0031 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
Sendo assim, a problemática da sua compatibilidade com o direito constitucional à reserva da intimidade da vida privada, em cujo domínio insofismavelmente se inserem os dados relativos à saúde e ao estado de gravidez, nunca poderia deixar de ser equacionada, de acordo com os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade impostos pelo artigo 18.°, n.° 2, da Constituição da República Portuguesa (doravante designada apenas por CRP), sem que se levasse em linha de conta, por um lado, os direitos do trabalhador e de terceiros, cuja salvaguarda constitucional igualmente se impõe, como o direito à vida ou à integridade física do próprio candidato a emprego ou trabalhador ou de terceiros (artigos 24.° e 25.° da CRP) e o direito à saúde das mesmas pessoas (artigos 59.°, n.º 1, alínea c), e n.º 2, alínea c), e 64.°, n.° 1, da CRP), e, por outro, o acesso a tais dados mediante, apenas, a intervenção de um médico.
A intervenção do médico em tais casos de restrição do direito fundamental de reserva à intimidade da vida privada, consubstanciados na exigência de realização ou de apresentação de testes ou de exames médicos, corresponde a uma evidente exigência imposta pelo princípio da proporcionalidade, consagrado no artigo 18.°, n.° 2, da CRP, na acepção da justa medida, porquanto só ele tem idoneidade deontológica e capacidade técnica específica (relevando-se naquela, essencialmente, o dever de sigilo profissional, quanto à identificação e explicitação daqueles dados, a que se encontra obrigado) para aferir da necessidade, adequação e grau de intromissão na vida privada relativa à saúde que há que atingir para salvaguardar direitos do próprio candidato a emprego, trabalhador ou de terceiros.
Foi, aliás, esta a perspectiva com que essa questão foi analisada no Acórdão deste Tribunal n.° 368/02, publicado no Diário da República, 2.ª série, de 25 de Outubro de 2002 - a cujo juízo aqui inteiramente se adere -, a propósito dos artigos 13.°, 16.° (excepcionados os seus n.ºs 2, alínea a), e 6, cuja inconstitucionalidade não se conheceu), 17.° (excepcionado o seu n.° 2, cuja inconformidade constitucional não foi conhecida), 18.° e 19.° do Decreto Lei n.° 26/94, de l de Fevereiro, com as alterações introduzidas pela Lei n.° 7/95 (relativo ao regime de organização e funcionamento das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho).
Cabe aqui anotar, de resto, que o artigo 19.° do Código do Trabalho não faz mais, relativamente à matéria nele regulada, do que adoptar a doutrina de tal Acórdão.
Ora, a situação regulada no segunda parte do n.° 2 do artigo 17.° do Código do Trabalho é diferente, porque não está em causa a exigência ao candidato ao emprego ou ao trabalhador da realização ou apresentação de testes ou exames médicos de qualquer natureza para comprovação das condições físicas ou psíquicas. Esse poderá ser, eventualmente, um momento posterior, aplicando-se, então, o artigo 19.°.
O Acórdão concluiu, no que concordamos, pela "não inconstitucionalidade da exigência de prestação de informações relativas à saúde ou estado de gravidez do candidato ao emprego ou do trabalhador, quando particulares exigências inerentes à actividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação".
Entendeu, todavia, que o acesso directo por parte do empregador às informações relativas à saúde ou estado de gravidez violavam aquele direito fundamental de reserva à intimidade da vida privada, ao fim e ao cabo, por entender também aqui aplicável o grau de justa medida exigível para a sujeição a exames ou testes médicos. É nisso que estamos em absoluto desacordo.
Para a tese que fez maioria, o princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de proibição do excesso ou de justa medida, actua neste domínio, segundo, sempre, o mesmo grau de intensidade ou força constrangente, não desfrutando o legislador de qualquer discricionariedade normativa de ponderação, não obstante serem diferentes os bens materiais constitucionalmente protegidos.
Ora, o que é certo é que, por natureza, a extensão jurídica da justa medida não pode deixar de variar em função do tipo e grau de afectação que é feita ao conteúdo não essencial do direito fundamental à reserva de intimidade da vida privada que tenha de ser restringida para que seja possível realizar uma harmonização com o conteúdo de outros direitos fundamentais ou interesses legalmente protegidos, bem como do grau de realização que estes outros direitos fundamentais hão de atingir, por via da descompressão resultante do estabelecimento de restrições ao outro direito, mas de tal modo a que não saia também afectado o núcleo essencial destes outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. A proporcionalidade ou justa medida é, assim, um conceito racional e relacionalmente bi unívoco. Por outro lado, é também, constitucionalmente, na senda do que se disse, um conceito de limites relativos.
Ora, nas hipóteses reguladas no artigo 17.°, n.° 2, estamos perante situações em que o que se pede ao candidato ao emprego ou trabalhador é tão só que preste as informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez cujo conhecimento imediato por parte do empregador esteja justificado por particulares exigências inerentes à actividade profissional a ser exercida e sobre cuja existência seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação.
Estão em causa informações que são absolutamente necessárias para aferir da aptidão, sob o ponto de vista da saúde, do candidato a emprego ou do trabalhador para exercer ou manter a actividade profissional sem risco de saúde ou de segurança do próprio trabalhador ou de terceiros.
Por outro lado, trata se de dados de saúde de que o trabalhador tem conhecimento.
Sendo assim, não se torna necessária, ao invés do que se passa no artigo 19.°, a intermediação de qualquer médico, para que esses dados possam tecnicamente ser conhecidos e valorados.
Acresce - o que não deixa de ser decisivo, igualmente, para efeitos de aferição da obediência ao princípio da proporcionalidade na sua dimensão de proibição do excesso - que o candidato ao emprego e o trabalhador têm a possibilidade de controlar a legalidade da exigência de prestação de tais informações, recorrendo, inclusivamente, a juízo, ou até recusar se a prestá las quando ilicitamente pedidas, e que o empregador tem de lhes fornecer fundamentação escrita na qual justifique em que medida é que ocorrem, em concreto, essas particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional que obrigam à prestação de informações.
A prestação dessas informações relativas à saúde e ao estado de gravidez, desde que se verifiquem essas