem e assegurem a preservação de importantes arquivos privados (incluindo os pertencentes a associações, empresas, sindicatos, partidos e instituições eclesiásticas);

Bloqueamento do intercâmbio de informação entre os arquivos portugueses, brasileiros e de países africanos de expressão portuguesa ou de outras regiões do mundo mais extreitamente ligadas à história portuguesa...

Por outro lado, uma pesada indefinição marcou durante anos o tratamento das questões relacionadas com importantes acervos documentais contidos nos arquivos de Salazar e Marcello Caetano e nos múltiplos arquivos confiados ao Serviço de Coordenação de Extinção da PIDE/DGS, tolhendo a investigação histórica e deixando irresolvidas questões extremamente relevantes relacionadas com a propriedade de certos documentos e objectos e com as regras de acesso público ao conteúdo (não homogéneo!) dos arquivos. O meritório labor da Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista, criada pelo Decreto-Lei n.° 110/78, de 26 de Maio, nunca poderia bastar para colmatar todas as deficiências do sistema legalmemnte instituído, cuja interpretação e aplicação foi rodeado, por acréscimo, de negativas vicissitudes rigorosamente recenseadas, aliás, no bem relatado parecer da Procuradoria-Geral da República sobre o processo n.° 23/84, livro n.° 63 (Diário da Republica, 2." série, n.° 28, de 2 de Fevereiro de 1985).

2 — A criação do Instituto Português de Arquivos não alterou substancialmente este quadro preocupante. Desde logo ficou bloqueada até ao presente momento a revisão global do quadro legal aplicável, tendo como ponto de partida a aprovação, após amplo debate público, de uma lei sobre o regime geral dos arquivos e do património arquivístico.

Constituída para esse efeito uma comissão, presidida pelo Prof. Doutor José Mattoso e composta por eminentes especialistas, foram produzidos estudos preparatórios e um articulado nunca submetido à Assembleia da República.

O anúncio da extinção da Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista bem como a projectada integração dos arquivos confiados ao serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS vieram criar na comunidade científica justas apreensões quanto a pos-