0043 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
na empresa (ou a assembleia de trabalhadores, nos casos previstos no citado artigo) podem perfeitamente declarar uma greve motivada por matérias relativas ao conteúdo da convenção de que não são partes, logo se vendo, aliás, que são apenas estes motivos relativos ao conteúdo convencional que estão em causa, e não "o específico motivo de obter a alteração ou o cumprimento de uma convenção" de que se não é parte (embora, mesmo quanto a estes, possam existir "greves de solidariedade").
d) Em meu entender, o Tribunal podia e devia, pois, ter interpretado o artigo 606º, parte final, do CT no sentido de este se referir às greves que visem alterar o conteúdo da convenção durante o seu prazo de vigência, não se vislumbrando justificação para o ter deixado de fazer.
Entendo que, com este âmbito, o "dever de paz social" é inequivocamente constitucional, correspondendo ao que esteve já previsto na Lei da Greve de 1974 (artigo 5º do Decreto-Lei n.º 392/74, de 27 de Agosto, segundo o qual era "ilícita a greve que tenha como objectivo a modificação de contratos e acordos colectivos de trabalho, antes de expirado o seu prazo de vigência"), e à posição largamente maioritária nas ordens jurídicas que nos são mais próximas. Nestas, o que se discute hoje é se esse dever é um elemento natural da convenção colectiva, como exigência decorrente do princípio pacta sunt servanda e da boa fé, ou se apenas existe quando estiver previsto em cláusula adrede. Mesmo quanto a esta alternativa, porém, a posição dominante em várias ordens jurídicas é hoje também a de que, pondo fim ou prevenindo uma luta laboral, do próprio "sentido da convenção colectiva como 'contrato de paz' resulta para as partes na convenção um dever de paz, mesmo que este não tenha sido expressamente convencionado na convenção" - assim Brox/Rüthers, Arbeitsrecht, cit., pág. 192; entre nós, veja-se, por exemplo, António Menezes Cordeiro, Manual de direito do trabalho, reimpressão, Coimbra, 1997, pág. 401 (a "obrigação de paz relativa constitui o complemento necessário da própria jurisdicidade das convenções colectivas"); já António Monteiro Fernandes, Direito do trabalho, cit., págs. 709 e seg., admite a consagração de um "dever relativo de trégua" no plano propriamente convencional, e não enquanto imposição legal; admitindo os "pactos de paz" no direito espanhol, veja-se Manuel Alonso Olea/Maria Emília Casas Baamonde, Derecho del trabajo, 16ª ed., Madrid; e, referindo que um "certo debate sobre a possibilidade das cláusulas de paz sindical" ocorreu em Itália nos anos 60, veja-se, para o direito italiano, Giuseppe Pera, Compendio di diritto del lavoro, 5ª ed., Milano, 2000, págs. 70 e 83.
Mesmo, aliás, que se entendesse que o direito à greve não é compatível, sequer, com uma obrigação, de meios, a cargo dos sindicatos de evitar a greve para alterar o conteúdo da convenção, e com as consequências resultantes do não cumprimento desta, julgo que se não deveria ter "descartado", ainda assim, a possibilidade de interpretar a norma em causa "em conformidade com a Constituição", no sentido de permitir apenas, como consequência desse não cumprimento, a perda de direitos ou de contrapartidas concedidas pela própria convenção, ou, em alternativa, a cessação imediata de vigência da convenção por denúncia das associações sindicais, tendo como fundamento o exercício do direito de greve. A justificação adiantada para considerar esta última interpretação como pouco razoável, por conduzir à destruição da paz social em muito maior medida ("não só não se evita a greve como, para a tornar possível, se destrói a contratação colectiva") baseia-se numa evidente petição de princípio: dá como assente que a cláusula de paz social convencionada já deixou de ser cumprida (ou, pior, que não é para cumprir), e não considera que ela pode, mesmo só naqueles termos, ter um importante efeito pacificador e preventivo.
O artigo 606º, parte final, do CT, não merecia, pois, a interpretação "inconstitucionalizadora" que a maioria do Tribunal preferiu fazer. Entendo, antes, que aquela norma era susceptível de ser interpretada em conformidade com a Constituição, pelo que não me teria pronunciado pela sua inconstitucionalidade.
Paulo Mota Pinto
Declaração de voto
1. Votei vencido, em parte, quanto à alínea b) da decisão do presente acórdão, de que esta declaração faz parte integrante, já que, na minha perspectiva, a norma constante do segundo segmento do n.° 2 do artigo 17.° do Código de Trabalho, aprovado pelo Decreto da Assembleia da República n° 51/IX, na medida em que permite o acesso directo do empregador a informações sobre a saúde e o estado de gravidez, só viola o princípio da proibição do excesso nas restrições à reserva da intimidade da vida privada quando essas informações se reportem ao trabalhador.
Na verdade, se a aludida norma não enfermasse de tal vício, seria lícito o acesso directo do empregador a tais informações e, consequentemente, caso o mesmo as solicitasse directamente ao trabalhador, este, se se recusasse a fornecê las, incorreria eventualmente em infracção disciplinar o que, eventualmente, poderia ter acentuadas repercussões na relação de emprego que já existia entre a entidade patronal e o trabalhador.
Ora, esta hipotética consequência, a meu ver, seria desproporcionada e excessiva no balanceamento entre a estrita e relevante necessidade da entidade empregadora para a avaliação da aptidão do trabalhador no que respeita à execução do contrato de trabalho, e a reserva da intimidade da vida privada deste último.
Já pelo que toca ao candidato a emprego, na minha óptica, uma tal patente desproporção se não depara.
É que, de um lado, é aceitável que a entidade empregadora, atenta a estrita e relevante necessidade de aptidão para o desempenho de determinado posto de trabalho, possa saber se o candidato reúne as cabidas características para tanto, estando em causa, como está, por um lado, uma mera prospecção sobre alguém que possa vir a desempenhar um tal cargo e, por outro, as relevantes necessidades da empresa.
Se o candidato entender que a resposta aos pedidos de informação do (eventual) empregador ofendem a sua intimidade, poderá recusar se a fornecê-las ou contrapor que somente as fornecerá a um médico que, vinculado que está ao segredo profissional, transmitirá ao empregador tão só informação sobre se aquele candidato está, ou não, apto a desempenhar o posto de trabalho a que se candidatou. Com essa recusa ou contraposição, o candidato não incorrerá em qualquer ilícito e, por conseguinte, não se me afigura que haja, no segmento normativo em apreço e na medida em que o preceito é agora apreciado, um excesso ou uma desproporcionalidade censurável.
2. Votei igualmente vencido quanto ao decidido sob as alíneas g) e h), o que faço pelo essencial das razões