0146 | II Série A - Número 010 | 25 de Outubro de 2001
de "requerimento fundamentado apresentado pela entidade empregadora", donde se depreende que o recrutamento do imigrante no estrangeiro é da responsabilidade da própria entidade, podendo fazê-lo, inclusive, através das agências de trabalho que muitas vezes não são mais do que instrumentos das redes de tráfico de seres humano. Acresce que não existem mecanismos sérios, da responsabilidade do Estado, que permitam a admissão de um grande número de imigrantes quando as necessidades de mão-de-obra assim o exigirem. A prática é que, durante os últimos anos, se tem verificado necessidades significativas de mão-de-obra estrangeira que acabou por ser recrutada por mecanismos de "entrada pelas portas dos fundos", tal como se pode concluir da avaliação do recente processo de legalização. A solução encontrada para este problema passa pela criação de um sistema de inscrições nos postos consulares que permitiriam (ou não) posterior acesso a visto, em função das necessidades de mão-de-obra em Portugal.
Os critérios para a emissão de vistos incluem condições que devem ser exigidas não ao candidato a visto de trabalho mas, sim, às entidades empregadoras que pretendem recrutar mão-de-obra estrangeira. Este projecto de lei pretende não só clarificar essas condições, mas também simplificar a tipologia de vistos de trabalho, passando a prever apenas dois tipos de vistos: visto de trabalho I, para o exercício de uma actividade profissional por conta de outrém; visto de trabalho II, para o exercício de uma actividade profissional independente, no âmbito da prestação de serviços. São extintos os vistos de trabalho para o exercício de uma actividade profissional no âmbito do desporto ou no âmbito dos espectáculos, que são perfeitamente enquadráveis nas categorias anteriormente mencionadas.
Acresce que a redacção final do diploma acabou por acolher uma reivindicação de organizações representadas no Conselho Consultivo para a Imigração, que estava contemplada no anterior projecto do BE: que o visto de trabalho pudesse constituir condição para o acesso a autorização de residência. Mas na Lei n.º 4/2001 apenas é permitido o acesso a autorização de residência após três anos de titularidade de visto de trabalho (e cindo anos de autorização de permanência), o que prolonga a situação de precariedade e de restrição de direitos do trabalhador imigrante. Trata-se de um estatuto jurídico frágil que dificulta o acesso ao reagrupamento familiar, e a defesa de direitos constitucionalmente salvaguardados como a habitação, saúde e educação.
3 - Retomar o debate sobre os direitos dos imigrantes
A lei que regulamenta o trabalho de estrangeiros é claramente discriminatória e atentatória do princípio da igualdade, mesmo relativamente aos estrangeiros e apátridas (artigos 13.º e 15.º da Constituição da República Portuguesa), pois cria regras diferenciadas para o trabalhador estrangeiro, colocando-o em desvantagem relativamente ao nacional. Embora supostamente tenha sido criada para salvaguardar os direitos dos trabalhadores imigrantes, acabou por ter o efeito inverso, pois não permite que estes tenham acesso às garantias laborais que os restantes trabalhadores assalariados têm, nomeadamente as salvaguardadas na Lei Geral do Trabalho.
Um outro problema importante é a violação dos direitos do cidadão estrangeiro que começa, desde logo, nos aeroportos e postos de fronteiras, sendo público o tratamento degradante a que muitos cidadãos estrangeiros são sujeitos. O artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 4/2001 não salvaguarda, de forma clara, os direitos do cidadão não admitido e, apesar de este decreto-lei prever o direito a recorrer e a ser assistido por advogado (se suportar os respectivos encargos), são poucos os cidadãos que terão condições de obter assistência jurídica. Os direitos do cidadão estrangeiro não estão claramente salvaguardados, não só na decisão de recusa de entrada mas também no processo de expulsão, regulamentado pelos artigos 99.º e 118.º, verificando-se, inclusive, processos de expulsões colectivas, que violam o artigo 22.º da Convenção Internacional sobre os Direitos de todos os Trabalhadores e dos Membros das suas Famílias, ratificada em Assembleia Geral das Nações Unidas, em 18 de Dezembro de 1990.
Por outro lado, o recurso interposto da recusa de entrada não tem efeito suspensivo, o que implica que quando o cidadão estrangeiro for notificado da decisão, mesmo que favorável, muito provavelmente já não se encontra em Portugal mas, sim, no país de origem. Esta lacuna da legislação é particularmente grave no caso de candidatos ao direito a asilo, cujo regresso ao país de origem pode colocar a sua vida em perigo.
No que se refere ao direito ao reagrupamento familiar, não estão contempladas as situações de união de facto, conforme previsto na Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos dos Imigrantes e Membros das suas Famílias. É uma lacuna que faz inviabilizar grande parte dos pedidos que chegam aos Serviços de Estrangeiro e Fronteiras, já que grande parte dos casais imigrantes vivem em união de facto, por questões sócio-culturais, como é o caso de grande parte dos estrangeiros originários da África e da Ásia.
No que diz respeito à pena acessória de expulsão, esta revela-se inconstitucional e discriminatória, já que o cidadão imigrante é duplamente punido - pelo crime cometido e por ser estrangeiro, o que contraria os artigos 13.º e 15.º da Constituição da República Portuguesa. Por outro lado, expulsar-se o cidadão estrangeiro do país onde, muitas vezes, se encontram a sua família e outros elementos fundamentais na sua reintegração, contraria o espírito subjacente a uma perspectiva de reintegração social do recluso patente nas medidas privativas de liberdade.
Assim, estamos perante uma lei que não é eficaz no combate à exploração de mão-de-obra escrava e defesa dos direitos laborais e civis dos imigrante e que, acima de tudo, acaba por não reconhecer a dignidade do trabalho imigrante, pois continua a encará-lo como força de trabalho descartável. É por essa razão que o Bloco de Esquerda retoma uma iniciativa legislativa apresentada em Maio de 2000, reafirmando a necessidade de uma política de imigração que estabeleça mecanismos de gestão de fluxos migratórios através de canais legais, que reconheça os direitos fundamentais do cidadão imigrante e a diversidade cultural como fonte de enriquecimento do desenvolvimento civilizacional.
O projecto de lei mantém as linhas gerais e grande parte do articulado do projecto lei apresentado anteriormente, mas procura aperfeiçoá-lo e tem em conta as alterações verificadas por força do Decreto-Lei n.º 4/2001. Em particular, o projecto distingue-se do anterior por:
- Extinguir as "autorizações" de permanência (introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 4/2001);
- Prever a possibilidade de regularização dos imigrantes que já se encontravam a trabalhar em Portugal à data de encerramento do processo de legalização, mas que, injustamente, dele foram excluídos;
- Aperfeiçoar os mecanismos de gestão de fluxos migratórios, aproveitando o sistema de concessão de