9 DE JANEIRO DE 1997
193
na Europa. O abade do Mosteiro de Alcobaça encabeça a lista dos que dirigem as petições ao rei de Portugal e ao papa para a criação da universidade, o que atesta uma visão ousada e um poder de liderança aceite a nivel nacional e face à Igreja. É ainda decisivo o papel dos monges de Cister, quer na manutenção da universidade, quer no recrutamento de professores qualificados, quer, também, nas preocupações remuneratórias dos professores. Notável.
Artistas, barristas, pintores, entalhadores, historiadores, cientistas, professores, constituem o cume da glória da cultura nacional. Projecta-se além fronteiras, quando, no século xvi, o Mosteiro de Alcobaça é elevado à categoria de cabeça da Ordem de Cister, que, ao tempo, contava com 742 mosteiros espalhados pela Europa, dos quais 32 se se-diavam em Portugal.
A biblioteca do Mosteiro era uma das mais importantes do País. No scriptorium do Mosteiro copiavam-se e traduziam-se obras de inegável merecimento. Os códices aí preparados, com excelente encadernação e ricas iluminuras, atingiram níveis artísticos inigualáveis.
A Monarquia Lusitana — 3." e 4.a partes — foi escrita por Frei António Brandão e a 1.a e 2." partes por Frei Bernardo de Brito. A 1parte desta monumental obra foi impressa na tipografia do Mosteiro.
3 — Todo o seu esplendor, riqueza e importância sofrer ram rudes golpes com a extinção das ordens religiosas, as invasões francesas, as lutas liberais e a implantação da República. O Mosteiro fica, praticamente, reduzido às paredes. Todo o riquíssimo património arqueológico, artístico, bibliográfico e histórico foram objecto de delapidação, de abandono, de destruição e de pilhagem. Perdeu-se um incalculável património onde repousava uma boa parte da alma e da história pátria. O que não foi levado para o estrangeiro dispersou-se por instituições públicas e por particulares.
Impõe-se um esforço e muita imaginação para fazer regressar a Alcobaça e ao seu Mosteiro muito do que anda disperso. Impõe-se fazer renascer a esperança de que é possível repor e juntar uma boa parte desta memória colectiva — valiosas alfaias, riquíssimos paramentos, vasos de culto, mobiliário, baixelas de ouro e de prata, louças orientais, tapeçarias, quadros, livraria dos mestres iluministas, estatuária de barro, azulejos, etc, tudo se perdeu.
4 — O Mosteiro de Alcobaça é, hoje, património da Humanidade.
Nele vai ser investida uma verba de cerca de 1 milhão de contos, o que se enaltece. Após realização das obras de conservação e restauro renova-se aquilo que foi uma das glórias e a magnificência da arquitectura nacional e da arquitectura cistercense a nível europeu. Mas esta jóia, bem como o investimento de conservação e restauro, exigem que se lhes dê um sentido e que se vá mais além. Torna-se necessário revitalizar energias latentes ou adormecidas. Impõe-se criar condições locais para que todo ou boa parte do acervo disperso do Mosteiro volte ao seu local de origem. É preciso dar alento a este ideal. É preciso recriar na zona de influência dos monges de Alcobaça um pólo de cultura que não tenha como base de sustentação qualquer ideia políüco-partidária efémera ou de oportunismo político, mas se funde num desígnio nacional. A Ordem de Cister, Alcobaça e o seu Mosteiro representaram, aquando da fundação, uma ideia de Europa e de comunicação dos povos entre si, de cultura sem fronteiras. Neste momento histórico da construção da Comunidade Europeia podemos beber ricos ensinamentos do espírito cistercense ...
5 — Na construção da Comunidade Europeia em que estamos activamente envolvidos e comprometidos é imperioso que se criem, já, condições para que a cultura portuguesa e a identidade nacionais se «agarrem ao chão», e se fortaleçam, saudavelmente, nas pessoas de hoje e de amanhã, de forma a evitar que nos diluamos numa argamassa em que nada é identificável.
E Alcobaça e o seu Mosteiro podem ser um «lugar privilegiado» onde «aconteça cultura», donde irradie, com espírito universalista, a alma da portugalidade. Sem receios, sem reservas mentais, sejamos portugueses em Portugal e na Europa.
6 — Com esta iniciativa legislativa pretende-se dar vida e dar alma às pedras frias e sombrias do Mosteiro. Pretende-se que deixe de ser apenas uma passiva maravilha da arquitectura portuguesa e cistercense. Pretende-se que seja uma maravilha activa, viva, dinâmica, com alma, um pólo de desenvolvimento e produção cultural, que marque presença fora dos centralismos de Lisboa e do Porto, que espalhe, divulgue e anime a actividade cultural na chamada província.
A estrutura e a dimensão do Mosteiro — as fachadas poente e norte têm, cada uma, 221 m de comprimento — abrem perspectivas quase ilimitadas e têm potencialidades quase inesgotáveis.
Aproveitemos, sabiamente, o que temos ...
7 — Uma palavra mais, que não é de circunstância. No Mosteiro de Alcobaça repousa, na obra mais acabada de toda a escultura tumular do século xiv, a mais real, a mais bela, a mais autêntica, a mais sublime paixão de eternos amantes que foram Pedro e Inês. Romeu e Julieta são um mito construído pelo génio de Shakespeare. A pujança de tal mito foi objecto da também genial sequência de que foi objecto. Mundializou-se o mito por quem soube fazê-lo. A história de Pedro e Inês não só não se mundializou, porque nos faltou «engenho e arte» para tal, como até se esqueceu e congelou. E congelou-se a mais bela e rica história de amor que, curiosamente, o povo consagrou e nela se reviu.
Há que «desenterrar» esta ímpar história de amor de Pedro e Inês, que empalidece toda a construção mítica de Romeu e Julieta.
Agarremos o que é nosso ...
8 — Com estes pressupostos, com este historial, com estas potencialidades há que encontrar uma solução para emprestar vida ao Mosteiro de Alcobaça, dar-lhe um préstimo valioso ao serviço das populações locais, ao serviço da zona que foram os coutos de Alcobaça, ao serviço do País, ao serviço da Europa e do Mundo. Temos, nas nossas mãos, uma oportunidade única no tempo histórico que vivemos de vitalizar um pólo de criação e difusão culturais, de promover de forma sustentada a descentralização cultural.
Não desperdicemos oportunidades...
Impõe-se, assim, que no local — Alcobaça e seu Mosteiro — seja criada uma estrutura que faça a gestão de tão grandioso espaço, que o dinamize, que lhe dê outras utilidades, que lhe restitua a alma, que o transforme em protagonista de acontecimentos culturais. Muitas poderão ser as formas de atingir este desiderato, mas há uma que parece inquestionável — a instituição» da Fundação de Cister.
Nestes termos, e nos das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, o Deputado do Partido Social-Democraia abaixo assinado apresenta o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.°— 1 —É instituída a Fundação de Cister, adiante designada abreviadamente por Fundação.