30 DE MAIO DE 1997
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I — Breve esboço histórico e motivações da proposta de lei
A proposta de lei n.° 80/VII visa alterar o Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 400/82, de 23 de Setembro, alterado pelo Decreto-Lei n.° 48/95, de 15 de Março.
O Decreto-Lei n.° 48/95, que reviu e publicou em anexo o Código Penal, entrou em vigor em 1 de Outubro de 1995 e foi publicado no uso da autorização legislativa concedida pelo artigo 1.º da Lei n.° 35/94, de 15 de Setembro, rectificada pela Declaração de rectificação n.° 17/94, de 13 de Dezembro.
A revisão operada em 1995 assentou no pressuposto de que o Código Penal de 1982 permanecia válido na sua essência, tal como é afirmado no n.° 2 do preâmbulo do Decreto-Lei n.° 48/95.
A experiencia da sua aplicação ao longo de mais de uma década tinha demonstrado, contudo, «a necessidade de várias alterações com vista não só a ajustá-lo melhor à realidade mutável do fenómeno criminal como também aos seus próprios objectivos iniciais, salvaguardando-se toda a filosofia que presidiu à sua elaboração e que permite afirmá-lo como um código de raiz democrática inserido nos parâmetros de um Estado de direito».
Entre os vários propósitos que justificavam a revisão destacava-se «a necessidade de corrigir o desequilíbrio entre as penas previstas para os crimes contra as pessoas e os crimes contra o património, propondo-se uma substancial agravação para as primeiras».
Assumia-se «ainda a importância de reorganizar o sistema global das penas para a pequena e média criminalidade, com vista a permitir, por um lado, um adequado recurso às medidas alternativas às penas curtas de prisão, cujos efeitos criminogéneos são pacificamente reconhecidos, e, por outro, concentrar esforços no combate à grande criminalidade».
Neste contexto compreende-se que as alterações ao Código Penal constantes desta proposta de lei não traduzem uma verdadeira revisão — ainda que pequena — da lei penal.
A própria exposição de motivos, partindo do pressuposto de que são desaconselháveis mutações frequentes da lei penal — por razões de igualdade no tratamento dos arguidos e das próprias vítimas e de segurança jurídica —. afirma que a proposta se confina «às alterações julgadas estritamente indispensáveis na parte geral. A parte especial visa, no essencial, corrigir contradições valorativas: contradições imanentes ao sistema, no dizer de Karl Engish».
No dizer, ainda, do texto em referência, as alterações «aspiram — pela sua natureza e pelo seu sentido — àquele amplo consenso que autores como Günter Stratenwerth identificam como verdadeira condição de legitimidade das incriminações. Tais alterações elegem como objectivo precípuo o reforço da protecção das vítimas e da sociedade, sem prejuízo das garantias de defesados arguidos.»
Como motivação próxima destas alterações, poderão destacar-se, por um lado, a necessidade de dar cumprimento às acções comuns contra a pedofilia e o racismo recentemente adoptadas pela União Europeia e, por outro, o facto de não ter sido consagrado na revisão de 1995 um conjunto de propostas apresentadas no decurso do processo de discussão da proposta de lei n.° 92/VII (autoriza o Governo a rever o Código Penal), que deu origem à Lei n.° 35/94, aprovada em Julho.
No primeiro caso contam-se as alterações propostas para o artigo 5.° no sentido de a lei penal portuguesa vir a ser aplicável, por exemplo, a crimes sexuais cometidos no estrangeiro por portugueses que habitualmente vivam em
Portugal, independentemente da nacionalidade da vítima, e para o artigo 240.° visando que a discriminação racial, concebida como crime contra a Humanidade, passe a abranger a discriminação em função da nacionalidade e da religião.
No segundo caso, as alterações, nomeadamente, dos artigos 163.°, n.° 2, criando um novo crime sexual, vulgarmente designado de «assédio sexual», 174.°, exigindo que o agente do crime de estupro seja maior de 18 anos, 279." introduzindo-se o conceito de poluição grave, e 335.°, ampliando o tipo de crime de tráfico de influência, entre outros, têm por fonte próxima projectos de alteração subscritos por Deputados do Partido Socialista em Julho de 1994 e então recusados pela Assembleia da República (cf. Diário da Assembleia da República, 2." série-A, n.° 53, de 14 de Julho de 1994).
II — Síntese do articulado da proposta de lei
A proposta de lei é composta por seis artigos, a saber: O artigo 1.°, que elimina a subsecção ii (Dos crimes contra a capacidade militar e a defesa nacionais), da secção i (Dos crimes contra a soberania nacional), do capítulo i (Dos crimes contra a segurança do Estado), do livro ii do Código Penal. Em contrapartida, a subsecção ui (Dos crimes contra Estados estrangeiros e organizações internacionais) da mesma secção passa a constituir a subsecção u.
Esta disposição tem por objecto a eliminação do crime de mutilação para isenção de serviço militar previsto no artigo 321.° do Código Penal, único daquela subsecção, que se justifica, segundo a exposição de motivos, pela falta de dignidade punitiva da respectiva conduta à luz do princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança e numa ordem jurídica que consagra a objecção de consciência (artigo 276.°, n.° 4, da Constituição e Lei n.°7/ 92, de 12 de Maio).
O artigo 2.°, que dá nova redacção a cerca de 60 artigos do Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 400/82, de 23 de Setembro, e alterado pelo Decreto-Lei n.° 48/95, de 15 de Março.
O artigo 3.°, que estabelece que as alterações introduzidas ao regime da liberdade condicional são aplicáveis unicamente às penas por crimes cometidos após a entrada em vigor da lei.
O artigo 4.°, segundo o qual, para efeito do disposto nas alíneas a), b) e c) do artigo 202.° do Código Penal, o valor da unidade de conta é o estabelecido nos termos dos artigos 5.° e 6.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 212/89, de 30 de Junho. Visa-se esclarecer a forma de determinação do valor diminuto, elevado ou consideravelmente elevado da coisa, no que respeita aos crimes contra o património, confirmando a prática jurisprudencial que tem sido firmada.
O artigo 5." visa esclarecer que, para efeito de punição pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez (artigo 292.°), a conversão dos valores de teor de álcool no sangue (TAS) baseia-se no princípio de que 1 mg de álcool por litro de ar expirado equivale a 2,3 g de álcool por litro de sangue, em consonância com o disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo 5.° do Decreto--Lei n.° 111/94, de 3 de Maio.
O artigo 6.°, para elidir qualquer ambiguidade, revoga expressamente o artigo 97." do Decreto-Lei n.° 783/76, de 29 de Outubro, alterado pelos Decretos-Leis n.os 222/77, de 30 de Maio, e 204/78, de 24 de Julho, que determina