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II SÉRIE-A — NÚMERO 11

centrífugo ou continental da Europa comunitária não custa a admitir. Que os restantes elementos de ancoragem geográfica, designadamente atlânticos e mediterrânicos, desapareçam ou se ofusquem progressivamente é hipótese que parece exagerada.

Não é tanto porque o Centro da Europa, sendo uma área de grandes potencialidades (e não só para a Alemanha), também vai ser uma fonte inesgotável de dificuldades financeiras e perturbações políticas num período relativamente largo. Uma zona instável, embora no bom caminho.

O que se afigura mais importante e digno de realce é que, por um lado, à potência mais continental —a Alemanha — o respaldo ocidental continuará a ser vital; por outro lado, os próprios actores das outras sensibilidades geográficas (ou geopolíticas) não desarmarão nas suas teses e nos seus interesses. E podemos ter grandes, médios e pequenos países no mesmo barco, com pactos bilaterais e triangulações para todos os gostos.

A convivência no seio da Comunidade nos últimos 40 anos já provou como a dinâmica nunca é unívoca e unidireccional. Desde que não se caia na tentação perigosa de pensar que há membros supranumerários nas Comunidades, só porque sempre sonharam a respectiva evolução num sentido heterodoxo.

13 — Soberania e interdependência no limiar do século xxi

Uma das mais insidiosas maneiras de criticar um projecto de aventura europeia, como é o de Maastricht (com todos os compromissos defeituosos e a expressão infeliz, aqui e acolá, que se lhe conhece), é agitar bandeiras antigas e ultrapassadas, em nome de conceitos tão importantes quanto são os de soberania, independência, identidade nacional, etc.

Também se diga, porque vem a talhe de foice, que igualmente manipuladora e condenável é a postura dos que defendem o Tratado da União e com esse desiderato proclamam que nenhum desses históricos conceitos é minimamente beliscado.

Há argumentos que é inútil avançar porque ninguém acredita neles.

O mundo no final do século xx é indubitavelmente um mundo de interdependências, de mútuas influências, mesmo que estejamos ainda longe da «aldeia global» de que nos falava Marshall McLuhan. Se as interdependências transfronteiriças até atingem o nosso quotidiano, pela via comunicacional (os áudio-visuais, o turismo) ou tecnológica (as máquinas e os bens de consumo ao nosso dispor), como evitá-las quando subimos até aos aparelhos de defesa dos interesses mais gerais, ao Estado e à Administração Pública?

A interdependência é um dado adquirido para qualquer responsável público de qualquer país do mundo (que não se situe numa pequena ilha ao sul do Pacífico ... e mesmo assim ...). A soberania, vista como o direito de um Estado à autodeterminação a toda a hora, independentemente de tudo o que lhe é exterior, por que é relativo a outro Estado ou grupos de Estados, já não existe há muito tempo.

Não existe, sequer, para o chefe de um Estado que seja superpotência.

Não existe, por maioria de razão, para nenhum governante de países que decidiram prosseguir em comum um certo número de acções ou experiências.

Entre estes dois exemplos vai uma distância que é forçoso percorrer. É que a soberania pode ter uma acepção sócio-política como aquela que telegraficamente se referiu, mas pode também ser construída com recurso a critérios mais formais. O Estado soberano, dizia-se nos manuais iluministas, é aquele que pode cunhar moeda, ter um exército, dispor do direito de legação (isto é, de representação diplomática externa), eventualmente veicular uma língua e usar uma simbologia própria (bino, bandeira, etc).

Se ter tudo isto é ser Estado soberano e ver-se limitado nalgum desses componentes é deixar de ser soberano, o caso muda de figura.

E é indubitável que as Comunidades Europeias são uma experiência em que o caso muda de figura.

Muda de figura desde há muito tempo, desde o início. É que ela é um dos primeiros exemplos históricos de supranacionalidade, de transferência por um certo número de Estados soberanos de competências próprias que compõem a sua soberania (no sentido formal) em favor de uma organização internacional em que todos participam e que a todos representa, naturalmente, nos domínios transferidos.

A transferência de poderes soberanos — legislar, angariar receitas e efectuar despesas são mero exemplo — fez-se segundo a técnica a que adiante se aludirá das competências de atribuição, deiimitadas nos tratados. Mas fez-se desde o início para os Estados originários, posteriormente para os Estados aderentes, sem que fossem suscitadas de modo assim radical questões que hoje surgem, como a capitulação da soberania nacional.

Há ainda a considerar a apresentação do fenómeno de transferência e o problema da expressão quantitativa e qualitativa dessa transferência.

14 — Perda de soberaxa e partilha de soberania

Não é de hoje nem de ontem, mas de sempre, a transferência de poderes soberanos pelos Estados membros das Comunidades Europeias para essa organização internacional e supranacional por eles criada.

Posta a questão nestes termos, sem artifícios, é compreensível que se afirme que um país como Portugal perde parte da sua soberania de cada vez que ratifica um tratado comunitário.

Antes de passar ao problema da natureza dessa perda, que pode redundar numa questão de apresentação dos conteúdos por forma mais aceitável, não só em termos psicológicos, como também em termos constitucionais internos, haverá que reflectir sobre o grau de transferência operado pelo Tratado da União Europeia.

Ao enumerar algumas das características nucleares de um conceito formal de soberania, referimos de propósito a emissão de moeda, a titularidade de exército próprio, o direito de legação diplomática.

Todos estes três elementos da definição clássica e tradicional de soberania são objecto de disposições do Tratado. Quanto à moeda, porque o Tratado prescreve a instituição a prazo durante a terceira fase da UEM de um moeda única (artigo 3.°-A) e o consequente desaparecimento da moeda do Estado (Português). Quanto ao exército, a previsão, embora num prazo futuro e incerto, de defesa comum (artigo J.4) pode implicar a existência de exército comum e, nessa medida, a eliminação de exércitos privativos de cada um dos Estados membros.