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0045 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003

 

No contexto da Constituição laboral portuguesa, tal como acima ficou definido, para que o direito de contratação colectiva preencha plenamente a sua função social e económica - que se traduz em garantir que a disciplina contratual corresponda a um ponto de equilíbrio entre as posições dos contraentes - há que respeitar determinados princípios, desde logo, o "princípio do tratamento mais favorável do trabalhador" (bem como o princípio da maior favorabilidade global na sucessão de convenções).
Concluo assim que, ao admitir, sem qualquer limitação, o afastamento das normas do Código por instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, o preceito em análise - que curiosamente tem como epígrafe "princípio do tratamento mais favorável" - permite a aplicação de instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho (quer negociais, quer não negociais) que estabeleçam um tratamento menos favorável para os trabalhadores e possibilita o afastamento do standard mínimo de protecção dos trabalhadores legalmente estabelecido.

Maria Helena Brito
Declaração de voto

I

1. Votei vencida o presente Acórdão em duas questões essenciais atinentes à configuração constitucional do Direito do Trabalho:
a) Votei vencida quanto à pronúncia pela não inconstitucionalidade das normas que, pressupondo a alteração da fundamentação do direito constitucional dos trabalhadores à contratação colectiva, extraem consequências da conversão de tal direito em pura manifestação de autonomia privada (nessas normas incluo as que se referem à justificação constitucional dos regulamentos administrativos e à caducidade das convenções colectivas de trabalho).
b) Votei também vencida relativamente à pronúncia pela não inconstitucionalidade da norma que prevê a não obrigatoriedade da reintegração do trabalhador de microempresa ou que ocupe cargo de administração ou direcção, cujo despedimento haja sido declarado ilícito judicialmente, se o seu regresso for gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial. Ao dar se prevalência ao interesse do empregador ou da empresa sobre o direito à segurança no emprego do trabalhador, viola se a proibição constitucional dos despedimentos sem justa causa em articulação, precisamente, com o direito à segurança no emprego.
2. Votei ainda parcialmente vencida quanto à questão do acesso dos empregadores a dados relativos à saúde e ao estado de gravidez dos candidatos a emprego ou trabalhadores, quando particulares exigências inerentes à actividade profissional o justifiquem, a qual só parcialmente foi objecto de pronúncia de inconstitucionalidade e deveria ter sido, em meu entender, considerada inconstitucional no seu todo, por violação dos artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição.
Por fim, apresentei declaração de voto relativamente à pronúncia pela não inconstitucionalidade da norma que permite a reabertura do procedimento disciplinar quando esteja ferido de nulidade, sobretudo na medida em que tal reabertura permita um prolongamento do prazo de prescrição do procedimento disciplinar.
II
3. Apresentados, em suma, os pontos de dissidência relativamente à maioria que aprovou o Acórdão, passarei a expor as razões da minha posição, no puro plano da interpretação da Constituição, entendida como ponto de confluência de uma vontade histórica, de um texto colectivo e de uma conglomeração de valores que consubstanciam um consenso básico sobre o modo de organização de uma sociedade.
É, pois, como intérprete da Constituição, a quem cabe investigar o equilíbrio de valores (por vezes conflituantes) em que esta assenta, bem como as possibilidades e limites de evolução, sem revisão constitucional, do consenso anteriormente referido, que exporei as razões da minha posição.
4. Desde logo, votei vencida a alínea a) da decisão, relativa à norma do artigo 17.º, n.º 2, do "Código do Trabalho", na medida em que permite o acesso dos empregadores a informações sobre a saúde ou o estado de gravidez do trabalhador quando particulares exigências inerentes à actividade profissional o justifiquem.
Entendo que a fórmula legal que permite exigir informações sobre a saúde e estado de gravidez com fundamento nas "particulares exigências inerentes à actividade profissional" é indeterminada e carece de fundamentação específica, permitindo, por isso, uma restrição desproporcionada do direito - fundamental - à reserva da vida privada (artigos 26.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição).
Com efeito, ultrapassando tal critério a fórmula de "protecção e segurança do próprio trabalhador ou de terceiros", que é utilizada, noutro contexto, no artigo 19.º do "Código do Trabalho", ele remete para uma área em que as exigências de necessidade, proporcionalidade e adequação a que é obrigatório obedecer nas restrições de direitos fundamentais não são satisfeitas.
O critério vago permite condicionar o candidato ao emprego ou o trabalhador, colocando o numa posição enfraquecida e podendo compeli lo a fornecer informações sobre a sua vida privada, como condição de contratação ou manutenção do emprego. Isto pode implicar, aliás, formas subtis de discriminação de certas pessoas, como as mulheres grávidas ou os portadores de doenças socialmente mal toleradas.
5. A primeira grande questão em que dissidi da decisão constante do presente Acórdão é a que diz respeito à pronúncia pela não inconstitucionalidade das chamadas portarias de extensão (alínea f) da decisão), a que se refere o artigo 4.º, n.º 1, do "Código do Trabalho".
A minha discordância fundamenta se na natureza do direito à contratação colectiva como direito fundamental dos trabalhadores (consagrado no artigo 56.º, n.ºs 3 e 4, da Constituição) e expressão do Estado Social e não como pura decorrência da autonomia privada.
Enquanto direito dos trabalhadores e não, obviamente, dos empregadores, o direito à contratação colectiva não pode ser encarado no mesmo plano que a liberdade negocial dos empregadores. Se é um direito dos trabalhadores, não pode ter exactamente o mesmo conteúdo que a autonomia privada reconhecida a todos os cidadãos e que a Constituição nem explicita como direito específico.
O direito à contratação colectiva só é um direito específico e um direito fundamental enquanto, no seu conteúdo