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0818 | II Série A - Número 027 | 03 de Outubro de 2002

 

por doenças infecto-contagiosas e ainda facilitar o acesso a informação e a programas de tratamento. A bancada então maioritária opôs-se a esta legislação usando o argumento circunstancial de que o governo a iria adoptar a breve prazo: pouco tempo depois, o governo aprovou o Decreto-Lei n.º 183/2001, que adoptou essa medida, entre outras, tendo, no entanto, excluído as salas de injecção assistida das cadeias, onde mais eram precisas. Verifica-se agora que esse decreto ficou sem aplicação.
Por todas estas razões, impõe-se retomar e consolidar a política de prevenção e de tratamento da toxicodependência, promovendo uma estratégia de prevenção que seja articulada, multifacetada, coerente e competente na resposta aos grandes problemas.
Ao verificar-se a inutilidade de uma estratégia de prevenção baseada na desinformação ("todas as drogas são iguais") ou na tentativa de criação de pânico ("droga, loucura, morte"), impõe-se, pelo contrário, uma estratégia de informação serena acerca do risco e perigosidade do consumo de drogas, que mobilize os recursos indispensáveis para os programas de prevenção articulada em resposta aos diversos públicos e de tratamento que responda às suas necessidades.
Assim, o Bloco propõe uma orientação e iniciativas para a prevenção da toxicodependência, nomeadamente na definição da rede nacional de instituições públicas e privadas de prevenção e tratamento. Essa orientação conjuga-se com a política de separação entre drogas leves e drogas duras, de tal modo que se retire o comércio de derivados do cannabis do âmbito de actividade dos narcotraficantes e das suas redes de influência. De facto, essa ponte que se pode estabelecer entre os consumos de drogas leves e de drogas duras tem sido um dos instrumentos mais importantes para a extensão da venda ilegal de cocaína e de heroína, entre outras substâncias. Deste ponto de vista, essa medida é um dos pilares mais importantes de uma estratégia de prevenção da toxicodependência.
Tem sido uma das consequências do proibicionismo - só desafiado desde a aprovação da nova legislação sobre toxicodependência em 2000 - a criação da condições que facilitam aos narcotraficantes a instrumentalização de todas as dependências para uma gestão monopolista do mercado, de tal modo que possam impor e generalizar o consumo das drogas que são simultaneamente as mais caras e as que conduzem a uma mais acentuada degradação da capacidade e autonomia individual dos consumidores.
No entanto, a experiência anterior e o fracasso do proibicionismo, como, por exemplo, no caso da proibição do álcool nos Estados Unidos, demonstram categoricamente que um dos instrumentos mais efectivos para tal estratégia é o controlo de um mercado ilegal unificado. Pelo contrário, só se previne separando.
O certo é que o uso das drogas legais está disseminado por todo o mundo, e o seu consumo tem efeitos importantes na saúde pública, sendo por vezes mais grave do que o efeito de drogas ilegais.
As drogas legais e as ilegais:
Os efeitos para a saúde do uso de algumas das drogas legais que estão disseminadas por todo o mundo não são qualitativamente distintos dos das drogas ilegalizadas. Veja-se o caso do álcool ou do tabaco, responsáveis por milhões de mortes todos os anos e para os quais a hipótese de proibição à escala mundial é posta de lado de forma categórica. A Associação Portuguesa de Prevenção do Alcoolismo calculava em 1995 que um em cada 10 portugueses é dependente do álcool, afectando com essa dependência de forma indirecta pelo menos mais uma pessoa em cada 10.
O álcool é directamente responsável pela tragédia que se vive nas estradas portuguesas e nas cenas de violência doméstica em muitos lares. Mas os sucessivos governos desdobram-se em apoios ao sector vitivinícola e fomentam a expansão das rotas de comércio dos vinhos portugueses e a sua produção em massa. Na Resolução do Conselho de Ministros n.º 166/2000, de 2 de Novembro de 2000, afirma-se mesmo que "O alcoolismo é a maior toxicodependência dos portugueses", e é verdade. As medidas adoptadas neste campo têm-se limitado a estratégias de prevenção e de informação, bem como de controlo dos preços (impostos sobre o tabaco e álcool, e outras medidas de regulação da oferta) e da qualidade da oferta.
O mesmo se passa com o tabaco, directamente responsável pelas mortes devido a problemas cardiovasculares ou pelo cancro do pulmão. Apesar da cruzada moralista que, tal como no princípio do século em relação às drogas hoje ilegais, faz hoje o seu caminho nos Estados Unidos, parece estar ainda longe um cenário de proibição. Mas é curioso ver os seus opositores argumentarem contra a proibição do tabaco com um discurso que se aplica na perfeição contra os efeitos proibicionistas em relação às drogas hoje legais.
A hipocrisia que serve de base a esta duplicidade de discursos não pode ser separada do poder económico que suporta cada um dos negócios que aqui se discutem. É evidente que para os lobbies dos produtores do álcool e do tabaco interessa manter a imagem da perigosidade associada ao estatuto legal: umas drogas serão condenáveis porque ilegalizadas, outras serão negócios a favorecer porque são legalizados. Enquanto assim for a sociedade vai continuar a ser encaminhada para utilizar as drogas legais de que dispõe sem ser alvo de condenação, e as formas de evasão continuarão a estar condicionadas pelas drogas toleradas pelo sistema, beneficiando com isso o próprio Estado, através dos impostos sobre o tabaco e o álcool, e lucrando as empresas que as produzem e comercializam, mesmo que os efeitos em termos de saúde pública sejam graves.
Existe ainda uma outra categoria de drogas legais, que inclui, aliás, a utilização controlada de derivados de opiáceos e de outras drogas, que são alguns dos produtos farmacêuticos com venda legalmente controlada em farmácias. Nesse caso, optou-se por regras rígidas que definem o acesso tanto a fabricantes (a indústria farmacêutica) quanto a consumidores (mediante a intermediação de pessoal qualificado do sistema nacional de saúde). É um sistema desse tipo e com esse controlo que o Bloco tem proposto para a distribuição medicamente assistida de heroína a toxicodependentes que não acedam a programas de tratamento. Serve este sistema como referência, porque se demonstrou neste caso que pode a legalização ser completamente compatível com controlo social e com protecção da saúde pública.

II - Uma nova abordagem do problema da toxicodependência

Com a legislação sobre prevenção que é aqui proposta é dado mais um passo no sentido de uma nova abordagem do problema da toxicodependência, assente exclusivamente numa perspectiva de saúde pública, afastando os consumidores