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II SÉRIE-A —NÚMERO 22

Assim, o aborto seria, por natureza, um atentado contra o direito à vida, qualquer que seja o momento ou as circunstancias em que é praticado.

4 — Por isso, a exclusão da ilicitude do aborto, ainda que limitada aos casos e condições previstos no artigo 141.° do Código Penal, na redacção proposta, infringiría directamente o princípio da inviolabilidade da vida humana e, reflexamente, outros princípios ou normativos constitucionais, tais como:'

a) O da igualdade dos direitos dos cônjuges à manutenção dos filhos, consagrado no n.° 3 do artigo 36.°, uma vez que o texto dos novos artigos 139." e 141.° do Código Penal apenas exige o consentimento da mulher grávida;

b) O da igualdade dos valores «paternidade» e «maternidade», que, por força do artigo 57." da Lei Constitucional n.° 1/82, foram mandados inscrever como epígrafe no artigo 68.° da Constituição e consagrados como «valores sociais eminentes» no n.° 2 desse artigo 68.°;

c) O do direito à integridade pessoal, previsto no artigo 25.°, na medida em que o aborto significaria um trato cruel, degradante e desumano para a criança que é destruída e eliminada;

d) E ainda o princípio da «defesa da dignidade da pessoa humana» (artigo 1.° da Constituição), o da «realização pessoal» conferido aos membros da «família» (artigo 67.°, n.° 1), o do «desenvolvimento integral» das crianças (artigo 69.°), o da plenitude dos direitos dos que sofrem de deficiência física ou mental (artigo 71.°), etc.

O Tribunal Constitucional foi, no entanto, do entendimento de que as normas constantes do artigo 1.° do decreto n.° 41/m, da Assembleia da República, relativo à «exclusão da ilicitude em alguns casos de interrupção voluntária da gravidez», não são inconstitucionais.

Permitimo-nos citar a última parte do acórdão supra-refe-rido, que é bastante claro cjuanto às questões controvertidas:

Embora a vida uterina do nascituro e da mãe pareçam prima facie ter o mesmo conteúdo essencial — tanto que se afirma do lado da ciência não haver nenhuma' diferença qualitativa entre uma e outra —, não podemos, porém, esquecer que para o direito pode não ser assim, estando a ciência jurídica ainda longe de uma plena equiparação, não obstante alguns progressos que lentamente vão sendo alcançados.

A evolução a tal respeito não é tal que se possa falar de capacidade jurídica geral, mas apenas «restrita», do nascituro e, assim, é impossível ou, pelo menos, muito difícil organizar a defesa da vida humana que já lhe compete constitucionalmente. . O conflito dos dois bens ou valores pode ter uma solução diferente daquela que teria se o conflito se desenhasse após o nascimento. Para o demonstrar basta a tradição jurídica nacional, que, como é sabido, nunca equiparou o aborto ao homicídio. As concepções sociais dominantes vão também no mesmo sentido.

Em todo o caso, o sacrifício de uma em face da outra, embora devendo ser proporcional, adequado e necessário à salvaguarda da outra (incluindo aqui a vida e a integridade física ou físico-psíquica — artigo 25.°— da mãe), pode ser maior ou me^

nor em face da ponderação que o legislador faça no caso concreto, sempre restando, então, uma certa liberdade conformativa do legislador dificilmente controlável pelo juiz, pelo Tribunal Constitucional.

Estamos, assim, caídos, ao fim e ao cabo, com muitas ligeiras diferenças, nas soluções que a doutrina germânica tem defendido perante preceitos e princípios constitucionais idênticos, até porque neste ponto a Constituição Portuguesa, ou seja, as que em síntese ficaram referidas no capítulo v-1 e 2.

Poder-se-á objectar que aqueles requisitos — proporcionalidade, necessidade e adequação do sacrifício da vida humana intra-uterina— parecem faltar, pelo menos, no aborto eugénico e criminológico.

Aqui podem as dúvidas ser cruciantes — e são--no, mesmo para o relator.

Embora possamos admitir e compreender que malformações graves do futuro filho e mesmo uma gravidez resultante de violação possam gerar situações que se reflictam gravemente na saúde fisíco--psíquica da mulher grávida e que, então, entre a doença e a morte não irá grande distância, sérias dúvidas se poderiam suscitar quanto à verificação daqueles três requisitos (proporcionalidade, necessidade e adequação).

Em todo o caso, sempre seria de acentuar que no confronto de um valor não juridicamente subjectivado —o da vida humana intra-uterina — com outros valores juridicamente subjectivados na mulher grávida, com a natureza de direitos fundamentais, é lícito admitir a possibilidade de sacrifício daquele que não deixe de observar os aludidos três requisitos, principalmente quando tal é apenas admitido — como sucede no decreto em apreço— nas primeiras semanas de gravidez.

Como quer que seja, mesmo na constância de dúvidas insuperáveis que o relator não pode inteiramente afastar, sempre haveria de entender-se dever prevalecer a presunção de não inconstitucionalidade.

Além da fiscalização preventiva do decreto em causa, posteriormente à promulgação do Presidente da República, o Provedor de Justiça requereu a fiscalização abstracta sucessiva sobre a constitucionalidade dos artigos 140.° e \W? do Código Penal, na redacção que lhes foi dada pelo artigo 1.° da Lei n.° 6/84, de 11 de Maio, bem como dos artigos 2.° e 3.° dessa mesma lei, que excluem a ilicitude em certos casos de interrupção voluntária da gravidez.

De novo o Tribunal Constitucional se pronunciou pela constitucionalidade dessas normas.

O relator desse acórdão (Acórdão n.° 91/85, de 19 de Junho de 1985), o conselheiro Magalhães Godinho, considerou que, analisados os preceitos impugnados, designadamente o artigo 140.° do Código Penal, que define os casos de exclusão da ilicitude — perigo de morte ou para a saúde física e psíquica da mulher, previsível doença ou malformação do nascituro, gravidez resultante de violação—, forçoso é verificar que tais casos configuram situações típicas de conflito entre, por um lado, a persistência da gravidez e a correlativa garantia da vida intra-uterina e, por outro, certos direitos fundamentais da mulher grávida ou outros valores ou interesses constitucionalmente protegidos (direito à vida e à saúde, direito a uma maternidade consciente, incluindo a escolha do pai dos seus filhos).