0028 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
nova causa de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador criada pelo artigo 438.º, n.º 2, do Código do Trabalho, o que significa um claro e inconstitucional retrocesso a nível da protecção legal do direito da segurança no emprego, retrocesso que a presente decisão do Tribunal Constitucional coonesta.
Que se trata de uma nova causa de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do empregador surge como constatação indesmentível. Na verdade, a declaração judicial da ilicitude do despedimento implica, como consequência jurídica necessária, que tudo se passa como se a relação laboral nunca tivesse sido interrompida (nesta perspectiva, o termo "reintegração", como efeito daquela declaração, pode ser enganador, já que não se trata, em rigor, de uma alteração da situação jurídica para o futuro, mas tão só da invalidação ex tunc de alteração ilícita ocorrida no passado). Assim sendo, a cessação do contrato de trabalho tem na sua origem a iniciativa do empregador de se opor à reintegração. Iniciativa esta que, como não podia deixar de ser, sempre que ocorra contestação do trabalhador, terá de ser apreciada, quanto à sua base legal, pelo tribunal. Mas esta intervenção do tribunal não afecta a evidência de que a iniciativa da cessação do contrato de trabalho partiu do empregador. E que, contrariamente a todos os casos até agora admitidos, não tem como fundamento uma situação de impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho, mas tão só a alegação da inconveniência económica do regresso do trabalhador ilicitamente despedido. Trata se, incontroversamente, da funcionalização da garantia da segurança do emprego aos interesses da entidade patronal, ou da transfiguração ou desvirtuamento do instituto da proibição dos despedimentos sem justa causa com base em mera conveniência da empresa, que este Tribunal, nos Acórdãos n.ºs 107/88, 581/95 e 64/91, tinha frontalmente postergado, mas que agora considera constitucionalmente tolerável.
Que a situação que agora surge como justificadora do afastamento da empresa do trabalhador vítima de despedimento ilícito ("grave prejuízo e perturbação para a prossecução da actividade empresarial") não é, em si mesma, praticamente inviabilizadora da manutenção da relação laboral resulta da circunstância de ela só justificar a oposição do empregador à reintegração se se tratar de microempresa ou de trabalhador que ocupe cargo de administração ou de direcção. Com efeito, se aqueles prejuízo e perturbação implicassem necessariamente a inexigibilidade da subsistência da relação laboral, eles deveriam operar mesmo que a empresa tivesse mais de 10 trabalhadores e que o trabalhador não desempenhasse funções de administração ou de direcção.
Com isto entramos numa segunda linha de defesa da constitucionalidade da solução questionada: a de estarem em causa relações familiares ou quase familiares ou lugares de especial confiança.
Desde logo, o "ambiente familiar" que por vezes se invoca como conatural às microempresas nada tem a ver com a "família" como instituição constitucionalmente protegida e cuja intimidade se visou proteger com a não imposição da reintegração no caso do contrato de serviço doméstico. Depois, mesmo que se entendesse que a reintegração poderia não ser imposta também nas empresas de natureza familiar ou quase familiar, cujos elementos estão ligados por laços de parentesco ou de afinidade, seguramente que nessa categoria não cabem todas, nem sequer a grande maioria, das microempresas. Recorde se que este regime especial de não reintegração foi inicialmente proposto, no Anteprojecto, para as pequenas e microempresas, que representavam 95,52% das empresas e 51,29% dos trabalhadores. Face à enormidade da extensão desta previsão, a redacção final do Código restringiu o âmbito de aplicação deste regime às microempresas, que, mesmo assim, representam 81,11% das empresas e 29,24% dos trabalhadores. Ninguém sustentará que têm estrutura familiar ou quase familiar mais de 80% das empresas, empregando cerca de 30% dos trabalhadores.
Quanto aos trabalhadores que exerçam cargos de administração e de direcção, tem se invocado, em defesa da tese da constitucionalidade, a admissibilidade do exercício dessas funções em regime de comissão de serviço, resolúvel por livre iniciativa de qualquer das partes. Porém, há que salientar, desde logo, que não há coincidência entre as suas previsões: só os cargos de direcção directamente dependentes da Administração é que actualmente podem (artigo 1.º, n.º 1, do Decreto Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro) e no futuro poderão (artigo 244.º do Código do Trabalho) ser exercidos em comissão de serviço, e não todos os cargos de direcção. Depois, dir se á que nada justifica que o empregador, que, podendo fazê lo, não preencheu os cargos de administração e de direcção directamente dependentes da Administração em regime de comissão de serviço, mas antes segundo o regime comum do contrato de trabalho subordinado, não deixe de estar vinculado a todos os aspectos deste regime comum, por ele aceite, designadamente quanto ao dever de reintegração dos trabalhadores ilicitamente despedidos. Por último, permita se que remeta para as declarações de voto dos Ex.mos Conselheiros Armindo Ribeiro Mendes e Antero Monteiro Diniz, apostas ao Acórdão n.º 64/91, onde proficientemente se evidencia que os trabalhadores dirigentes são trabalhadores por conta de outrem subordinados aos poderes de direcção e disciplinar da entidade patronal, não sendo meros prestadores de serviços ou profissionais liberais nem partes de um qualquer nebuloso contrato misto, pelo que nada justifica que quanto a eles não funcione plenamente a garantia do artigo 53.º da Constituição.
É, assim, constitucionalmente intolerável que, declarada judicialmente a ilicitude do despedimento e não ocorrendo causa superveniente que torne praticamente impossível a subsistência da relação laboral, se permita o afastamento da consequência natural daquela declaração judicial: a reintegração do trabalhador. O trabalhador foi ilicitamente despedido, cumpre (e nada indicia que deixará de cumprir) os seus deveres elencados no artigo 121.º do Código do Trabalho, designadamente os deveres de urbanidade, respeito, assiduidade, pontualidade, zelo, diligência, obediência, lealdade, e defesa e promoção dos interesses da empresa, e, mesmo assim, vê ser lhe negado o direito (vital) ao trabalho, por invocação de um motivo cuja verificação escapa ao seu controlo.
A possibilidade de eventual crispação das relações na sequência da reintegração não constitui motivo justificativo do novo afastamento do trabalhador, até porque outras situações existirão de crispação e de conflitualidade, conaturais a relações em que os interesses das partes se contrapõem, sem que daí se faça derivar a privação do emprego para o trabalhador, mesmo quando esses conflitos levam à condenação do empregador pela prática de crimes ou de contra ordenações laborais (cf. artigos 608.º a 689.º do Código).