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0039 | II Série A - Número 034 | 20 de Julho de 2005

 

PROJECTO DE LEI N.º 138/X
REVOGA AS TAXAS MODERADORAS

Portugal é um país com um dos mais elevados níveis de gastos privados em saúde, isto é, de pagamento directo pelos cidadãos dos cuidados de saúde, na União Europeia. Cerca de 40% das despesas de saúde estarão a ser pagas directamente pelas populações, para além do que já contribuem nos impostos. Era aliás o país em que estas despesas eram mais elevadas antes do alargamento da União Europeia.
Nos últimos anos essa situação agravou-se, designadamente com a política do anterior governo, em que para além do aumento real das taxas moderadoras (entre 30% e 40% nas consultas e urgências, com maior número de actos taxados e multiplicação de taxas em tratamentos que antes eram taxados apenas uma vez), se verificou um aumento dos gastos com medicamentos (por efeito da aplicação do sistema de preços de referência, do preço excessivo de muitos medicamentos e da manutenção de uma insuficiente comparticipação de muitas doenças crónicas).
Por outro lado, a permanente degradação da resposta dos serviços públicos obrigou muitos portugueses a recorrer ao sector privado, muitas vezes com enormes sacrifícios e recorrendo até ao crédito bancário (o que aliás demonstra que o estafado argumento neo-liberal da liberdade de escolha do cidadão mais não significa na prática do que a obrigação de recorrer à prestação privada por falta de resposta do SNS), o que contribui decisivamente para o aumento dos gastos directos dos utentes.
A imposição de taxas moderadoras foi sempre justificada com o argumento de que serviriam para moderar "consumos excessivos de cuidados de saúde". Ora na maior parte dos casos essa questão manifestamente não se coloca. O que temos, na verdade, é em muitos casos uma incorrecta orientação da procura de cuidados de saúde motivada pela falta de resposta adequada nos cuidados primários de saúde. Se não existem respostas suficientes ao nível dos centros de saúde, designadamente no que toca a um nível mínimo de meios complementares de diagnóstico disponíveis, ou se os horários de funcionamento são insuficientes, não é de estranhar que os utentes acabem por se concentrar nas urgências hospitalares. Se há mais de 800 mil utentes sem médico de família e se mesmo os que o têm enfrentam por vezes dificuldade na marcação atempada de consultas, é inevitável uma maior afluência a serviços de urgência, seja nos hospitais seja nos centros de saúde.
A aplicação de taxas moderadoras foi a forma de introduzir um princípio de pagamento dos cuidados de saúde e de contrariar a gratuitidade inicialmente prevista na Constituição. É curioso contudo lembrar hoje as justificações apresentadas pelos que defenderam a introdução da "tendencial gratuitidade" na Constituição, com vista à consagração das taxas moderadoras.
Dizia o Partido Socialista na Revisão Constitucional de 1989 sobre o carácter tendencialmente gratuito do SNS que incluiu na Constituição: "Trata-se de qualquer coisa que caminha para a gratuitidade, em que há as tais taxas moderadoras, mas esperamos que elas sejam, um dia, definitivamente abolidas e o Serviço Nacional de Saúde seja na realidade gratuito." Ou ainda noutro ponto: "Já se explicou que o nosso entendimento é que aquilo que é gratuito não anda para trás; aquilo que ainda não é gratuito tenderá a sê-lo."
Na verdade, as taxas moderadoras não de destinaram a moderar o consumo de cuidados de saúde. Isso obtém-se com a melhoria do acesso e dos meios disponíveis nos centros de saúde, com a garantia da existência de médico de família para todos os utentes e com um funcionamento adequado e suficiente destas unidades.
As taxas moderadoras têm, aliás, um perverso efeito em função das desigualdades económicas e sociais. É evidente que as taxas moderadoras pesam mais nos orçamentos dos que têm menos recursos do que nos dos mais abastados, para além do que estes sempre podem com facilidade recorrer ao sector privado. Por outro lado, a sua aplicação onera igualmente mais aqueles que, não estando abrangidos por qualquer isenção, mais tenham que recorrer por doença aos serviços de saúde.
Mais perniciosas ainda seriam as soluções de diferenciação das taxas moderadoras em função dos rendimentos, uma vez que para além das iniquidades já referidas, se acrescentaria a reprodução da injustiça fiscal que se verifica no nosso país.
Embora não seja esse o principal argumento, importa ainda referir que é legítimo afirmar que o peso burocrático e a ocupação de recursos humanos ao processo de cobrança das taxas consome certamente uma parte significativa das receitas efectivamente cobradas, pelo que a sua eliminação disponibilizaria recursos para outras funções certamente mais importantes.
As taxas moderadoras foram criadas pelo Governo do PM Cavaco Silva em 1986 - Decreto-Lei n.º 57/86, de 20 de Março, em aplicação do artigo 7.º da Lei do SNS (Lei n.º 56/79, de 15 de Setembro. Foram revistas em 1992, pelo Decreto-Lei n.º 54/92, de 11 de Abril, aplicando a Base XXXIV da Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto), depois adaptada em 1995.
O regime das taxas moderadoras foi novamente revisto pelo Governo de Durão Barroso, através do Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto (foi revogada até a norma do artigo 5.º do diploma então em vigor, que criava limites manterias à fixação das taxas), sendo o sistema de taxas alterado e ampliado através da Portaria que o regulamenta.
A revogação das taxas moderadoras constitui assim uma exigência de justiça social, de melhor utilização dos recursos existentes e de moderação do peso excessivo de despesas com saúde que recai hoje sobre a