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13 DE MAIO DE 1999

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Com efeito, o artigo 152." do Código Penal, com a alteração recentemente operada através da Lei n.° 65/98, de 2 de Setembro, conferiu uma nova dimensão ao crime de maus tratos, infligidos ao cônjuge:

Artigo 152.° Maus tratos e infracção de regras de segurança

1 — Quem, tendo ao seu cuidado, à sua guarda, sob a responsabilidade da sua direcção ou educação, ou a trabalhar ao seu serviço, pessoa menor ou particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez:

a) Lhe infligir maus tratos físicos ou psíquicos ou a tratar cruelmente;

b) A empregar em actividades perigosas, desumanas ou proibidas, ou

c) A sobrecarregar com trabalhos excessivos:

é punido com pena de prisão de I a 5 anos, se o facto não for punível pelo artigo 144.°

2 — A mesma pena é aplicável a quem infligir ao cônjuge, ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges, maus tratos físicos ou psíquicos. O procedimento criminal depende de queixa, mas o Ministério Público pode dar início ao procedimento se o interesse da vítima o impuser e não houver oposição do ofendido antes de ser deduzida a acusação.

3 — A mesma pena é aplicável a quem, não observando disposições legais ou regulamentares, sujeitar trabalhador a perigo para a vida ou a perigo de grave ofensa para o corpo ou a saúde.

4 — Se dos factos previstos nos números anteriores resultar:

d) Ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos;

b) A morte, o agente é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos.

Ainda sob o escopo da protecção das mulheres incluiu--se no elenco taxativo do artigo 132.° («Homicídio qualificado») o homicídio praticado contra mulher grávida, [ar-tigo 132.", alínea b)].

É ainda punido com pena de prisão de 2 a 10 anos o sequestro quando praticado contra grávida.

Em sede de crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual tipifica-se no crime de violação aquele que, abusando da autoridade resultante de uma relação de dependência hierárquica, económica ou de trabalho, constranger outra pessoa, por meio de ordem ou ameaça não compreendida no número anterior, a sofrer ou a praticar cópula, coito anal ou coito oral (3 anos).

IV — A 4.* revisão constitucional e os direitos das mulheres

A promoção da igualdade em sede de revisão constitucional não se cingiu somente às inovações e mais-valias introduzidas no artigo 112.°, foram também atingidos estes objectivos últimos através de alterações aos seguintes artigos, os quais, sublinhe-se, obtiveram maioria qualificada em sede de CERC:

1) No artigo 9." passou a considerar-se tarefa fundamental do Estado a promoção da igualdade entre homem e mulher, bem como a igualdade de oportunidades;

2) O artigo 26.° passa a consagrar a protecção legal contra quaisquer formas de discriminação;

3) O artigo 59.° passará a prever a consagração do direito à conciliação da acüvidade profissional com a vida familiar;

4) Consagra-se expressamente no artigo 67.° o direito a uma maternidade e paternidade conscientes;

5) Registe-se ainda que o artigo 81.", alínea b), passa a consagrar a promoção da justiça social e o assegurar da igualdade de oportunidades.

V — A dimensão internacional da violência conjugal

Dada a dimensão internacional destas questões, quer a ONU quer o Conselho da Europa e a União Europeia — v. relatório do Parlamento Europeu de 16 de Julho de 1997 sobre a necessidade de desenvolver na EU uma campanha de recusa total da violência contra as mulheres — têm vindo a debruçar-se crescentemente sobre a violência contra as mulheres, e muitos são os documentos internacionais aprovados pelos Estados membros das várias organizações, entre os quais Portugal, que consideram este tipo de violência um atentado aos direitos humanos e, como tal, questão pública e política.

A IV Conferência Mundial das Nações Unidas sobre as Mulheres, que se realizou em Pequim, em Setembro de 1995, adoptou uma plataforma de acção que, também ela, deu grande relevância a esta questão, propondo várias medidas.

VI — Perspectivas nacionais

Na sociedade portuguesa verifica-se a mesma tendência que nas outras sociedades ocidentais: a família alargada foi substituída pela família nuclear, com as consequentes mudanças ao nível dos papéis e dos estatutos dos seus membros. A dimensão do grupo familiar diminui, a família nucleariza-se e a privatização aumenta. Os electrodomésticos tornam-se habituais e o trabalho da mulher é menos pesado. Mas poucos são ainda os estudos sobre a família portuguesa que ajudam a perceber em que medida a organização interna da família é afectada pela modernização da vida social.

Tal como observa Luísa Ferreira da Silva (in Análise Social, vol. xxvi, 1991, pp. 385-397), «a par da modernidade mantêm-se aspectos da mentalidade tradicional relativamente ao poder familiar de uso da força física». Com efeito, a estrutura familiar portuguesa contínua a compreender o direito/dever de os pais punirem fisicamente os filhos. E, no que respeita ao acto de bater na esposa, ele não é considerado um acto desviante. «Sabe-se» que é relativamente frequente. O senso comum sobre esta questão fica bem representado pela frase: «Isso era dantes; as mulheres de agora levam muitq pouca pancada», expressão que reconhece a mudança, ao mesmo tempo que reafirma a continuidade da tradição.

Bater na mulher é algo que já não está de acordo com a ideologia familiar vigente. Mas pode «acontecer que bata» sem estar sujeito a ser criticado, isso é admitido- por todos. Na ideologia da instituição familiar o papel social tradicional é ainda mais preponderante do que o direito à individualização para que tendem as sociedades modernas.

Tal como decorre da maioria dos estudos feitos sobre este assunto, a sociedade portuguesa, ainda fortemente assente sobre os vatores tradicionais da família, mas impelida para uma ideologia de modernidade pós-indus-trial, é reveladora da contradição entre, por um lado, a tendência para a rejeição de um comportamento incoerente com os novos valores afirmados e, por outro, a sua manutenção como suporte da estrutura social.