0677 | II Série A - Número 019 | 06 de Dezembro de 2003
Em suma, trata-se de um Despacho que ao exigir a observância deste vasto conjunto de condicionalismos, teve como efeito uma forte restrição no acesso ao regime de aposentação antecipada, constante do Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril.
Com o projecto de lei n.º 362/IX (PSD/CDS-PP) pretendem os seus autores, retomando as normas constantes dos n.os 1 a 5 do artigo 9.º da Lei n.º 30-B/2002, de 30 de Dezembro, proceder à revogação do Decreto-Lei n.º 116/85, de 19 de Abril, e incluir o regime de aposentação antecipada no Estatuto da Aposentação (Decreto-Lei n.º 498/72, de 9 de Dezembro), prevendo a possibilidade dos subscritores da CGA que contém, pelo menos, 36 anos de serviço, poderem, independentemente de sujeição a junta médica e sem prejuízo da aplicação do regime da pensão unificada, requerer a aposentação antecipada. Porém, com a aplicação de um factor de redução do valor da pensão à razão de 4,5% por cada ano de antecipação em relação à idade legalmente exigida para a aposentação.
1.5 Do enquadramento do problema
A discussão em torno das alterações ao Estatuto da Aposentação constantes das iniciativas legislativas vertentes não constitui, como já aqui ficou amplamente demonstrado [Vide ponto 1.3. do presente relatório e parecer], novidade no quadro parlamentar, na justa medida em que as soluções normativas plasmadas no projecto de lei n.º 362/IX (PSD/CDS-PP) correspondem na íntegra às normas constantes dos n.os 1 a 5 do artigo 9.º da Lei n.º 32-B/2002, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2003), declaradas inconstitucionais pelo Acórdão n.º 360/2003, do Tribunal Constitucional.
Neste contexto, entende a relatora que o debate em torno dos projectos de lei em apreciação não pode escamotear aquilo que foi a discussão parlamentar ocorrida aquando da aprovação do artigo 9.º da Lei do Orçamento do Estado para 2003 e, a fortiori, tão pouco pode ignorar as dúvidas de (in)constitucionalidade e de (i)legalidade suscitadas pelo Sr. Presidente da República, bem como, o conteúdo do Acórdão do Tribunal Constitucional, relativamente a tais normas.
Importa, pois, ter presente que as matérias objecto dos projectos de lei em apreciação (alteração ao Estatuto da Aposentação), devem forçosamente ser analisadas à luz do enquadramento jurídico previsto na Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, que estabelece o regime de negociação colectiva e de participação dos trabalhadores em regime de direito público, assim como dos princípios constitucionais que reconhecem às associações sindicais o direito de exercício de negociação colectiva.
Em suma, até por razões que se prendem com as vicissitudes ocorridas em torno da aprovação do artigo 9.º da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, afigura-se desejável e imperioso equacionar se as matérias agora constantes da iniciativa legislativa vertente são ou não subsumíveis no conceito legal de matérias de negociação colectiva, dependendo daí, a sua conformidade legal e constitucional.
Como é consabido, a Constituição da República Portuguesa reconhece expressamente às associações sindicais, no seu artigo 56.º, n.º 3, o direito de contratação colectiva, o qual é assegurado nos termos da lei.
No que respeita aos trabalhadores da Administração Pública contratados ao abrigo do regime jurídico do contrato individual de trabalho, o exercício do direito de negociação colectiva foi regulado através do Decreto-Lei n.º 519-C1/79, de 29 de Dezembro.
No que especificamente se refere à Administração Pública, o direito de negociação colectiva e de participação dos trabalhadores em regime de direito público, encontra-se densificado na Lei n.º 23/98, de 26 de Maio.
O citado diploma legal, estabelece expressamente (cfr. n.os 1 e 2 do artigo 5.º) o direito de negociação colectiva dos trabalhadores da Administração Pública, relativamente ao seu estatuto, definindo a negociação colectiva como "(…) a negociação efectuada entre as associações sindicais e a Administração das matérias relativas àquele estatuto, com vista à obtenção de um acordo", sendo que nas situações de negociação colectiva que revistam carácter geral, o interlocutor pela Administração é o Governo (cfr. n.º 1 do artigo 14.º).
O referido diploma, consagra de forma taxativa as matérias objecto de negociação colectiva, definindo como tal, designadamente, as matérias relativas à fixação ou alteração "das pensões de aposentação ou de reforma" [cfr. alínea b) do artigo 6.º].
Nos termos do já aludido diploma (cfr. artigo 7.º), a negociação colectiva deve iniciar-se a partir de 1 de Setembro de modo a poder estar concluída tendencialmente antes da votação final global da proposta de Orçamento do Estado, tomando o Governo a decisão que entender adequada, caso não tenha sido obtido qualquer acordo (cfr. n.º 5 do artigo 9.º).
Por último, de sublinhar igualmente que a mesma Lei [cfr. alínea d) do n.º 1 do artigo 10.º], confere aos trabalhadores da Administração Pública o direito de participação, a exercer através das suas associações sindicais, nomeadamente no que concerne a alterações ao Estatuto de Aposentação.
Significa, pois, de jure condito que as normas constantes do projecto n.º 362/IX, quer as que se reportam ao Estatuto de Aposentação, quer as que se reportam ao regime de antecipação da aposentação, uma vez que versam sobre a fixação/alteração do método do cálculo das pensões de aposentação dos trabalhadores da Administração Pública e, nessa medida, conduzem a uma modificação do montante das pensões, integram o conceito de matérias de negociação colectiva, nos termos e para os efeitos previstos na Lei n.º 23/98, de 26 de Maio.
Assim, é forçoso concluir que tais matérias têm de ser prévia e obrigatoriamente objecto de negociação colectiva a exercer entre o Governo e as associações sindicais. Em consequência, dado que tal negociação não se verificou no caso vertente e que a Assembleia da República nunca poderia suprir tal omissão porque não dispõe de legitimidade jurídico-legal para, em representação da Administração Pública ou do Governo, exercer a negociação colectiva (cfr. artigo 182.º da CRP e 14.º da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio), não pode o Parlamento aprovar as iniciativas legislativas em questão, sob pena de colocar em crise as normas contidas no n.º 3 do artigo 56.º da Constituição da República Portuguesa e da Lei n.º 23/98, de 26 de Maio, diploma legal de valor reforçado.
Em suma, salvo melhor entendimento, as normas constantes da iniciativa legislativa em apreço parecem encontrar-se feridas de ilegalidade e inconstitucionalidade, por violação de normas e princípios legais e constitucionais que garantem o direito de negociação colectiva às associações sindicais representativas dos trabalhadores da Administração Pública.