0034 | II Série A - Número 110S | 04 de Julho de 2003
o princípio da separação e interdependência dos poderes, a solicitar a demarcação precisa ou determinabilidade das decisões derivadas do exercício das respectivas competências constitucionais (artigo 111.° da CRP).
O artigo 606.° do Código do Trabalho foi considerado inconstitucional por violação do n.° 1 do artigo 57.° da CRP "enquanto permite a assunção de limitações, por parte dos sindicatos outorgantes de convenção colectiva, à declaração de greve durante a vigência da convenção e por motivos relacionados com o conteúdo desta, incluindo se nesses motivos a reacção contra alegado incumprimento da convenção por parte das associações patronais ou dos empregadores ou a reivindicação de modificação do clausulado por invocada alteração anormal das circunstâncias, e sendo considerada ilícita a greve declarada com desrespeito pela referida limitação".
Temos assim - e foi esse exactamente o sentido com que a norma foi contrastada com a Constituição - que a segunda parte do referido artigo 606.° só foi julgada inconstitucional quando interpretado no sentido de fazerem parte dos motivos relacionados com o conteúdo da convenção em que os sindicatos outorgantes tenham assumido limitações à declaração de greve, durante a sua vigência, o incumprimento da convenção por parte das associações patronais ou dos empregadores ou a reivindicação de modificação do clausulado por invocada alteração anormal das circunstâncias e aquela declaração de greve ser considerada ilícita.
Ora também aqui estamos perante a "idealização" de um sentido normativo que não corresponde ao resultado normal da interpretação da norma, a determinar segundo o pertinente método hermenêutico.
A assunção de limitações à declaração de greve por parte das associações sindicais tem o seu fundamento constitucional no princípio da boa fé que deve presidir à negociação colectiva.
Estamos perante um princípio geral de direito que constitui uma emanação directa do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo 2.° da CRP e que foi também assumido, nesta sua dimensão, pelo Código do Trabalho, quer na negociação colectiva (artigo 547.°), quer na execução das convenções (artigo 561.°), quer, finalmente, na actuação das partes durante os conflitos (artigo 582.°).
Deste modo não será razoável admitir-se como estando incluído nos motivos abarcados pela limitação à declaração de greve prevista no preceito o incumprimento da própria convenção colectiva por parte das associações patronais e dos empregadores.
Trata se de uma posição interpretativa que vai, aliás, contra o mais elementar princípio geral da boa fé a que as partes estão obrigadas no cumprimento das obrigações colectivas que decorre daquele preceito constitucional e dos citados preceitos do Código do Trabalho e que corresponde, também, ao que é afirmado, como sua densificação, no direito civil, no artigo 762.° do Código Civil.
Tratando se de uma convenção bilateral, conquanto colectiva, não se vêem quaisquer razões para não se admitir como efeito próprio da mesma, no caso de incumprimento por uma das partes, a exceptio non adimpleti contractus, tal como acontece no direito civil (artigo 428.° do Código Civil), dado esta ter a natureza de um princípio geral fundado precisamente na boa fé posta no recíproco cumprimento e, decorrentemente, com a consequência necessária de a greve então decretada nunca poder ser tida como ilícita.
E o mesmo se diga quanto à inclusão nesse sentido interpretativo assumido pela maioria que fez vencimento da alteração anormal das circunstâncias. Na verdade, é o próprio Código do Trabalho a prever expressamente, no seu artigo 561.°, que "durante a execução da convenção colectiva atender se á às circunstâncias em que as partes fundamentaram a decisão de contratar". Donde só se pode concluir que o preceito do artigo 606.° nunca poderia abranger "nos motivos relacionados com o conteúdo dessa convenção", em que a declaração de greve deveria ser tida por ilícita por constituir uma violação das limitações assumidas na convenção e para durar pelo tempo da sua vigência, a alteração anormal das circunstâncias.
A admissibilidade da assunção de limitações à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes da mesma convenção e por motivos relacionados com esta, excluídas as referidas hipóteses, deve, deste modo, considerar-se, até, inclusivamente, como uma obrigação fundada no princípio geral da boa fé, com consagração constitucional e na lei infra-constitucional. E não se diga que está proibida aos sindicatos a assunção da obrigação da não declaração de greve, por o direito de greve ser da titularidade dos trabalhadores, a negociação colectiva o não abranger como seu objecto e se tratar, na expressão de J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição revista, pág. 312), de "um direito não sujeito a lei restritiva".
Em primeiro lugar, há que ter em conta que os sindicatos outorgantes da convenção apenas assumem a obrigação de não declarar a greve. O que é objecto da sua vinculação é tão só o aspecto relativo ao direito de greve para o exercício do qual detêm competência, de par com outras organizações dos trabalhadores: - a declaração de greve.
Depois, porque os sindicatos não estão a dispor definitivamente do direito de greve, pois, para além dos casos em que a declaração de greve sempre será lícita, à luz da própria convenção, a que nos já referimos, os trabalhadores sempre poderão decretar a greve através de outras organizações suas ou aderir à greve decretada por outros sindicatos que não estão vinculados à convenção limitadora.
Depois ainda, porque não estamos perante o estabelecimento de uma restrição efectuada por lei. A limitação - e apenas ao direito de declarar a greve - é assumida pelo próprio titular deste direito e é concretizada no exercício de um direito fundamental de natureza igual ao direito de greve, como é o direito à contratação colectiva. Anote-se aqui que a O. I. T. tende a construir o direito à greve como componente da liberdade sindical e do direito à negociação colectiva (cf. La Liberté Syndicale, págs. 64 e seguintes).
Finalmente, ainda, porque não está negada a possibilidade do sindicato poder denunciar a convenção estatuidora da cláusula de paz social e com essa denúncia "recuperar" toda a extensão do direito de greve.
O argumento constante do acórdão de que uma tal possibilidade "equivale à destruição da "paz social" em muito maior medida: não só se evita a greve como, para a tornar possível, se destrói a contratação colectiva" corresponde a uma visão unilateral e redutora do fenómeno, provando demais.
Na verdade, a contratação colectiva não é destruída. As partes continuam a dispor do respectivo direito. E,