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II SÉRIE-A —NÚMERO 53

mente do ponto de vista técnico-jurídico, de pretexto para a sua escassíssima aplicação. Boaventura de Sousa Santos já escreveu sobre as formas diferenciadas de negociação de soluções para conflitos sociais, que podem implicar uma abstenção selectiva de legislação ou de mera regulamentação de leis já publicadas. Salvo o devido respeito, tenho a convicção de que a contraposição entre os direitos dos arguidos e

os das vítimas tende a ser ingénua ou, na pior das hipóteses, demagógica.

Nota. — A referência (parecer da Procuradoria-Geral da República) diz respeito ao parecer sobre o projecto de revisão do Código de Processo Penal apresentado por S. Ex.a o Conselheiro Procurador-Geral da República. Dado que algumas questões foram discuúdas em «diálogo argumentativo» com o texto desse parecer, julgo pertinente essa remissão expressa.

A referência («Declaração») remete para o documento apresentado pelos Ex.mos Magistrados vogais do CSMP Srs. Drs. Rui Bastos e Luís Felgueiras sob o título «Projecto de reforma do Código de Processo Penal — Declaração». Presumo a sua junção aos documentos a apresentar a S. Ex.° o Sr. Ministro da Justiça.

15 de Julho de 1997. — Teresa Pizarro Beleza.

Parecer do Prof. Figueiredo Dias

Sr. Ministro da Justiça:

Quis V. Ex." conhecer a minha opinião sobre o projecto da reforma do Código de Processo Penal, que o Ministério da Justiça decidiu empreender. É dessa opinião — expressa em termos necessariamente gerais e sumários— que me proponho dar conta nesta carta.

1 — Começarei por assinalar que, de um ponto de vista substancial, a reforma tem um volume e uma extensão menores do que poderia depreender-se do número de artigos que deverão ser modificados. Isto fica a dever-se, em boa parte, à circunstância de muitas das alterações se traduzirem exclusivamente numa modificação da duração do prazo para a prática de actos processuais, na sequência da modificação da lei processual civil quanto ao modo de contagem dos prazos (v. g., artigos 36.°, 41.°, 45.°, 51.°, 52.°, 77.°, 106°, 109.°, 165.° e 300.°) e de um bom número de outras radicarem também, exclusivamente, na actualização terminológica a que convida no novo Código das Custas Judiciais (v. g., artigos 227.°, 376.° e 377.°). Quanto a este último ponto, nada se me oferece dizer; quanto ao relativo aos prazos, creio — se interpreto correctamente a situação das coisas — que em" muitos casos a extensão da duração dos prazos terá ido longe demais; o que, se pode ser bem acolhido pelos advogados, .não deixará de se estranhar de uma Comissão que unha como ponto fulcral do seu mandato, se não como primeiro mandamento, obter encurtamentos significativos na duração do processo penal.

2 — Alterações se verificam, no articulado proposto, que contam com a minha total concordância, indo muitas delas ao encontro da proposta da. última Comissão Revisora do Código de Processo Penal, a que tive a honra de presidir; proposta que seguramente V. Ex.° conhece, embora, ao que julgo, dela não tenha nunca chegado a ser dado conhecimento público. Refiro, a título de exemplos, as alterações agora propostas para os artigos 23.°, 24.°, alínea a), 52°, 88°, n.° 2, 178°, n.°* 5, 6, 7 e 8, 206°, 214°, 291 °, 307.°, n.° 4, etc. Mas permito-me insistir em que também outras propostas

inovadoras da Comissão Revisora nomeada por V. Ex." contam com a minha concordância. Assim, por exemplo, as que contendem com os artigos 16.°, n.° 2, 39.°, 62.° e 330.° (no que toca à opção pela defesa técnica), 64.°, 389.°, n.° 1, e 511.°

3 — Propostas há, no entanto, que me suscitam ora fundas reservas ora a mais frontal discordância. E se tentar lançar sobre um denominador comum aproximativo a generalidade destes casos, direi que as reservas e discordâncias radicam em duas ordens de razões. Por um lado, porque contendem com a estrutura fundamental do processo penal português pressuposta no Código vigente; por outro lado porque estou convicto de que, apesar do preço altíssimo a pagar assim, tais modificações não farão do Código — e permito-me citar o teor do despacho de V. Ex.a que nomeou a Comissão Revisora— «um instrumento adequado à prossecução do combate da criminalidade e à realização da justiça, que se pretende célere, eficiente e eficaz».

Exemplo paradigmáúco do primeiro tipo é consumido pela doutrina proposta para o artigo 40." Sempre pensei, escrevi e defendi —em Portugal, como em foros internacionais — que a prática pelo juiz de instrução de actos isolados (por exemplo, os actos dos artigos 268° e 269.°) não constitui nem deve consütuir causa de impedimento, mas tão-só, como prevê a lei vigente, motivo de eventual suspeição (artigo 43.°). E isto porque só a decisão que o juiz de instrução toma a final — a decisão de pronunciar ou de não pronunciar o arguido— contende directa e necessariamente com o objecto do processo, por isso que também a pronúncia serve para limitar e fixar os poderes de cognição do tribunal de julgamento (artigos 358° e 359°).

Dito de outra forma, só um mecanismo como o da suspeição, em meu parecer, responde satisfatoriamente — porque dependente de uma avaliação das circunstâncias concretas da intervenção do juiz de instrução num momento anterior ao julgamento — à razão de ser da não intervenção deste juiz no julgamento: a garantia da imparcialidade e da objectividade da decisão final, a garantia afina), que está mesmo no cerne do princípio da acusação. Por mais que me esforce, não consigo divisar que «direitos, liberdades e garantias» do arguido serão assim mais justamente defendidos, face à tensão em que estes têm de existir e à composição em que têm de entrar com as necessidades de realização do ius puniendi estadual e com as exigências da sua eficiência e efectividade num processo justo e equitativo.

Pergunto-me: que sentido «garantístico» para as liberdades do arguido pode ter que um juiz de instrução que condene um faltoso em UC, nos termos do artigo 116°, n.° 1, ou mesmo que lhe aplique uma medida do coacção processual (por definição, bem se deve saber, uma medida meramente cautelar, e não a priori sancionatória) na fase de inquérito, na sequência de requerimento do Ministério Público, fique automaticamente impedido de participar o futuro julgamento? Falar aqui em que o juiz fica (automaticamente, logo, necessariamente) preso a pré-juízos é, do meu ponto de vista —com todo o respeito evidentemente por opinião diferente—, um pré-juízo tão grande, pelo menos, como pretender que o juiz do julgamento ficará agarrado ao pré--juÍ2o que lhe advém do facto de já um outro juiz, o juiz de instrução, ter pronunciado o arguido.

4 — No fundo — e aqui julgo eu divisar o essencial e o mais preocupante —, uma solução como a acabada de encarar (toda e qualquer intervenção do juiz de instrução é causa de impedimento) mal encobre a atribuição ao juiz de instrução de um papel que o Código actual intencionalmente decidiu nãó lhe conferir, um papel que vai muito para além