0051 | II Série A - Número 002S | 06 de Novembro de 1999
No primeiro caso, a persistência dos surtos fundamentalistas ou de raiz nacionalista associa-se à emergência de movimentos políticos extremistas de diversa índole, cujas acções têm muitas das vezes graves efeitos nos equilíbrios regionais e são potenciadoras de tendências desintegradoras. A circunstância de se assistir à proliferação de armamentos de diverso tipo, bem como a uma ainda imponderável disseminação de meios nucleares, confere a estas situações elevado risco e, cada vez mais, justifica uma cooperação internacional empenhada para um permanente acompanhamento da respectiva evolução.
A ruptura do equilíbrio que o mundo bipolar escondia projecta hoje consequências que não é ainda possível aferir em pleno, obrigando crescentemente à mobilização de acções atenuadoras ou constrangentes face a situações de tensão ou de conflito, com impactes sociais para os quais é difícil encontrar total cobertura humanitária. Acresce, não raras vezes, que dessas mesmas situações resultam surtos migratórios, de refugiados económicos ou políticos, que acabam por ser indutores de novos desequilíbrios.
A opção por acções de natureza unilateral para a superação das crises, com diferente e por vezes polémica cobertura por parte das instituições supranacionais, foi a solução encontrada para fazer face a algumas situações intoleráveis, quase sempre à luz de um quadro referencial de princípios que se foi maturando como a matriz de valores que deve orientar a estabilidade do tecido internacional.
É esse conjunto de valores - em especial em matéria de direitos fundamentais ou democráticos, de protecção de minorias e de observância das normas do Estado de direito - que hoje começa a ser visto por muitos como um padrão essencial para estruturar uma sã convivência entre os Estados. A tradução desses valores no reforço de um corpo normativo protegido por uma acção internacional efectiva será, sem sombra de dúvidas, o fundamento essencial para uma nova ordem internacional, necessariamente assente na reestruturação da ONU e num novo papel para as organizações regionais e sub-regionais.
A nova filosofia que marca a Aliança Atlântica, e o papel que a União Europeia do futuro pode desempenhar neste contexto, revela que um país como o nosso se encontra hoje no centro de um processo de decisão e intervenção com crescentes responsabilidades num cenário internacional marcado por focos potenciais ou efectivos de alguma gravidade e risco.
Essa é razão pela qual Portugal tem demonstrado o seu interesse em contribuir de forma efectiva para a criação de uma Identidade Europeia de Segurança e Defesa (IESD), que possa afirmar-se como o complemento efectivo da vontade colectiva que a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) da União Europeia crescentemente gera. Só dessa forma será possível à Europa, não apenas repercutir de forma coerente no quadro euro-atlântico as prioridades do seu cenário estratégico próprio, mas igualmente garantir a possibilidade de utilização autónoma de capacidades operacionais, embora de forma não separada com o quadro da Aliança.
O Governo procurará dotar o Ministério dos Negócios Estrangeiros de uma orgânica funcional e de uma cultura de acção que seja susceptível de manter uma eficaz defesa dos interesses do país e dos portugueses no plano internacional.
Esse esforço reflectir-se-á na representação bilateral e multilateral e na intervenção no quadro da União Europeia, que hoje tem incidências directas na maioria das áreas de actuação externa do país, no apoio aos interesses económicos nacionais, na afirmação dos nossos valores culturais e linguísticos e na protecção e promoção das Comunidades Portuguesas residentes no exterior.
A mutação sofrida pela diplomacia internacional nos últimos anos, com um reforço das vertentes multilaterais a que a presença na União Europeia veio introduzir uma nova prática de intervenção, obriga a uma permanente reavaliação do modelo tradicional de representação externa do Estado e, por consequência, não pode deixar de ter implicações na rede de presença internacional do país e na lógica de actuação dos seus agentes.
A completa implementação do novo Estatuto dos Diplomatas, a integração de funcionários do quadro exterior nas estruturas da Função Pública e outras medidas legislativas estruturantes, constituem importantes passos para a necessária dignificação do estatuto do pessoal ao serviço do MNE.
Ainda no plano dos recursos humanos, é intenção do Governo proceder, de forma selectiva e realista, aos reforços quantitativos que venham a ser considerados adequados e promover uma constante requalificação formativa em áreas especializadas, à luz das novas exigências. Tal será acompanhado por uma racionalização da rede diplomática e consular, tendo em especial atenção o contexto europeu com que a acção externa portuguesa hoje se articula.
Por outro lado, o Governo continuará o esforço financeiro desenvolvido nos últimos anos com vista a dotar as estruturas do MNE com os meios tecnológicos e a adoptar modernos modelos administrativos que lhe permitam optimizar os respectivos recursos, ao serviço de uma diplomacia activa e interventora, assente numa rigorosa agenda de interesses e de princípios que projecte e reforce a imagem internacional do país.
Constituirá particular empenhamento do Governo prosseguir a eficaz articulação que o MNE tem vindo a desenvolver com os departamentos oficiais cuja acção se reflecte na ordem externa, quer no plano da acção na União Europeia, quer ajudando ao esforço de internacionalização da nossa economia e à promoção da língua e da cultura portuguesas - numa linha de acção que se pretende também cada vez mais participada pela sociedade civil, em particular pelos meios empresariais e pelas organizações não-governamentais (ONG).
Neste contexto, o Governo tem plena consciência que o papel de estrutura coordenadora e unificadora da representação externa do Estado por parte do MNE só será plenamente conseguido na medida em que a sua filosofia de acção possa também reflectir as contribuições dessas diversas vertentes.
A presença de Portugal como parceiro activo dentro da União Europeia continuará a representar um eixo referencial da acção externa do país, devendo a diplomacia portuguesa fazer projectar nesse contexto a especificidade dos interesses nacionais, as grandes linhas que configuram e definem o seu cenário estratégico específico, numa palavra, as prioridades diplomáticas que pretende ver partilhadas e potenciadas pela União.
Estão neste caso algumas dimensões regionais e bilaterais que configuram quadros de prioridades e que correspondem a relações histórico-culturais ou a determinantes estratégicas, que o Governo considera de natureza estruturante para a diplomacia do país.
Neste contexto, avulta naturalmente o quadro de relações bilaterais no âmbito da União Europeia, que tem reforçado de forma evidente o diálogo político e a cooperação económica, com óbvias consequências positivas para a promoção