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0024 | II Série A - Número 080 | 26 de Janeiro de 2006

 

A presente proposta de lei constitui um dos produtos do trabalho desenvolvido no âmbito da Unidade de Missão da Reforma Penal e visa um esforço de compromisso entre, por um lado, o respeito pelos princípios da legalidade e da autonomia do Ministério Público e, por outro, o princípio da oportunidade ainda que numa forma mitigada.
Importa, por isso, proceder a uma análise da forma de articulação destes princípios fundamentais no contexto da correlação de funções entre os diversos órgãos intervenientes.
O princípio da oportunidade contrapõe-se ao da legalidade, na medida em que segundo este último, o Ministério Público é obrigado a exercer a acção penal sempre que esteja perante uma infracção que tenha as características de um delito e desde que da investigação resultem elementos que permitam sustentar a acusação.
Por seu turno, o princípio de oportunidade constitui, de alguma forma, uma excepção ao princípio da legalidade, funcionando como um mecanismo apto a canalizar a selectividade espontânea de todo sistema penal. Este princípio pressupõe por exemplo a possibilidade de o Ministério Público, enquanto detentor da acção penal, ter a faculdade de se abster de processar determinadas infracções, ou de suspender o procedimento em curso, avaliando as condições em presença, devido a diferentes factores de uma política criminal vigente num dado momento e lugar.
A definição de prioridades na investigação criminal e no exercício da acção penal pressupõe um condicionamento à intervenção das autoridades judiciárias e requer uma avaliação casuística, embora sujeita a critérios gerais (para respeitar o princípio da igualdade), sobre o exercício do poder punitivo. Ora, é o próprio princípio democrático que obsta a que seja deixada ao acaso ou confiada a quaisquer pré-compreensões a orientação das autoridades que promovem a acção penal.
O Governo, enquanto autor desta iniciativa, entendeu assim que este princípio democrático obriga os órgãos de soberania legitimados para o efeito - a Assembleia da República e o Governo - a exercerem as suas competências, delineando uma política que consagre estratégias de prevenção e de repressão da criminalidade e reparação dos danos individuais e sociais por ela causados.
A definição da política criminal há-de situar-se num plano abstracto, de forma a não permitir a manipulação de processos concretos nem prejudicar o princípio da legalidade, na medida em que não pretende nem permite, por si mesma, isentar quaisquer crimes dos correspondentes procedimentos ou sanções.
Nas palavras do Governo, trata-se apenas de estabelecer objectivos, prioridades e orientações, tendo em conta, em cada momento, as principais ameaças aos bens jurídicos protegidos pelo direito penal. E as prioridades devem respeitar as valorações do legislador constitucional, designadamente em sede de direitos, liberdades e garantias.
Apesar do primado do princípio da legalidade consagrado, entre outras normas, no n.º 1 do artigo 219.º da CRP, o Código de Processo Penal já contempla emanações de um princípio da "oportunidade mitigado", que determinam a compressão do jus puniendi e são ainda compatíveis com o programa constitucional de direito penal. A suspensão provisória do processo, o arquivamento em caso de dispensa de pena, o processo sumaríssimo e o julgamento por tribunal singular de processos por crimes puníveis com pena de prisão superior a cinco anos, mediante requerimento do Ministério Público, constituem exemplos paradigmáticos desta orientação.
O destinatário das orientações sobre a pequena criminalidade é, de acordo com esta proposta, o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, uma vez que dele depende a iniciativa de recorrer aos chamados mecanismos de oportunidade. De todo o modo, é respeitado o princípio da legalidade e ficam salvaguardadas a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público - estando excluída a manipulação de quaisquer processos -, dado que a este sempre competirá avaliar, em concreto, a pertinência de cada promoção processual.
Não assumindo força obrigatória geral, o Governo entende que a resolução sobre objectivos, prioridades e orientações de política criminal não põe em causa, de forma directa ou indirecta, a independência dos tribunais, decorrente do princípio da separação e interdependência de poderes, e a sua exclusiva subordinação à lei, a começar pela lei constitucional (artigos 203.º e 204.º da Constituição). Por seu turno, a autonomia do Ministério Público, consagrada nos termos do n.º 2 do artigo 219.º da Constituição, é salvaguardada por não poderem ser emitidas directivas, ordens ou instruções referentes a processos determinados, seja pelo Governo seja pela Assembleia da República.
Em suma, as resoluções a aprovar pela Assembleia da República nos termos desta proposta implicam que o Governo, o Ministério Público e os órgãos de polícia criminal assumam os objectivos, adoptem as prioridades e observem as orientações de política criminal, afectando aos processos por crimes a que estas se reportam os recursos humanos e materiais adequados.
Não é admissível a selecção casuística de inquéritos prioritários nem a promoção da impunidade de certos crimes, verificando-se assim um respeito integral pelo princípio da legalidade, tanto na sua dimensão substantiva, como na sua vertente processual, que impõe a instauração de processo uma vez adquirida a notícia do crime e verificadas as respectivas condições de procedibilidade.
Conforme refere a Dr.ª Francisca Van Dunen, Procuradora-Geral Adjunta e Directora do Departamento de Investigação e Acção Penal, em declarações transcritas na Acta da reunião do Conselho Superior de