0035 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
quanto à paz social, ela é destruída, sim, durante a vigência da convenção colectiva, mas apenas pelo exercício da greve.
Por último, importa referir que a responsabilidade dos sindicatos e dos trabalhadores filiados por uma greve decretada ao arrepio das cláusulas de paz social, desde que ilicitamente violadas, não é mais do que uma exigência postulada pelo incumprimento de tais obrigações livremente assumidas dentro da autonomia colectiva.
e) Quanto à alínea l) da decisão:
O Acórdão considerou inconstitucionais as alíneas b) e c) do artigo 15.° do Decreto da Assembleia da República n.° 51/IX "por violação do direito à contratação colectiva, uma vez que delas resulta, por imposição estranha à vontade dos contratantes, a cessação dos efeitos de convenções em vigor, em cuja persistência continuavam interessados os respectivos outorgantes, colocando os trabalhadores filiados na associação sindical subscritora da anterior convenção na situação de terem de aderir a convenção subscrita por sindicato concorrente. Tal representa uma inconstitucional expropriação do direito de contratação colectiva dos sindicatos "minoritários", sendo que esse direito é constitucionalmente garantido a todos os sindicatos".
Esta posição do acórdão só se compreende à luz do entendimento de uma completa fusão (e confusão) entre o direito à contratação colectiva, a sua titularidade e a convenção colectiva que resulta dela. Ora, uma coisa é o reconhecimento da competência constitucional dos sindicatos para exercer o direito de negociação colectiva, aspecto este que, sim, constitui um direito deles exercido em representação dos trabalhadores, que são os seus verdadeiros titulares, outra coisa diferente é a convenção colectiva que daquela emerge.
Na verdade, enquanto instrumento de regulação colectiva, com natureza normativa (cf. José Barros Moura, obra citada, pág. 80 e seguintes), a convenção não deixa de se autonomizar em relação a quem foi efectivamente sua parte contratante, ficando a ser direito substantivo de regulação colectiva respeitante a todos os trabalhadores e empregadores objectivamente (na acepção de categoria profissional) por ela abrangidos.
E tanto assim é, por um lado, que ela não caduca pelo simples facto de, por exemplo, terem deixado de pertencer (por desfiliação, aposentação ou morte) aos sindicatos que a negociaram todos os trabalhadores que nele estavam filiados aquando dessa contratação e, por outro, que ela não deixa de aplicar se quer aos trabalhadores que, embora já detivessem essa qualidade, apenas se filiaram mais tarde nesse sindicato, quer aos trabalhadores que só mais tarde adquiriram essa qualidade e se filiaram, quer, finalmente, até aos trabalhadores não filiados.
O direito de representação das associações sindicais, relativamente aos trabalhadores, para a promoção e defesa dos seus direitos, nos termos do artigo 56.°, n.° 1, da CRP, não tem a natureza de procuração plural mas de um "mandato de categoria" colectivo ou de representação quer dos trabalhadores filiados quer dos não filiados, mas pertencentes à categoria abrangida pelo sindicato.
Como dizem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, pág. 306), "... é igualmente óbvio que, ao promoverem os interesses dos seus associados, as vantagens respectivas podem abranger todos os trabalhadores da mesma categoria, e não apenas os sindicalizados, dando se por isso uma promoção imediata dos direitos e interesses de todos os trabalhadores pertencentes à categoria abrangida pelo sindicato, mesmo que não estejam sindicalizados".
Vistas assim as coisas, é por demais razoável que a lei possa determinar, em certas circunstâncias, a caducidade das convenções. O artigo 56.°, n.° 4, da CRP constitui credencial bastante para que a lei possa prescrever esse efeito na medida em que o mesmo acaba por respeitar à eficácia das normas das convenções.
O que se exige, mesmo para quem entenda que o direito de contratação colectiva tem a natureza de um direito fundamental dos trabalhadores, enquadrado nos direitos, liberdades e garantias fundamentais, como tem sido a jurisprudência maioritária deste Tribunal (cf. Acórdãos n.ºs 966/96 e 517/98, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 34.°, pág. 431 e seguintes, e vol. 40.°, pág. 573 e seguintes), é que se respeite o núcleo essencial desse direito de contratação colectiva do qual elas resultam, não tendo o mesmo a natureza de um direito fundamental dos sindicatos, pois estes apenas têm, quanto a este objecto material, competência representativa, incumbindo lhes "defender e promover a defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores" (artigo 56.°, n.° 1, da CRP).
A questão que, aqui, se colocaria era, pois, tão só a de saber se tal restrição obedeceria às exigências do artigo 18.°, n.ºs 2 e 3, da CRP, mormente no que respeita ao princípio da proporcionalidade.
E, postas as coisas neste pé, entendemos que sim. E por várias razões.
Em primeiro lugar, porque estamos perante uma solução de direito transitório que visa responder a décadas de inexistência da possibilidade de opção.
Depois, porque a caducidade das convenções, nos casos previstos na lei, advém do exercício de um outro direito fundamental dos trabalhadores, qual seja o da sua liberdade sindical - liberdade dos trabalhadores de se sindicalizar ou não e de aderir ou não (possibilidade que o acórdão não afastou) às convenções colectivas celebradas pelos sindicatos em que não estão filiados - que decorre do artigo 55.°, n.° 2, alínea b), da CRP.
Depois, porque a adesão dos trabalhadores que poderá levar à caducidade de certa convenção colectiva tem por objecto precisamente o produto da contratação colectiva traduzido numa convenção em cujo conteúdo vêem a melhor defesa dos seus direitos e interesses. Nesta dimensão da melhor defesa dos seus interesses se pode encontrar a razão (de justa medida) de colocar "os trabalhadores filiados na associação sindical subscritora da anterior convenção na situação de terem de aderir a convenção subscrita por sindicato concorrente".
Depois, ainda, porque a possibilidade de adesão dos trabalhadores à convenção colectiva que entendem defender melhor os seus interesses e a caducidade das que não merecem o seu mesmo juízo, revelado pela não adesão, acaba por favorecer a construção da unidade dos trabalhadores na melhor defesa dos seus direitos e interesses, sendo que esta unidade para a defesa dos seus direitos e interesses é um dos objectivos pelos quais o artigo 55.°, n.° 1, da CRP reconhece aos trabalhadores a liberdade sindical.
Depois, ainda, porque a caducidade é, também, uma solução que encontra apoio no princípio democrático, estruturante do nosso sistema constitucional (artigo 2.° da CRP), da predominância da regra da maioria sobre as minorias.