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II SÉRIE-A — NÚMERO 31

A mudança contínua registada em muitas das pequenas autarquias fez com que também se desactualizasse a sua classificação actual na hierarquia da organização administrativa do País.

As termas do Gerês, lugar da freguesia de Vilar da Veiga, no concelho de Terras de Bouro, distrito de Braga, foram desde há muito consagradas a nível nacional e internacional. O elevadíssimo valor terapêutico das suas águas mineromedicinais e geografia rica e exuberante, em termos ecológicos e paisagísticos, do Parque Nacional da Peneda-Gerês atraem anualmente milhares de pessoas.

Estas características, ímpares, facilitaram o desenvolvimento nos aspectos sociais, económicos, culturais e turísticos que fizeram desta estância termal o grande «emblema» e ponto de referência do concelho e da região em que está inserida.

De tal forma isso é notório que é frequente surgir entre os largos milhares de visitantes, nacionais e estrangeiros, que todos os anos até ali demandam — em 1989 ultrapassaram os 600 mil! — a perplexidade pelo facto de o Gerês, em termos de organização administrativa, não passar, ainda, de um simples lugar.

Uma comissão de geresianos e amigos do Gerês decidiram apresentar à apreciação dos órgãos autárquicos competentes, e ao abrigo do disposto no artigo 12.°, conjugado com o artigo 14.°, do Decreto-Lei n.° 11/82, de 2 de Junho, a proposta de elevação do lugar das termas do Gerês à categoria de vila, que obteve vencimento.

Razões históricas

A antiguidade da povoação do Gerês, em termos de ocupação permanente e pelas razões que adiante se exporão, não é significativa. Mas já outro tanto não acontece em relação ao uso das respectivas termas, cujo inicio remonta, pelo menos, ao período da presença dos Romanos na Península Ibérica.

Segundo historiadores e toponimistas consagrados e insuspeitos, como o cónego Arlindo Ribeiro da Cunha e outros, a origem do topónimo Gerês é latina.

Assim, e de acordo com essa tese, foi do étimo latino Jerussus, criado pelos romanos para designar estas montanhas que, para eles, dispunham de enormes semelhanças geomorfológicas com os montes Jura, na Gália ainda que com dimensões mais reduzidas — e daí o diminutivo Jeressus... — que derivou a actual designação de Gerês.

A confirmar esta tese aponta-se o facto de já Frei Luís de Sousa, na sua obra A Vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires (primeira edição em 1619) referir que o termo Jeressus era um nome antigo da serra do Gerês ou monte Gerês. Vale a pena saborear algumas das belíssimas palavras que aquele autor dedica a esta serra: «Jeressus chamaram os antigos na serra altíssima e igualmente fragosa...; terra pobre e, por razão de grande aspereza, em muitas partes despovoada e tão alheia do trato humano, que cria ursos, e porcos monteses, e todo género de veação em abundância», (p. 399 da edição de 1984, Lisboa, Imprensa Nacional).

O geógrafo Amorim Girão, que pela primeira vez se referiu aos vestígios glaciares da serra do Gerês, defendeu em vários artigos a grafia Jures e não Gerês como o nome vernáculo da mais famosa serra do noroeste português.

Num dos seus últimos artigos dedicados a este problema (publicado no Boletim do Centro de Estudos Geográficos, n.os 16-17, Coimbra, 1958, pp. 98-100), transcrevia mesmo uma inscrição latina, datada de 1815, que se encontrava no antigo Jardim de Carreira ou do Passeio Público de Vila Real, onde surgem claramente os termos Juresso Monte como o nome antigo da serra do Gerês, o que em grafia actual daria Jures. E refere expressamente que «contra a maneira de falar e escrever dos novos, é a pronúncia dos velhos que neste caso precisamos de defender».

A «pronúncia dos velhos» de que o Prof. Amorim Girão fala ainda hoje se pode constatar entre as pessoas mais idosas residentes nas povoações próximas das termas do Gerês, que pronunciam claramente Jures, numa inequívoca manifestação da tradição oral popular. É igualmente curioso verificar que o mesmo se passa nas povoações galegas próximas da fonteira da Portela do Homem, onde usam o termo Xurês, quando se referem a esta serra e à povoação que dela herdou o nome.

Parece não se dever pôr em causa a origem latina do topónimo Gerês, sendo as transformações entretanto verificadas (Juressus — Jureus — Jures — Gerês) facilmente explicáveis através dos fenómenos de alterações fonéticas que normalmente se registam na evolução dos vocábulos com o decorrer dos tempos e em todas as línguas.

Há também o testemunho inequívoco da passagem e presença dos romanos nesta região, designadamente pela presença de uma das cinco vias militares romanas que ligavam a cidade de Braga (Bracara Augusta) — principal sede, e quiçá única, do Conventus Bracaraugustanus — a Astorga (Asturica Augusta), que demandava os valores dos rios Cávado e Homem, atravessando obliquamente a serra do Gerês por terras de Amares e terras de Bouro até à Portela do Homem, a qual, neste trajecto, era vulgarmente conhecida por Geira.

Mandada construir pelo imperador Vespasiano, por volta do ano 75 da nossa era, existem ainda na serra do Gerês parcelas significativas dessa via romana, bem como diversos marcos miliarios, que demarcavam as milhas que separavam aquelas duas cidades.

Se a presença dos romanos na serra do Gerês é, pelas razões apontadas, facilmente comprovável e historicamente correcta, outro tanto já não sucedeu, durante muito tempo, em relação à sua estada nas termas do Gerês, apesar de ser geralmente reconhecida a sua apetência pela prática da balneoterapia e termalismo.

Teriam os romanos utilizado já as águas mineromedicinais do Gerês sem que, entretanto e como era sua prática corrente, tivessem deixado vestígios palpáveis que documentassem para os vindouros a sua presença no local? Ou seriam tais vestígios destruídos com o decorrer dos anos?

Estas dúvidas viriam a ser dissipadas quando, em 1897, por ocasião das escavações efectuadas para a construção dos alicerces dos actuais balneários de segunda classe, sitos junto à nascente das águas termais, foram encontradas diversas moedas dos imperadores romanos Callienus (do ano 253 a 268) e Cons-tancius (nos anos 305 e 306), o que prova a presença dos romanos nas termas do Gerês, embora se desconheça por quanto tempo e se procederam ou não ao levantamento de qualquer construção.