0029 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
Os defensores da tese da constitucionalidade deste novo regime insistem nas garantias acrescidas que resultariam da previsão da intervenção do tribunal prevista no n.º 3 e das restrições consagradas no n.º 4 do artigo 438.º. Mas tais garantias não têm o alcance que à primeira vista aparentam ostentar.
Na verdade, só pode vislumbrar no n.º 3 do artigo 438.º um acréscimo de garantias quem considerasse admissível - o que se antolha de todo em todo intolerável - que, num Estado de direito, a oposição do empregador à reintegração do trabalhador, por este contestada, pudesse operar por si mesma sem que coubesse a um tribunal a apreciação da legalidade do fundamento invocado para aquela oposição. Expliquemo nos: declarada judicialmente a ilicitude do despedimento, com a natural condenação do empregador na reintegração do trabalhador, surge o empregador a opor se à reintegração, alegando que ela seria gravemente prejudicial e perturbadora para a prossecução da actividade empresarial. Ouvido o trabalhador, por óbvia imposição dos princípios do contraditório e do direito a um processo equitativo, constitucionalmente consagrados, de duas uma: ou o trabalhador concorda com o empregador e nesse caso o tribunal condena o empregador na indemnização prevista no n.º 4 do artigo 439.º; ou o trabalhador opõe se à não reintegração, quer contestando que o seu regresso tenha aqueles efeitos prejudiciais, quer alegando que o despedimento teve motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos ou que a fundamento justificativo da oposição à reintegração foi culposamente criado pelo empregador. Perante este litígio, não se descortina que outra solução fosse admissível, perante os princípios constitucionais do acesso aos tribunais e da reserva do juiz, senão a de atribuir ao tribunal a apreciação do fundamento invocado pelo empregador. Isto é: se não existisse o n.º 3 do artigo 438.º do Código do Trabalho, tudo se passaria (por directa aplicação dos mais elementares princípios constitucionais em matéria processual) exactamente da mesma forma como se irá passar existindo tal preceito, o que revela a sua completa inanidade.
Por outro lado, a estrutura dos n.ºs 2 e 4 do artigo 438.º claramente aponta para que o facto constitutivo do direito do empregador a opor se à reintegração consiste tão só na previsão de prejuízo e perturbação da actividade empresarial, surgindo os factos previstos no n.º 4 (motivação do despedimento e culpa do empregador na criação daquela situação de perturbação) como factos impeditivos desse direito, o que implicará que o ónus da respectiva prova recaia sobre o trabalhador. Assim, uma situação de non liquet quanto à existência de culpa do empregador será resolvida em desfavor do trabalhador, o que atenua o alcance que esta pretensa garantia, introduzida na votação na especialidade, poderia, à primeira vista, representar.
Finalmente, é particularmente chocante que não se tenha expressamente previsto, entre as situações que excluem o direito de oposição à reintegração, as do despedimento de trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes (que teria sido expressamente previsto em compromisso tripartido apresentado à Comissão Permanente de Concertação Social) (cf. Maria do Rosário Palma Ramalho, Estudos de Direito do Trabalho, volume I, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 65), ou do despedimento de representantes dos trabalhadores, ou de despedimentos abusivos, isto é, que surgem, em geral, como retaliação pela reclamação legítima contra as condições de trabalho ou pelo exercício ou pretensão de exercício de direitos legítimos por parte dos trabalhadores (cf. artigo 374.º).
Argumenta se ainda que, em compensação da não reintegração, se aumenta substancialmente o valor da indemnização de antiguidade. Acontece, porém, que enquanto o actual artigo 13.º, n.º 3, da LCCT manda arbitrar uma indemnização correspondente a um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo ser inferior a três meses, o Código do Trabalho manda calcular a indemnização "normal" entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades, por cada ano completo ou fracção de antiguidade, e a indemnização "agravada", no caso de ser julgada procedente a oposição à reintegração, entre 30 e 60 dias, nos mesmos termos, não podendo ser inferior a seis meses de retribuição base e diuturnidades (artigo 439.º, n.ºs 1 e 4). O que significa que um trabalhador com seis anos de antiguidade, cujo despedimento foi judicialmente declarado ilícito e que, contra sua vontade, não foi reintegrado, receberá uma indemnização correspondente a seis meses apenas da "retribuição base" e das "diuturnidades", tal como definidas no n.º 2 do artigo 250.º do Código do Trabalho, com exclusão de todas as demais prestações, mesmo que regulares e periódicas, feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie, que, com frequência, atingem valores superiores ao da própria remuneração base. Tratar se á, nesses casos, de um preço barato para o empregador se "desembaraçar" de trabalhadores "incómodos", mesmo após o reconhecimento judicial da inexistência de justa causa para o despedimento.
Não posso deixar de considerar que esta "monetarização" do despedimento como alternativa à reintegração é incompatível com a garantia constitucional da segurança do emprego, com proibição dos despedimentos sem justa causa.
Sendo a solução substancialmente inconstitucional, não é a intervenção do tribunal que a transforma em constitucionalmente admissível: uma violação da Constituição não deixa de ser uma violação da Constituição por ser autorizada por um juiz.
3. Quanto à decisão da alínea i):
A Constituição, no n.º 3 do seu artigo 56.º, não se limita a reconhecer às associações sindicais o exercício do direito de contratação colectiva, como incumbe a lei (ordinária) de o garantir. Em consonância com esta incumbência, o artigo 539.º do Código do Trabalho proclama que "o Estado deve promover a contratação colectiva, de modo que os regimes previstos em convenções colectivas sejam aplicáveis ao maior número de trabalhadores e empregadores". Entendo que o regime que resulta dos n.ºs 2, 3 e 4 do artigo 557.º do Código do Trabalho nem respeita aquela incumbência nem se coaduna com esta proclamação.
Subscrevo, sem hesitações, os argumentos que no texto do acórdão são referenciados como defendidos pelos que concluem pela inconstitucionalidade das normas ora questionadas.
Por um lado, a imposição da caducidade da convenção representa uma ingerência estadual na autonomia colectiva em domínios em que o legislador ordinário, de acordo com o alcance constitucional do direito à contratação colectiva, reconhecera a legitimidade desta contratação, ingerência essa traduzida na expulsão do sistema jurídico de produtos negociais reconhecidos como fontes de direito, só porque os sujeitos interessados não os alteraram ou substituíram, isto é, uma caducidade imposta pelo legislador quando no sentido da cessação de efeitos da convenção não se manifesta nenhuma vontade colectiva comum.