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1 DE JULHO DE 1991

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se interinflucnciam. O homem é apenas o último c mais aperfeiçoado elo dessa ininterrupta cadeia dc seres vivos.

Poróm, perante o sofrimento, nenhuma diferença especial existe entre o homem e os animais: os comportamentos destes são os mesmos daquele: a ansiedade, a angústia, a fuga, os gritos, a agressividade; e a biologia apurou também que os animais experimentam as mesmas necessidades fundamentais dc se alimentarem, dc se reproduzirem, de terem um habitat, dc serem livres.

A única diferença cm relação ao homem reside cm que este, por ser dotado de razão e capaz de pensamento abstracto, é consciente c responsável pelos seus actos, cuja prática deverá subordinar a valores da natureza ética; e é precisamente à luz dessa responsabilidade dc ordem moral que devem entender-se as suas obrigações em relação aos animais, com quem compartilha a existência na terra que, como ele, são capazes dc sofrer física e psiquicamente, mas que, ao contrário dele, são fracos c vulneráveis, incapazes de se defenderem ou fazerem ouvir a sua voz.

Por isso o fundamento actual da protecção dos animais, para além dc razões antropocêntricas e egoístas, económicas, estéticas e culturais, radica sobretudo num motivo de ordem ética: o homem tem uma obrigação moral em relação aos animais.

Daqui decorre uma das recentes posições da zoofilia: os animais, em vez de serem considerados, como na concepção jurídica clássica, simples coisas, passaram a ser sujeitos dc direito, designadamente dc direito à protecção envolvendo, antes dc mais, o direito dc não serem vítimas dc torturas ou sofrimentos inúteis.

A protecção animal faz assim parte do grande princípio da protecção da vida cm geral. Entre os direitos do homem e os direitos do animal não há qualquer contradição, mas sim complementaridade.

2 — Os direitos do animal foram compendiados, cm 1987, na Declaração Universal dos Direitos do Animal, promulgada na UNESCO aos 15 de Outubro desse ano.

Em todo o mundo civilizado e, cm particular, na Europa, o movimento legislativo para a protecção dos animais tem-se acelerado c aperfeiçoado nos últimos anos, sob o impulso, sobretudo, do Conselho da Europa c da CEE. Produziu, com efeito, o Conselho da Europa, no domínio da protecção aos animais, uma importante obra legislativa supranacional, traduzida cm vários tratados internacionais, alguns dos quais, como a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais dc Abate (Decreto n.9 99/81, de 19 dc Junho), a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais nos Locais dc Criação (Decreto n.9 5/82, dc 20 de Janeiro) c a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais em Transporte Internacional (Decreto n.9 33/82, dc 11 de Março), já foram ratificados por Portugal c são, portanto, lei interna portuguesa.

Foram ainda elaboradas pelo Conselho da Europa a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais dc Companhia (já assinada por Portugal c aguardando ratificação) e a Convenção Europeia para a Protecção dos Animais Vertebrados Utilizados para Fins Experimentais c Outros Fins Científicos, que Portugal se propõe assinar cm breve.

Acompanhando esta acção do Conselho da Europa, numerosos países europeus têm publicado leis dc protecção aos animais, as mais recentes das quais são as leis sueca e alemã (1972), a suíça (1978) c a luxemburguesa (1981).

Também a CEE, através da Comissão, tem desenvolvido uma relevante actividade no campo da repressão da crueldade contra animais, donde resultaram várias recomendações e directivas comunitárias neste sector.

3 — A legislação portuguesa dc protecção aos animais, com excepção das três convenções internacionais já ratificadas atrás referidas, data da I República (sobretudo, os Decretos n.<» 5650, de 10 dc Maio dc 1919, c 5864, dc 12 de Junho de 1919, e a Portaria n.9 2700, do Ministro do Interior dc 6 de Abril dc 1921).

Para além deste imenso atraso, pode afirmar-se que a situação em Portugal tem vindo a degradar-se, sobretudo porque as multas previstas naqueles diplomas legais como sanção para os actos dc crueldade para com os animais (2S e 15S) (!) deixaram dc ter qualquer valor intimida-lório c ainda porque a fiscalização pelas autoridades da escassa legislação avulsa existente deixou praticamente dc ser feita Quanto às disposições convencionais, embora sejam direito interno português, dc facto não são cumpridas.

Portugal não pode continuar a permanecer «orgulhosamente só» numa Europa que considera a protecção dos animais como uma aquisição cultural irreversível. É, por isso, imperioso que a legislação portuguesa sobre a protecção aos animais se aproxime das suas congéneres europeias designadamente das dos restantes países da CEE.

4 — O projecto de lei que se segue inspira-se nas mais modernas leis europeias da especialidade, que são as que atrás ficaram referidas e ainda nas convenções internacionais dc iniciativa do Conselho da Europa, que Portugal subscreveu e cujos preceitos foram, por isso, reproduzidos no articulado.

Ao rigor dos princípios da zoofilia abriu-se uma importante excepção, na medida cm que as touradas continuarão a ser permitidas, desde que no estilo tradicional português c com exclusão rigorosa das touradas à espanhola ou com sortes próprias desta, como é a sorte dc varas.

A controvérsia sobre permissão das touradas (à espanhola ou à portuguesa) já é antiga c conduziu à sua proibição absoluta durante a monarquia pelo Decreto de 12 dc Setembro dc 1836 cm virtude dc, como no seu preâmbulo sc lia, «serem um divertimento bárbaro c impróprio das nações civilizadas que serve unicamente para habituar os homens ao crime c à ferocidade».

Esse decreto viria, contudo, a ser revogado pelo Decreto dc 20 dc Junho dc 1837, que limitou a interdição às touradas à espanhola, regime que tem perdurado até hoje c que, considerando a força da tradição, será mantido.

Como afirmou o Papa João Paulo II, «ao aprender a amar c respeitar as criaturas inferiores, o homem aprenderá também a ser mais humano com os seus iguais».

Para além dc representar uma tentativa de recuperação do atraso cultural português em relação à Europa neste domínio, a aprovação do presente projecto de lei terá também o objectivo humanista c pedagógico que lhe foi assinalado nestas palavras do Santo Padre.

Nestes lermos, aprcsenia-sc o seguinte projecto de lei:

CAPÍTULO I Princípios gerais

Artigo l.s

Violências

1—São proibidas todas as violências injustificadas contra animais, considerando-se como tais os actos consistentes cm, sem necessidade, se inflingir a morte, o sofrimento ou lesões a um aniinal.