0821 | II Série A - Número 027 | 03 de Outubro de 2002
justifica-se pelo facto de a marca comercial ser actualmente um poderoso meio de promoção de produtos. Isto vale não só para a publicidade comercial, inconcebível para os produtos deste tipo, como também para outras formas de propaganda directa (promoção, marketing...) ou indirecta (patrocínio, mecenato...) utilizados nos media.
O comércio passivo das drogas leves pressupõe uma política de preços que exclua as drogas comercializadas do índice de preços. Esta exclusão permite agir sobre a oferta e a procura sem outros constrangimentos que não sejam os imperativos sanitários. Do lado da oferta, uma política de venda a preços estudados permite eliminar os traficantes do mercado lícito. Do lado da procura, uma fixação hábil dos preços permite orientar os consumidores para os produtos menos nocivos. É contudo claro que o comércio passivo, mesmo que alargado numa segunda fase a outras substâncias, não vem resolver o problema da toxicodependência, na medida em que não fornece soluções aplicáveis ao consumidor abusivo. São por isso necessários princípios anexos de prevenção e de reparação dos custos sociais. Estes princípios são a informação aos consumidores e a tributação do custo social da droga.
Este projecto de lei contempla a possibilidade de se prever num momento futuro a inclusão de algumas substâncias da tabela II-A no sistema de comércio passivo ou em sistema análogo, o que se justifica pela insuficiência de conhecimentos e de debate científico acerca das substâncias em causa, e mais concretamente do seu efeito na saúde a longo prazo.
Tem sido esta a orientação defendida por muitos profissionais de saúde associados ao tratamento de toxicodependentes, mas também de outros intervenientes nos processos sociais da toxicodependência. O Dr. Carlos Rodrigues Almeida, Juiz de Direito na 4.ª Vara Criminal, em Lisboa, publicou recentemente um estudo sobre Uma abordagem da política criminal em matéria de droga, que argumenta no mesmo sentido:
"Se é a vida, a saúde e a liberdade do consumidor, a segurança das pessoas em geral e o integral desenvolvimento da infância e juventude que constituem os bens jurídicos e os bens jurídico-penais dignos de tutela, a intervenção do Estado deve procurar salvaguardar tais interesses recorrendo ao direito penal apenas se e na medida em que existir carência de tutela penal, ou seja, na medida em que a criminalização dos comportamentos se torne necessária e seja adequada ao fim em vista, não provocando efeitos secundários intoleráveis.
Nesse sentido há, em primeiro lugar, que analisar a susceptibilidade de lesão daqueles interesses que cada uma das substâncias actualmente incluídas no conceito de droga representa a fim de, em função dessa avaliação, delinear a política concreta para cada uma, que pode e deve ser diversa consoante o diferente grau de danosidade da substância.
Penso que algumas das substâncias actualmente sujeitas a controlo, de que a cannabis é um exemplo paradigmático, não representam um perigo para aqueles bens jurídicos de molde a justificar a intervenção do direito penal, pelo menos quando o seu consumo seja feito por maiores e em privado.
Não obstante saber que ainda subsiste alguma polémica nos meios científicos sobre os efeitos do consumo dos derivados da cannabis, parece-me relativamente segura a afirmação que ele não é susceptível de pôr em perigo a vida e, se comparado com o consumo de álcool e de tabaco, as consequências para a saúde dos consumidores e para a segurança das populações não são mais gravosas do que as destas substâncias, sendo a dependência que gera, a existir, apenas psíquica e em grau moderado.
Também não justifica a intervenção penal a ideia de que o consumo dos derivados da cannabis constituiria um primeiro passo numa escalada da droga. Se é verdade que muitos dos consumidores de heroína consumiram em momentos anteriores derivados da cannabis, também é verdade que consumiram e consomem álcool e tabaco, não sendo por isso que estas substâncias são ilegalizadas. É, por outro lado, seguro que a grande maioria dos consumidores de derivados de cannabis nunca evoluíram para o consumo de heroína. Se nesta sede os derivados da cannabis apresentam especificidade, ela apenas deriva da ilicitude que está associada ao seu consumo.
Por tudo isto parece preferível legalizar e controlar o cultivo, fabrico, transporte, comercialização e consumo de tais produtos, garantindo a sua qualidade e, no caso dos canabinóides, o seu teor de THC, promovendo, em simultâneo, campanhas de sensibilização das populações, e em particular da juventude, no sentido de defenderem a sua saúde e recusarem o consumo de qualquer substância psicoactiva, mas deixando à livre opção de cada um a decisão final. De resto é sempre preferível um consumo legal e em privado, socialmente integrado, que evite o abuso, a um consumo clandestino ou semiclandestino, gerador de segregação e susceptível de penalização.
Quanto a estas substâncias, a intervenção do direito penal deveria cingir-se à punição das transacções efectuadas fora do circuito legal estabelecido, nomeadamente da venda a menores. Proibidos ficariam também todos os actos de promoção do consumo, em especial a publicidade."
É essa a opção estratégica seguida por este projecto de lei.
Em consequência, é necessário impor a separação dos mercados de drogas leves e duras, através de instituição do comércio passivo e sob autorização municipal das drogas leves, sujeito às regras, ao controlo e à fiscalização dos organismos competentes, e uma política de prevenção, de combate ao narcotráfico e de tratamento dos toxicodependentes que decorra dessa separação.
O comércio passivo dos derivados da cannabis contrapõe-se às regras que, no modelo típico de comércio, constituem um encorajamento à produção, venda ou consumo de um qualquer produto. Os seus princípios fundamentais opõem-se deste modo às características do comércio ordinário ou da livre concorrência, bem como aos princípios tradicionais da liberdade do comércio e indústria, e deste modo privam a rede de distribuição de toda a agressividade comercial.
A exclusão das regras de concorrência e de promoção publicitária conduz ao controlo da produção, importação, distribuição e forma de comercialização de cada tipo de droga. Certos atributos do comércio clássico são assim recusados ao distribuidor de substâncias controladas. É o caso do direito da propriedade das marcas e do direito ao símbolo que permite a fixação de uma clientela. A recusa do reconhecimento de marca justifica-se pelo facto de a marca comercial ser actualmente um poderoso meio de promoção de produtos. Isto vale não só para a publicidade comercial, inconcebível para os produtos deste tipo, como também para outras formas de propaganda directa (promoção, marketing...) ou indirecta (patrocínio, mecenato...) utilizados nos media.
O comércio passivo das drogas leves pressupõe ainda uma política de preços que exclua as drogas comercializadas