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23 DE MAIO DE 1998

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do que lhe é fixado no artigo 17." e se mostra mesmo, a muitos títulos, com ele incompatível. Uma solução, esta, dizendo-o franca e abertamente, que deixa a descoberto um outro modelo de juiz de instrução. O que, aliás, se revela em outras propostas de alteração, nomeadamente na introdução de uma nova alínea no artigo 268.°, n.° 1; e na nova redacção que se pretende dar ao artigo 311.°

4.1 — Quanto à primeira — para além da dificuldade, que apesar dos meus melhores esforços não fui capaz de vencer, de saber o que possam ser «questões relativas ao reconhecimento efectivo de direitos processuais do arguido ou do assistente que se suscitarem no decurso do inquérito» —, não vejo que tenha outro sentido que não seja o de conferir à magistratura do Ministério Público uma capitis deminutio

— chamemos as coisas pelo seu nome: um estatuto de inferioridade— em relação à magistratura judicial; na medida em que revela não considerar suficientes os mecanismos de controlo da actividade processual da magistratura do Ministério Público que o Código vigente prevê: a arguição de nulidades e de irregularidades e o requerimento para abertura da instrução. Devo declarar que, sem prejuízo de todos os melhoramentos que possam ser introduzidos na intervenção processual do Ministério Público, o modelo português contínua a parecer-me o mais perfeito que até hoje foi ensaiado. E tendo eu dito e defendido isso mesmo, para além de outras ocasiões, no Congresso da ONU do Cairo de 1995, foi com gosto que pude ver como um tal modelo foi saudado e admirado, embora a maior parte dos países sinta que não está ainda em condições de o impor, pela rejeição que ele decerto mereceria dos executivos respectivos. Receio bem que não possa haver ruídos da rua ou vozearias corporativas que me façam mudar de opinião quantq a este ponto fulcral do modelo do processo penal; e sinto-me confortavelmente acompanhado, nacional e internacionalmente, nesta convicção.

4.2 — No que respeita ao artigo 311.", o que pessoalmente esperava era que a proposta de revisão deixasse claro

— contrariando a jurisprudência fixada pelo Acórdão n.° 4/ 93, de 17 de Fevereiro, do Supremo Tribunal de Jusüça — que não é processualmente admissível uma rejeição da acusação por manifesta insuficiência da prova indiciária, dando à al/nea a) do n.° 2 a redacção correspondente. Na circunstância de tal não ter acontecido, julgo eu divisar mais um sinal de se ter querido pôr em causa a estrutura fundamental do Código de Processo Penal vigente: uma estrutura acusatória em que a partilha das funções de investigação, de acusação e de julgamento é feita entre magistraturas distintas, em obediência, de resto, ao disposto na Constituição da República, tal como sempre a li. De se ter querido pôr em causa esta estrutura fundamental... sem se ter sabido ou podido substituí-la por outra diferente e supostamente melhor.

4.3 — Toda esta «atitude» culmina num pequeno exemplo, todavia esclarecedor: o do proposto artigo 86.°, n.° 8, que, independentemente da bondade ou maldade da solução — e direi, por amor à verdade, que ela me suscita as mais fundas reservas— equipara o juiz de instrução ao Procurador-Geral da República V. Ex.° não me levará a mal, espero, que, até por pudor, eu não comente mais longamente esta equiparação.

5 — Também quanto à matéria do segredo de justiça as alterações propostas se traduzem em modificações profundas. A solução de desvincular do segredo o arguido — apesar de, por certo, se não ter esquecido que aquele segredo não existe só para tutela da presunção de inocência— e todas as pessoas que tiverem tomado contacto com o processo e

conhecimento de elementos a ele pertencentes, esta solução acarretará na prática, quanto a mim, a plena publicidade do processo penal. O que se torna, se possível, ainda mais evidente quando se atenta no novo número proposto para o artigo 89.°, o qual só consegui compreender, confesso, como forma, agora legalmente «legitimada», de pressionar o Ministério Público a respeitar o prazo máximo de duração do inquérito. O que me parece, digo-o ainda uma vez, revelador da já referida atitude de suspeição relativamente a esta magistratura: e não constitui, se bem penso, forma adequada de atingir o objectivo de uma razoável composição dos interesses do arguido e da pretensão punitiva estadual, pelos prejuízos que efectivamente pode acarretar para a investigação em curso.

Não será, de resto, para não insistir mais neste ponto, a aludida atitude de suspeição que levou a que se tenha retirado ao Ministério Público o poder de reformular o pedido de indemnização civil relativamente a lesado que lho requeira, passando tal função a caber, em regra, a advogado? Receio que esta solução, numa ordem jurídica que não conhece a figura do «defensor público» ou outra equiparada, acabe por prejudicar os mais carecidos do ponto de vista não só económico, como sócio-cultural.

6 — Alterações estruturais são também introduzidas em tema de processo sumário, quando se atenta, por um lado, na possibilidade de a audiência ser adiada até ao limite do 60.° dia posterior à detenção, e, por outro, na sua aplicabilidade aos casos de detidos em flagrante delito por pessoa que não seja autoridade judiciária ou entidade policial.

6.1 — Quanto ao primeiro ponto, a minha crítica vai no sentido de considerar excessivo e injustificável o prazo de 60 dias posteriores à detenção. No código vigente (artigo 328.°, n.° 6) o prazo de 30 dias não é arbitrário, embora, é claro, valha o que vale qualquer prazo limite: é fruto de investigações criminológicas segundo as quais depois desse período a frescura da prova, nomeadamente testemunha], perde-se definitivamente, pelo que o carácter sumário do processo, nomeadamente a ausência de investigação, passa a revelar-se por inteiro inadequado. Se um tal prazo se excede mantendo-se a sumaridade processual, então dá-se voz à prevalência absoluta de considerações de eficientismo e de pragmaticidade sobre a finalidade de se lograr a justiça material. E, sendo assim, porquê 60 dias? Por que não 90, meio ano ou um ano?

6.2 — Ainda mais futida é, porém, a objecção que devo transmitir quanto ao segundo aspecto acima evidenciado. Toda a estruturação sumária do processo assenta numa detenção em flagrante delito efectuada por autoridade judiciária ou por entidade policial. E é bom que assim seja, porque só assim se pode, com razoável segurança, prescindir das fases de inquérito e de instrução. É em minha opinião um erro — e um erro que, dada a sua capacidade expansiva e a carga demagógica que inevitavelmente se liga à distinção maniqueísta entre os maus (todas as autoridades) e os bons (os destituídos daqueles poderes), pode vir a revelar-se perigoso — o esbatimento da distinção, fundamental nos quadros do Estado de direito, entre quem detém legitimamente e quem não detém poderes de autoridade estadual. Erro que pode chegar a assumir, no que aqui interessa, proporções desastrosas, máxime quando o particular que efectuou a detenção seja simultaneamente o ofendido (real ou autopresumido) pela acção que vai constituir objecto de processo sumário.

7 — Ainda quanto a alterações estruturais, devo fazer referência à possibilidade de o arguido ser julgado à revelia. Peço licença para lembrar o que já escrevi a propósito e me