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II SÉRIE-A — NÚMERO 68
de mulheres aos órgãos do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais. Após 1997 verificar-se-á uma inconstitucionalidade por omissão se tais medidas legislativas não forem aprovadas, com as devidas consequências jurídicas e
políticas.
4 — Naturalmente, em sede de direitos fundamentais, a Constituição continua a não. fazer acepção de sexos. São todos os cidadãos, homens e mulheres, que têm o direito de tomar parte na vida política, de receber informação acerca da gestão dos assuntos públicos, de votar, de aceder a cargos políticos, de petição e acção popular (artigos 48.° e seguintes). E são também eles que gozam do direito de pré--iniciativa de referendo nacional e regional (artigo 115.°, n.° 2), de propor candidaturas a Presidente da República e aos órgãos do poder local (artigos 124.° e 239.°, n.° 4), de iniciativa legislativa (artigo 167.°, n." 1) e de iniciativa de referendo local (artigo 240°, n.° 2).
Mas a universal e igual atribuição de direitos de manifestação da soberania popular (artigo 10.°) não tolhe a promoção da igualdade no exercício dos mesmos direitos — assim como, a igualdade perante a lei (artigo 13.°) não se queda diminuída pela promoção da igualdade real [artigos 9.°, alínea d), 81.°, alínea b), ou 104.°, n.° 1], ou pelo mandado de desenvolvimento harmonioso de todas as regiões e de correcção das desigualdades derivadas da insularidade [artigos 9.°, alínea g), 8Í.°, alínea d), e 229.°, n.° 1].
Mais ainda: a ideia de igualdade efectiva em qualquer dos campos acabados de mencionar pode ou deve considerar-se requerida pela própria ideia de igualdade jurídica, pela necessidade de lhe buscar um conteúdo efectivo; e, mesmo quando envolve a concessão de certos direitos ou de certas vantagens a determinadas pessoas —as que se acham em situações de inferioridade, de carência ou de menor protecção— a diferenciação está ao serviço da igualdade, oferece-se instrumental para este Fim.
5 — A representação política moderna esteia-se na universalidade e unidade da cidadania, na unidade do povo ou comunidade política, acima de quaisquer categorias ou qualidades particulares de representados e de representantes. No entanto, isso não impede que se considerem medidas, directas ou indirectas, tendentes a dar aos órgãos representativos uma representação equilibrada por sexos — sendo a divisão por sexos inerente ao género humano — de tal sorte que a soberania do povo. se traduza em cidadania assumida em plenitude por todos os seus membros, homens e mulheres.
Não está em causa o direito de eleger ou o direito de ser eleito. Só estão em causa os requisitos de legitimidade procedimental para a sua propositurá, o que é muito diferente. Nem se trata de fraccionar e tão-somente de reforçar a unidade politica. Tudo está em que os preceitos legais sejam tomados estritamente em vista desse objectivo e só pelo tempo estritamente necessário, confiando-se depois na dinâmica social e cultura] que se venha a desenvolver. Não se trata de segregar, mas, pelo contrário, de integrar.
6 — A Constituição continua seguramente a não permitir que se estabeleçam restrições tanto ao princípio da unidade e universalidade indivisível do sufrágio activo como ao princípio do mandato representativo, que constituem as bases da democracia representativa e que nada no artigo 109.° autoriza a excepcionar. Pode haver limites máximos à participação de cada um dos sexos ou quotas mínimas de candidatura e ou representação em função do sexo; não pode haver divisão dos eleitores nem discriminação funcional de mandatos de acordo com esse mesmo factor.
Os eleitores votam em todos os candidatos, independentemente do sexo; os representantes representam todos os
cidadãos, independentemente do sexo. Não pode haver representação separada dos sexos, tal como não pode haver de grupos económicos, sociais, étnicos, religiosos ou territoriais.
Por isso, também não teriam cabimento constitucional entre nós as propostas mais radicais da chamada «democracia paritária», tendentes a uma espécie de «democracia paralela», um apartheid sexual de representação política (duas componentes iguais e separadas), com colégios eleitorais distintos, candidaturas paralelas e constituição fraccionada das assembleias representativas. A democracia representativa pode e deve ser equilibradamente participada por cidadãos e cidadãs. Mas não pode ser fraccionada numa democracia masculina e numa democracia feminina. Do que se cuida é de uma democracia compartilhada, e não de uma democracia dividida, mesmo se «paritária».
7 — As providências legislativas que o Governo agora submete à consideração do Parlamento são muito prudentes e pensadas, tendo em conta a necessária harmonização de todos os princípios constitucionais. No essencial, reproduzem as que foram recomendadas pela comissão de juristas encarregada de estudar o assunto e cujo relatório acaba de ser publicado.
Por agora, elas referem-se apenas à Assembleia da República e, em parte, ao Parlamento Europeu quanto aos Deputados eleitos por Portugal. São as duas assembleias em relação às quais o problema se mostra mais visível e premente.
Num futuro próximo espera-se poder estendê-las às assembleias legislativas regionais e aos órgãos colegiais baseados no sufrágio directo do poder local. E não é de excluir que se encare a sua aplicação, com toda a flexibilidade, aos órgãos dirigentes de partidos políticos (por força da regra de participação de todos os membros, declarada no artigo 51.°, n.° 5, da Constituição), bem como (à semelhança do que sucede noutros países europeus) a comissões e a outros organismos de designação oficial.
8 — A linha orientadora das normas legislativas que o Governo propõe que sejam decretadas pode ser sintetizada nestes pontos:
a) A proposta abrange as eleições para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu quanto aos Deputados a eleger por Portugal;
b) É objectivo final da lei que nenhum dos sexos tenha uma participação superior a 67,3% dos eleitos. Ou, numa perspectiva diferente, que o sexo menos representado tenha, no mínimo, uma participação a nível dos 33,3%;
c) Esse objectivo deve ser cumprido não apenas ao nível das candidaturas mas também ao nível dos resultados, pelo que se estabelecem regras quanto à composição das listas e regras quanto à ordenação nas listas;
d) Para se atingir o objectivo estabelece-se como meta intermédia um máximo de 75% de participação do sexo mais representado nas primeiras e nas segundas eleições após a data da entrada em vigor da lei;
e) Nada disto implica qualquer modificação do sistema eleitoral.
9 — Noutro plano, autonomiza-se uma norma específica concernente à suspensão do mandato de Deputado ou Deputada, aquando do nascimento de um filho, conferindo também aqui exequibilidade a uma nova norma constitucional