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0044 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003

 

que constam da declaração de voto da Ex.ma Conselheira Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza e para a qual, com vénia, remeto.
3. Conquanto não tenha ficado vencido quanto à decisão ínsita na alínea f), não posso deixar de manifestar as dúvidas semelhantes às que, referentemente à norma vertida no n.° 1 do artigo 4.° do mencionado Código do Trabalho, na parte em que se refere a regulamentos de extensão, se surpreendem na declaração de voto da Ex.ma Conselheira Maria dos Prazeres Couceiro Pizarro Beleza.

Bravo Serra

Declaração de voto
l. Votei vencida quanto às decisões constantes das alíneas a), d) e i), pelos fundamentos invocados na declaração de voto do Ex.mo Conselheiro Mário Torres.
2. Votei vencida, em parte, quanto à decisão constante da alínea f) e votaria em termos mais amplos a decisão de inconstitucionalidade constante da alínea g), pelas razões que a seguir enuncio.
A posição que assumi quanto à matéria tratada na parte D) do acórdão (n.°s 19 a 21) resulta de me ter pronunciado no sentido da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 4.°, n.° l, do Código do Trabalho, aprovado pelo Decreto da Assembleia da República n.° 51/IX, na medida em que tal norma permite o afastamento de normas do Código através de instrumentos de regulamentação colectiva menos favoráveis para os trabalhadores, por violação do princípio do tratamento mais favorável do trabalhador, inerente ao princípio do Estado Social.
Embora não tenha consagração num preceito constitucional determinado, o princípio que é normalmente designado como "princípio do tratamento mais favorável do trabalhador" não pode deixar de se considerar um elemento estruturante da Constituição laboral portuguesa.
A Constituição da República Portuguesa rejeita um modelo liberal e intervém directamente no mundo do trabalho, definindo um estatuto social mínimo cujo respeito impõe não apenas às entidades privadas, mas também às entidades públicas, e, desde logo, ao próprio legislador. A protecção social dos trabalhadores é concretizada através de um conjunto diversificado de meios: atribuição de direitos individuais aos trabalhadores (entre outros, segurança no emprego, direito à retribuição de modo a garantir uma existência condigna, direito à prestação do trabalho em condições de higiene e segurança, direito a um limite máximo da jornada de trabalho); atribuição de direitos às organizações representativas dos trabalhadores (direito de participar na elaboração da legislação do trabalho, direito de contratação colectiva, direito à greve); participação do Estado, através da função legislativa, nas tarefas de concretização e de garantia dos direitos individuais e colectivos dos trabalhadores.
Ora, a meu ver, do princípio do Estado Social consagrado na Constituição Portuguesa é possível retirar o "princípio do tratamento mais favorável do trabalhador". Tal significa que as várias injunções constitucionais no domínio laboral devem interpretar se no sentido de que estabelecem uma tutela mínima: ao Estado cabe definir e garantir um programa, que os destinatários podem concretizar, melhorando, mas não piorando, as condições que derivam da lei.
Considerem se, designadamente, o artigo 2.°, o artigo 9.°, alíneas b) e d), os artigos 58.° e 59.°, o artigo 81.°, alíneas a) e b), da Constituição.
A noção de "democracia económica, social e cultural", consagrada no artigo 2.° da Constituição, "é a fórmula constitucional para aquilo que em vários países se designa por "Estado social" e que se traduz essencialmente na responsabilidade pública pela promoção do desenvolvimento económico, social e cultural, na satisfação de níveis básicos de prestações sociais para todos e na correcção de desigualdades sociais" (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, anotação ao artigo 2.°, pág. 66).
A Constituição define entre as tarefas fundamentais do Estado a de "garantir os direitos e liberdades fundamentais e o respeito pelos princípios do Estado de direito democrático" e a de "promover (...) a igualdade real entre os portugueses, bem como a efectivação dos direitos (...) sociais (...) - (artigo 9.º, alíneas b) e d)). Por outro lado, incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social "promover o aumento do bem estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas" e "promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correcções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento" (artigo 81.°, alíneas a) e b)).
Assim, mal se compreenderia que as medidas adoptadas pelo Estado, por exemplo para "assegurar as condições de trabalho, retribuição e repouso a que os trabalhadores têm direito", nos termos do artigo 59.º, n.º 2, da Constituição, pudessem depois ser afastadas por instrumentos de regulamentação colectiva menos favoráveis.
Da análise dos preceitos constitucionais citados resulta portanto que, quanto a diversos aspectos relacionados com a situação dos trabalhadores, compete ao Estado estabelecer um standard mínimo de protecção, a partir do qual os trabalhadores e os empregadores podem, no exercício da autonomia colectiva, concretizar os seus equilíbrios, mas sem desvirtuar o nível de protecção atribuído pela lei.
Os direitos atribuídos pela lei aos trabalhadores, enquanto garantias da dignidade e da liberdade dos trabalhadores, terão de ser acautelados, devendo ser considerados como limites ao exercício dos poderes patronais.
A Constituição da República Portuguesa assenta assim na concepção que desde sempre inspirou o direito do trabalho.
Na verdade, o direito do trabalho surgiu como disciplina jurídica autónoma contra o liberalismo económico, tendo como objectivo fundamental a protecção dos trabalhadores. Daí a sua "unilateralidade", cujo sentido se traduz na "procura da realização, por via normativa, do reequilíbrio numa relação originariamente desnivelada" (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 11.ª ed., Coimbra, 1999, pág. 21).
Ora, "a presença, no domínio dos conflitos hierárquicos das fontes do trabalho, de uma regra do tratamento mais favorável do trabalhador, resulta natural, se se atentar na génese e evolução do juslaborismo (...). Na sua base coloca se a questão social e a situação de vulnerabilidade em que, nela, se encontram os trabalhadores, atentando-se, para mais, na incapacidade então demonstrada pelo Direito civil das codificações na resolução dos graves problemas assim ocasionados" (Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Coimbra, 1991, pág. 205 e seguintes).