0145 | II Série A - Número 010 | 25 de Outubro de 2001
fiscalização das pequenas empresas de subcontratação devido à sua grande mobilidade e porque o "contrato de trabalho não confere direitos sociais", faltando uma regulação efectiva da protecção dos trabalhadores. Fazer depender as autorizações de permanência de contrato de trabalho entregou ao patronato o poder de permitir ou não a legalização e, até, de anular da autorização de permanência. Na prática, fomentou a chantagem e a exploração.
Os trabalhadores com a autorização de permanência continuam numa situação precária e vulneráveis à exploração. Nos mais variados sectores - construção civil, hotelaria, restauração e limpezas - muitos patrões recorrem à chantagem para manter o trabalhador em condições laborais e remunerações miseráveis. Se o trabalhador deixar o emprego o patrão comunica à Inspecção-Geral de Trabalho, o que pode valer-lhe a anulação ou não renovação da autorização de permanência. Em suma, estes imigrantes estão legais mas continuam a constituir mão-de-obra descartável.
Este panorama poderá permitir alimentar um nova bolsa de imigrantes clandestinos - os que se legalizaram mas que perderam a autorização de permanência -, situação que se agravará quando se iniciar o período de renovação das autorizações emitidas ao longo deste "processo de legalização". Estes trabalhadores vão juntar-se às dezenas de milhares de imigrantes que se encontram actualmente a trabalhar em Portugal e que não se conseguiram legalizar devido à desregulamentação das relações laborais.
Esta é uma situação extremamente prejudicial não só para trabalhadores imigrantes mas também para trabalhadores nacionais, pois permitirá aos patrões impor baixos salários e desrespeitar direitos laborais e de cidadania conquistados pelos trabalhadores portugueses - retirando, assim, altos dividendos económicos - e apenas contribuirá para uma maior desregulamentação do mercado de trabalho e das relações laborais. Para colmatar e/ou prevenir este mecanismo de dumping social é essencial a atribuição de autorização de residência aos trabalhadores que actualmente têm autorização de permanência e a regularização de todos os imigrantes que actualmente se encontram em território nacional.
2 - A actualidade da discussão sobre novos mecanismos de gestão de fluxos de migratórios:
Há fortes indicadores de que estes trabalhadores estão e vão contribuir para um aumento da receita pública com e para uma redução do défice público. Segundo cálculos divulgados pelo Diário Económico (edição de 1 de Setembro de 2001), a contribuição para a segurança social destes trabalhadores está estimada entre os 56 e os 63,6 milhões de contos, valor que vai ser determinante "para o crescimento record nas contribuições" - de 10% -, que, na prática, poderá atenuar a derrapagem orçamental verificada. Estes dados vão de encontro ao relatório da Divisão de População da Nações Unidas, divulgado no ano passado, quando apontava que, para se manter o equilíbrio demográfico, o nível de actividade económica e a sustentabilidade do sistema de segurança social, seria necessário intensificar os fluxos migratórios e recolocam a necessidade de uma política de imigração que assuma o reconhecimento de direitos daqueles que estão a contribuir para o crescimento do País e, até, para a sua estabilidade.
Também nesta linha vão os resultados preliminares do Censos 2001, que assinalam que Portugal passou a ser um país de imigração e que a imigração tem um peso assinalável na evolução demográfica do País, pois contribuiu para cerca de 80% do crescimento demográfico da década, com um saldo migratório positivo de cerca de 361 100 pessoas.
No entanto, ao longo da década de 90, o saldo migratório aumentou não tanto por força do número de entradas legais, mas por força de processos de regularização que serviram de remendo para modelos de gestão restritivos de fluxos migratórios. Segundo um estudo de Rui Pena Pires, com o processo de regularização extraordinária de 1996 o número de imigrantes legais originários dos países de língua oficial portuguesa (imigração dominante na década de 90) sobe em mais 50%.
Um mecanismo semelhante verificou-se com o recente processo de legalização que assumiu a lógica de uma política de entrada pelas portas do fundos, o que já vinha acontecer com o carácter restritivo da anterior lei, mas que esta lei não resolveu. O processo de legalização, pela forma como foi feito, só acentuou a imigração clandestina, pois os canais de imigração legal encontravam-se fechados, sendo impossível obter vistos de trabalhos ou de residência nos postos consulares. Constituiu, desta forma, uma oportunidade de negócio para os engajadores e para as redes de tráfico de pessoas, que têm proliferado e actuado de forma brutal.
A questão que actualmente se coloca, tal como o anterior projecto de lei do BE apontava, é a de que forma poderá ser garantido que a gestão dos fluxos imigratórios se faça através da utilização de canais de imigração legal e, em particular, de imigração económica em que os mecanismos de concessão de vistos de trabalho e de posterior acesso a autorização de residência assumem uma especial centralidade. Embora haja uma crescente sobreposição entre imigração por motivos económicos e por motivos humanitários, a verdade é que, mesmo que o imigrante tenha deixado o país de origem na sequência de situações de guerra, perseguições ou de catástrofes naturais, na maior parte dos casos procura no país de origem trabalho e melhores condições de vida para si e para a sua família.
O Governo, apesar de ter recusado a viabilização do projecto de lei do BE e a sua discussão na especialidade, fala agora na necessidade de "uma política de imigração equilibrada, que privilegie os canais de imigração económica legal desde os países de origem" (resolução do Conselho de Ministros). À luz do definido no Decreto-Lei n.º 4/2001 (artigo 41.º), serão estabelecidos acordos bilaterais com países estrangeiros - especialmente países de leste e Brasil (pelo menos pela prática de preferências que tem sido seguida pelas entidades empregadoras portuguesas) - para permitir o recrutamento de mão-de-obra, solicitada e recrutada pelo próprio patronato. Este modelo baseado nos acordos bilaterais poderá resultar, na prática, num modelo de quotas por países (diferente de quotas anuais) que, mais uma vez, deixa os imigrantes à mercê do patronato e acaba por ganhar contornos xenófobos, pois distingue os "bons" dos "maus" trabalhadores imigrantes. O próprio processo de legalização já reflectiu esta lógica, visto que mais de 60% das legalizações corresponderam a imigrantes oriundos dos países de leste que constituíam, assumidamente, mão-de-obra preferencial para os patrões. Por isso, há que salvaguardar na legislação que as políticas que venham a ser assumidas daqui em diante não sejam assentes na discriminação dos imigrantes em função dos países de origem e que sejam justas e claras no que se refere aos mecanismos de gestão de fluxos migratórios.
Um mecanismo legislativo que pode resultar na discriminação de imigrantes por países de origem e no reforço do poder do patronato e das redes de tráfico sobre os trabalhadores imigrantes está definido pelo n.º 1 do artigo 43.º (parecer favorável) que faz depender a concessão de visto