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0042 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003

 

sindicais não poderiam declarar qualquer greve, independentemente da motivação e dos objectivos da mesma" (dizendo, porém, que a possibilidade de cláusula expressa de paz social absoluta é admitida no direito alemão, veja-se Brox/Rüthers, Arbeitsrecht, 13ª ed., 1997, p. 193; a mesma informação pode, entre nós, colher-se em António Monteiro Fernandes, Direito do trabalho, 10ª ed., Coimbra, 1998, pág. 707).
O entendimento "inconstitucionalizador" da norma em apreço incidiu, em primeiro lugar, sobre a "abrangência das limitações" à greve permitidas pela norma em causa. Afigura se, porém, pelo menos inverosímil considerar, com base no "sentido normal ou natural da expressão 'motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção'", que estão também previstas na parte final do artigo 606º do CT cláusulas limitativas da declaração da greve "para protestar contra alegado incumprimento da convenção por parte do lado empresarial". É que tal pressupõe admitir a possibilidade - realmente absurda - de o sindicato contraente aceitar, com tal cláusula, prescindir da greve mesmo para reagir contra o próprio não cumprimento da convenção pela outra parte. Acresce que, em caso de (mesmo só alegada) inexecução da convenção pela outra parte, a cláusula desta que limita o recurso à greve não terá, evidentemente, qualquer efeito limitativo, não por a Constituição não a permitir, mas, desde logo, por a convenção não estar a ser cumprida pela outra parte ("inadimplenti non est adimplendum"). Trata se, simplesmente, de uma aplicação do regime geral da convenção colectiva, sem se tornar sequer necessária, neste ponto, qualquer interpretação em conformidade com a Constituição.
Também a inclusão, na hipótese do artigo 606º, parte final, do CT, da limitação da greve decretada com invocação de alteração anormal das circunstâncias é desmentida pela aplicação do regime geral da convenção colectiva, uma vez que (como se lê na declaração de voto aposta ao Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República n.º 156/81, citado no acórdão) "conferindo a lei geral, relativamente a qualquer contrato e quando as circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar tenham sofrido uma alteração anormal, o direito à parte lesada de obter a resolução do contrato ou a modificação deste segundo juízos de equidade (artigo 437.º do Código Civil), afigura se que, 'enquanto aquela greve se relacionar com o exercício deste direito, tem de se reconhecer a sua legitimidade e a sua licitude'". O acórdão dá, aliás, por "assente" a tese favorável à aplicabilidade da alteração das circunstâncias às convenções colectivas, com apoio no n.º 2 do artigo 561º do Código do Trabalho (segundo o qual "durante a execução da convenção colectiva atender se á às circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar"), e invocando, nesse sentido, António Menezes Cordeiro (Convenções Colectivas de Trabalho e Alterações de Circunstâncias, Lisboa, 1995, págs. 103 105). Mas, a meu ver incompreensivelmente, recusa-se a extrair daqui a consequência de que a convenção - e a própria cláusula limitativa da declaração de greve - pode ser modificada ou denunciada com fundamento na alteração das circunstâncias. Vale a pena, a este propósito, recordar o que na obra invocada no acórdão a este propósito se escreve pouco mais à frente (ob. cit., pág. 110): "quando as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato se alterem, ao ponto de a exigência das obrigações assumidas ser gravemente contrária aos princípios da boa fé, a convenção deve ser alterada ou, no limite, pode ser denunciada, visto o disposto no artigo 437º/1 do Código Civil". Trata se, pois, também aqui, de uma mera aplicação do regime geral, mesmo no caso de os empregadores ou as suas associações negarem a ocorrência dessa alteração anormal (pressuposto, evidentemente, que esta tenha existido), o qual pode facultar a denúncia imediata da convenção - e não, evidentemente, a denúncia para o fim do prazo prevista no artigo 558º, n.º 2 -, incluindo a cláusula de paz social, assim afastando qualquer limitação à greve nesta hipótese.
c) Quanto às consequências da greve declarada em violação da cláusula de paz social, o preceito do artigo 606º nada diz. A sanção normal será, pois a responsabilidade da entidade vinculada pela cláusula pelo não cumprimento da convenção: isto é, a responsabilidade dos sindicatos outorgantes nos termos do artigo 562º (assim, aliás, Pedro Romano Martinez, Considerações gerais sobre o Código do Trabalho, pág. 22, cit. no acórdão apenas a propósito de outra norma).
Apesar de assumido como "incontroverso" no acórdão, não pode deixar de discordar se do entendimento de que também os trabalhadores filiados na associação sindical que outorgou a convenção podem ser responsabilizados pelos prejuízos causados pela falta culposa ao cumprimento das obrigações emergentes da convenção, por terem ficado vinculados por esse compromisso. Nada impõe tal conclusão, que resulta, a meu ver, da confusão entre os conteúdos obrigacional e normativo da convenção, e entre esta e o conteúdo dos contratos individuais. Na verdade, a "representação" dos filiados reporta se normalmente, não ao conteúdo obrigacional, mas à aprovação de normas que vão integrar os contratos celebrados por aqueles, pelo que da convenção colectiva emergem obrigações para as respectivas partes, ficando os trabalhadores - que não são partes - vinculados pelo conteúdo normativo da convenção. Assim, quando um trabalhador se afasta dos deveres resultantes, para si, das normas aprovadas na convenção, não está a deixar de cumprir a convenção, mas antes o seu contrato individual de trabalho. Aliás, o artigo 606º, parte final, do CT, apenas prevê "limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes" e não obrigações para os trabalhadores, sendo, ainda, o próprio acórdão a salientar, pouco mais à frente, que é "questionado que a representação dos trabalhadores pelas associações sindicais no âmbito da contratação colectiva seja credencial bastante para se considerar licitamente delegada nessas associações a possibilidade de renúncia".
Também a conclusão de que a violação da cláusula de paz social torna a greve, não só violadora da convenção, mas também ilícita, com efeitos disciplinares para os trabalhadores grevistas, não é inculcada pelo CT, sendo, aliás, perfeitamente possível, ainda que se entendesse o contrário, subordinar a conformidade com a Constituição à ausência de tais consequências.
Por último, também não pode concordar se com a negação de que mesmo os trabalhadores filiados no sindicato outorgante da convenção colectiva em causa podem, sem quaisquer consequência, aderir a uma greve declarada por outro sindicato (ou, nos termos do artigo 592º, n.º 2, do CT, pela assembleia de trabalhadores). Diversamente do que, aumentando drasticamente o alcance e as consequências da cláusula de paz social, se diz no aresto, esse outro sindicato existente