23 DE MAIO DE 1998
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acentuará a dificuldade de assegurar decisões «sensatas» em matéria tão delicada — ainda mais quando se tratar de decisões insindicáveis.
2 — O facto de ser arguido ou participar num processo, ou estar presente num tribunal em qualquer outra qualidade, não significa necessariamente que se tenha perdido o controlo sobre a própria imagem, ou que o direito a esta tenha desaparecido ou ficado insuportavelmente comprimido pelas circunstâncias. Salvo o devido respeito por opiniões contrárias, parece-me haver aqui um resvalar porventura inconsciente, para uma atitude «punitiva» de exposição pública de quem terá prevaricado. Além de ser bom não esquecer que a Constituição obriga, entre outras razões pela presunção de inocência, a não comprimir os direitos do arguido para além do inevitável e justificado e exigido pelas estritas necessidades processuais, nada legitima, em meu entender, a «pena acessória» de humilhação pública que a exposição mediática significa. Para quem ainda não foi condenado, a injustiça é evidente: a condenação pública pode ser absolutamente devastadora para a sua vida e a da sua família. Para quem já o foi, a lei deverá especificar quando essa «pena acessória» se justifica — como o faz, por exemplo, em matéria de crimes contra a economia. Nada disso põe em causa, do meu ponto de vista, o direito (e o dever, até talvez) de informar por parte dos profissionais da comunicação social. Apenas significa, em meu entender, um razoável equilíbrio entre interesses conflituantes — e julgo que é importante lembrar que um deles é a «boa administração da justiça ela própria».
3 — Não me parece que a desigualdade possível justifique a solução proposta pelo Conselho. Em primeiro lugar, porque ela está já constituída nos próprios pressupostos da questão, em perspectiva inversa: é também quando se trata de arguidos «poderosos» que os media — muito compreensivelmente, aliás— são mais ávidos. E é também nesses casos que a sobreexposição pública pode causar o máximo dano, como julgo evidente. Não creio que o predomínio político-social — real ou imaginado — das pessoas deva ser «punido» com o nivelamento por baixo que poderia materialmente surgir com a solução aceite pelo Conselho. A igualdade formal de muitos princípios processuais (liberdade de escolha de defensor, por exemplo) não se materializa em igualdade substancial, retirando ou diminuindo direitos existentes, mas tornando-os efectivos para quem tenha menos meios ao seu alcance para os exercer.
Todas as regras processuais, aliás, pressupõem que o defensor, constituído ou nomeado, assegurará os direitos de defesa do arguido — e porque é sobretudo deles (arguidos) que aqui se trata, por que razão seria diferente quanto a decidir sobre a oposição à gravação de uma audiência, por anionomásico exemplo?
Artigo 89.° («Consulta de auto e obtenção de certidão por sujeitos processuais») — Sobre a redacção proposta para o n.° 2, alínea c), o Conselho mostrou justificada preocupação com o perigo para a investigação que poderá significar o acesso por parte do arguido aos elementos constantes dos autos que «fundamentarem) a aplicação de uma medida de coacção».
Julgo, no entanto, que a necessária sindicabilidade de uma decisão que aplique máxime uma medida de prisão preventiva implica o conhecimento da base factual que permite concluir pela existência de fortes indícios da prática de um crime com as características legalmente exigidas, por um lado. E que, por outro, as exigências por lei tipificadas para, em geral, a aplicação de medidas (perigo de fuga, etc.)
devem também ter fundamento controlável, sob pena de se «legitimar» a prática jurisprudencial portuguesa, altamente «irregular», para não dizer anticonstitucional, de aplicar medidas de prisão preventiva por mera invocação asséptica da gravidade do crime indiciado e de disposições como o (actual) artigo 209.°
Outras sugestões
(aqui em separado apenas por não terem sido verbalizadas enquanto voto no decorrer da sessão)
Artigo 40." («Impedimento por participação em processo»)— Ao contrário do que foi entendimento generalizado no Conselho, julgo que a redacção proposta para o artigo 40.° é de saudar.
A existência de razões alargadas de impedimento de magistrados nos termos propostos dá consistência efectiva à garantia constitucional de imparcialidade do julgador e de respeito pela presunção de inocência do arguido. Não creio que virtuais dificuldades de ordem prática (parecer da Procuradoria-Geral da República) devam «arrumar», sem mais, a questão.
Duas considerações de ordem geral
1.* São frequentemente invocadas razões de excepção paia justificar soluções substantivas ou processuais com essa característica (criminalidade de alta violência e ou associada ao tráfico de droga, nomeadamente). Como já há anos repetidamente comentou F. Dias, inspirando-se em críticas de autores alemães às legislações de exceção que proliferaram na Europa dos anos 70 (em especial pela preocupação com o terrorismo), é preciso evitar a todo o custo que o Estado de direito seja derrotado, «vá ao tapete», perdendo legitimidade e porventura eficácia numa luta à partida justa e consensual.
Sobretudo, é importante que regras do tipo do actual artigo 209." do Código de Processo Penal — que desaparece na proposta, mantendo-se em alguma medida a sua lógica quanto à duração de prazos de prisão preventiva, mas não quanto à espúria (e inconstitucional, em bom rigor) necessidade de adicional justificação de uma não aplicação — não cubram escalas de valores penais pouco consentâneas com a real ponderação dos interesses em causa.
2.* Outro argumento recorrente nas discussões desta natureza centra-se no respeito pelos direitos das vítimas, contrapondo-se ao «excesso de garantismo» visto como uma benesse de indivíduos que, tudo leva a crer, a não merecem. Não só cabe lembrar, mais uma vez, que pode estar em causa o julgamento de um inocente — e quem o compensa dos danos de toda a ordem que um processo injusto pode provocar? —, mas também que, mesmo tratando-se de prováveis ou reais culpados, a sua defesa e integridade deve ser assegurada nos termos constitucionais. O tão falado princípio da igualdade de armas é uma dolorosa ironia em muitas situações processuais — é aliás interessante e significativo, em meu entender, que a «Declaração» de dois colegas meus no Conselho, magistrados, o contestem, invocando (e bem) a qualidade de autoridade judiciária do Ministério Público em processo penal (p. 7, «Declaração»).
Mas, sobretudo, parece-me importante acentuar que não é diminuindo as garantias dos arguidos que se protegem as vítimas, mas sim levando a sério e efectivando os direitos destas — por exemplo, não permitindo que se arrastem situações como a da não regulamentação, ao longo de anos, da lei de protecção às mulheres vítimas de vioíêncía «discriminatória», que terá servido, ainda que incorrecta-