0040 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
regulação colectiva, ora a ausência de qualquer estipulação, incluindo a individual - misturando, pois, o que é dispositivo (ou "supletivo", na terminologia do aresto) apenas em relação a instrumentos de regulamentação colectiva (por exemplo, o artigo 256º, n.ºs 2 e 3, do CT; no artigo 166º, n.º 1, diversamente, não está sequer em causa uma norma dispositiva) e o que pode também ser alterado por contrato individual (exemplos dos artigos 178º, n.º 2, 184º, n.º 3, e 268º, n.º 1).
Por outro lado, logo os exemplos apresentados revelam claramente que tal distinção sobrevaloriza a formulação literal, sem relevância substancial (e, portanto, constitucional), do preceito, não havendo - o que é decisivo - garantia, ou, sequer, qualquer indício, de que a diferença seja mais do que puramente casual, por ter sido sistematicamente tomada em conta na redacção do diploma em apreço. O que, aliás, não pode admirar, pois a distinção também se não encontra na doutrina, a qual, em regra, se limita a classificar as normas dispositivas (por vezes ditas também facultativas) em subespécies como, por exemplo, concessivas ou permissivas, interpretativas e supletivas (assim, v. g., João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao discurso legitimador, Coimbra, 1983, pág. 97, e, em sentido próximo, José de Oliveira Ascensão, O Direito - Introdução e teoria geral, 9ª ed., Coimbra, 1995, págs. 551 e segs.). Não pode certamente ser da circunstância de uma norma conter um inciso final ressalvando "disposição diversa estabelecida em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho" (artigo 194º, n.º 1, do CT, quanto ao período normal de trabalho diário do trabalhador nocturno, quando vigore regime de adaptabilidade, apontado no aresto como exemplo de norma "dispositiva"), em vez de se iniciar com a expressão "na falta de disposições incluídas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho" (n.ºs 2 e 3 do artigo 256º do CT, sobre a retribuição especial do trabalhador isento de horário de trabalho, indicados como normas "supletivas"), ou de "diferenças" semelhantes, que depende o "congelamento do grau hierárquico" das respectivas normas legais, e, consequentemente, a compatibilidade do artigo 4º, n.º 1, do CT com o n.º 6 do artigo 112º da CRP!
b) Em meu entender, a pergunta de que o Tribunal haveria de ter partido, para apurar a conformidade do preceito questionado com o artigo 112º, n.º 6, da CRP, era, antes, a de saber se esta norma constitucional, ao proibir a lei de "conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa (…) modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos", veda a aprovação de normas legais dispositivas em relação a instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, sem distinção entre os negociais e os não negociais - a aprovação de normas que não são, pois, apenas "convénio-dispositivas" (v. Maria do Rosário Palma Ramalho, Da autonomia dogmática do direito do trabalho, Coimbra, 2000, págs. 843 e seg.), mas, antes, dispositivas também em relação a "instrumentos de regulamentação colectiva não negociais".
Logo no plano da interpretação do artigo 112º, n.º 6, da CRP, tenho dúvidas de que se possa dizer que, pelos seus efeitos, estes instrumentos de regulamentação colectiva impliquem, quanto às normas não imperativas, uma modificação da lei do tipo da que o legislador constitucional pretendeu proibir com a introdução daquela disposição constitucional.
Como se sabe, o antecedente desta é o artigo 115º, n.º 5, aditado pela Lei Constitucional n.º 1/82, na sequência dos projectos de revisão constitucional n.ºs 1/II e 4/II (apresentados pela ASDI e pela FRS, in Diário da Assembleia da República [DAR], II legislatura, 1ª sessão legislativa, 2.ª série, n.º 55, pág. 2298, e n.º 70, pág. 2697). Tratou-se de uma norma apresentada com um "escopo de ordem, de equilíbrio, de definição precisa", e que constituiria, nas palavras do Deputado Luís Nunes de Almeida na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (DAR, 2.ª série, suplementos ao n.º 19, de 25 de Novembro de 1981, pág. 432-(25), e ao n.º 44, de 27 de Janeiro de 1982, pág. 904-(27)), "um caso de higiene jurídica", não deixando, porém, de se alertar, desde logo, para os "riscos de que uma norma deste tipo é susceptível" (assim, a Deputada Margarida Salema, DAR, loc. cit.). Este Tribunal já teve, aliás, a propósito de outra dimensão da mesma norma constitucional, ocasião de aderir a uma sua interpretação restritiva, quanto aos regulamentos executivos (Acórdão n.º 1/92, in Diário da República [DR], Série I-A, n.º 43, de 20 de Fevereiro de 1992).
Ora, não só não se encontra na discussão que deu origem a esse artigo 115º, n.º 5, qualquer menção que leve a crer que foram considerados como abrangidos pela sua hipótese os instrumentos administrativos de regulamentação colectiva do trabalho, já então existentes, como parece sustentável que, tratando se de normas que o legislador pretendeu justamente como dispositivas, não só em relação a instrumentos negociais, como também aos não negociais, estes últimos não modificam o regime legal enquanto tal, não invertendo ou adulterando a hierarquia dos actos normativos, e antes o concretizam para determinado sector, profissão ou área geográfica.
c) Isto mesmo, aliás, é o que acontece também com outros instrumentos de regulamentação, como as convenções colectivas de trabalho, não podendo deixar de estranhar se que normas que o legislador pretendeu que fossem dispositivas em relação a todos os instrumentos de regulamentação colectiva viessem a poder ser alteradas apenas por instrumentos negociais, mas já não, quando estes não podem existir, pelos correspondentes instrumentos não negociais, que visam, justamente, suprir a sua falta.
Na verdade, o acórdão fundamenta a inexistência de inconstitucionalidade do n.º 1 do artigo 4º do CT, na parte em que se refere a regulamentos de extensão, não só no seu carácter materialmente não inovatório e nos seus objectivos de uniformização, como na circunstância de, ao prever a sua emissão, o legislador estar ainda a "regular a eficácia" das convenções colectivas de trabalho, como lhe consente o n.º 4 do artigo 56º da CRP, deixando em aberto a questão de saber se, independentemente desta previsão específica, estaríamos perante uma modificação da lei proibida pelo artigo 112º, n.º 6 (no sentido de que as exigências constitucionais sobre regulamentos não são aplicáveis à declaração de força obrigatória geral das convenções colectivas, vejam-se, aliás, já as decisões do Tribunal Constitucional Federal alemão intituladas Allgemeinverbindlicherklärung I e II, de 1977 e 1980, in Entscheidungen des Bundesverfassungsgerichts, respectivamente vol. 44, págs. 322 e segs., e vol. 55, págs. 7 e segs.).
Além do efeito de mera extensão da disciplina convencional e do reconhecimento constitucional contido no artigo 56º, n.º 4, é ainda, porém, relevante, a meu ver, a circunstância de os regulamentos de extensão dependerem da inexistência de um regime convencional