0046 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
mínimo, atinja três fins: compensação do desequilíbrio negocial entre os trabalhadores e os empregadores (modo de realização da igualdade material); especial vinculatividade contra uma eventual ausência de vontade negocial dos empregadores e alternativas negociais desequilibradas (ao nível do contrato individual de trabalho); papel de fonte de Direito do Trabalho, que afasta normas legais não imperativas menos favoráveis para os trabalhadores (no plano infraconstitucional, a consagração do favor laboratoris antecedeu a própria Constituição de 1976, tendo sido concretizada pelo artigo 13.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 49 408, de 21 de Novembro de 1969).
Nesta lógica, que subjaz à Constituição, a resposta ao problema da violação do artigo 112.º, n.º 6, pelas chamadas portarias de extensão ou pelas portarias de regulamentação de condições mínimas não é muito difícil de solucionar. Tais instrumentos administrativos são fontes específicas do Direito do Trabalho, justificadas ainda pelo próprio direito dos trabalhadores à contratação colectiva ou correspondendo a um alargamento do âmbito pessoal das normas emanadas das convenções colectivas de trabalho.
Com efeito, a intervenção do Estado na extensão das normas das convenções colectivas de trabalho, por razões de igualdade, ou na aprovação de condições mínimas, para obviar a uma eventual indisponibilidade negocial, justifica se em nome do próprio direito à contratação colectiva - o qual, constituindo um direito fundamental dos trabalhadores, poderia ser praticamente esvaziado se estes instrumentos não existissem. A credencial constitucional para a especialidade de tais instrumentos regulamentares perante a lei é, como se disse, o próprio artigo 56.º, n.ºs 3 e 4, enquanto consubstancia um direito dos trabalhadores à negociação colectiva.
Se, porém, as convenções colectivas de trabalho passam a ser pura expressão da autonomia privada, mas sem especial vinculatividade (nomeadamente em termos de sobrevigência) nem condicionamento pelo favor laboratoris, então chega se a uma situação em que as portarias de extensão ou de regulamentação de condições mínimas de trabalho alteram a hierarquia das fontes normativas sem que nada o autorize (visto que deixa de ser considerado argumento decisivo para a derrogação do artigo 112.º, n.º 6, o direito dos trabalhadores consagrado no artigo 56.º, n.ºs 3 e 4, da Constituição).
Na realidade, se é logicamente concebível uma especialidade das normas emanadas das convenções colectivas relativamente às leis mais favoráveis, com fundamento na autonomia privada, já não se entende (na perspectiva do Estado Social) por que razão meros regulamentos administrativos podem densificar leis em branco ou afastar leis de conteúdo mais favorável em nome de um alargamento de âmbito pessoal das convenções colectivas de trabalho que os destinatários dos regulamentos não subscreveram e bem assim que a Administração crie regulamentos de condições mínimas sem qualquer fundamento em critérios legais ou que afaste mesmo os critérios legais mais favoráveis ao trabalhador.
A pura lógica de homogeneização de sectores é típica do Estado corporativo, mas não do Estado Social e nem sequer de um modelo liberal (cf., sobre a natureza da intervenção legal, Manuel Correa Carrasco, La negociacion colectiva como fonte del derecho del trabajo, Madrid, 1997, p. 1901 e ss. e p. 217 e ss.). Com efeito, não será paradoxal que, justificada a natureza de fonte normativa das convenções colectivas de trabalho na pura autonomia privada, se venham a conceber instrumentos regulamentares derivados dessas convenções em que os respectivos destinatários não puderam sequer manifestar a sua vontade?
E como justificar os regulamentos de condições mínimas como fonte normativa a partir do artigo 56.º, n.ºs 3 e 4, da Constituição, em que se prevê o direito dos trabalhadores à contratação colectiva? Como justificá los sem os conceber como sucedâneo de uma contratação colectiva especificamente protectora dos trabalhadores e associada ao favor laboratoris? Retirado este conteúdo do direito à contratação colectiva poderá ela condicionar as fontes normativas legais, sobrepondo se a objectivos promocionais de direitos típicos do Estado Social de Direito?
A delimitação do objecto do presente recurso excluiu a questão da constitucionalidade da norma (rectius, da parte da norma) que admite que as convenções colectivas de trabalho prevaleçam sobre outras fontes normativas com regimes mais favoráveis, contra o meu entendimento - visto que propugnei o respectivo conhecimento. Porém, a ponderação de tal questão é decisiva por me parecer inevitavelmente agregada ao pedido do Presidente da República, devido à natureza do problema que coloca, como pressuposto de uma pronúncia pela inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade das portarias de extensão e de condições mínimas de trabalho que também incluam regimes menos favoráveis ao trabalhador do que os legais.
É certo que ainda se poderia admitir (embora eu não concorde com tal opinião) que as convenções colectivas de trabalho contivessem regimes menos favoráveis, afirmando que os trabalhadores, titulares do direito de contratação colectiva, assim o quiseram em defesa dos seus interesses - mas esquecendo que, numa perspectiva de anterioridade em relação à negociação colectiva, a admissibilidade desses regimes menos favoráveis descaracteriza o referido direito, parificando a posição de trabalhadores e empregadores como se, tendencialmente, a lei não atribuísse quaisquer direitos aos primeiros.
Ainda assim, o que será sempre incompreensível é admitir que regulamentos administrativos contemplem regimes menos favoráveis aos trabalhadores do que os legais (note se que o princípio do primado da fonte normativa mais favorável subsiste no Direito espanhol, no artigo 3.º, n.º 3, do Estatuto de los Trabajadores - cf., sobre a questão, Manuel Alonso Olea, Derecho del Trabajo, 19.ª ed., Madrid, 2001, pp. 923 4), por duas razões decisivas: ao aprovar esses regimes, o Estado está a negar direitos que ele próprio consagrou legalmente, pondo em causa o princípio da confiança e a sua missão promocional de direitos (cf. Michel Despax, Négociations, conventions et accords collectifs, 2.ª ed., Paris, 1989, p. 513 e ss., e Wolfgang Däubler, Das Arbeitsrecht, 1, 15.ª ed., Hamburg, p. 268 e ss., que referem as funções protectivas de direitos destes instrumentos); por outro lado, o argumento de que os trabalhadores dispuseram dos seus próprios interesses já não vale, mesmo que entendido em sentido formal.
Numa outra perspectiva, se se concluir pela inadmissibilidade de as convenções colectivas de trabalho incluírem regimes menos favoráveis, então será forçoso concluir igualmente, e até por maioria de razão, pela inadmissibilidade de os regulamentos administrativos preverem regimes menos favoráveis ao trabalhador.
Ora, a meu ver, as convenções colectivas de trabalho só valem como fontes normativas especiais relativamente