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19 | II Série A - Número: 038 | 25 de Janeiro de 2007

Em Portugal esta dimensão essencial do combate à corrupção é praticamente ignorada. Não existe uma estratégia global de prevenção. Não existem também, na quase totalidade das entidades públicas, instrumentos mínimos de prevenção programados e avaliados segundo regras e procedimentos credíveis.
Tudo se passa como se a corrupção apenas pudesse ser combatida como uma sucessão de casos de polícia avulsos. A melhor resolução de problemas de investigação criminal e de organização judicial é, sem dúvida, importante, mas a eficácia de reformas nesse sentido será sempre limitada enquanto operarem num ambiente adverso ao desenvolvimento de uma vigorosa cultura de prevenção e de intervenção proactiva assente em responsabilidades, valores de serviço público e princípios éticos largamente partilhados e continuamente escrutinadas publicamente.
Nas sociedades contemporâneas as melhores práticas de boa governança pública enfrentam a corrupção começando por admitir que na sua raiz estão comportamentos habilmente organizados no sentido de colher benefício ilegítimo de falhas de sistema. Estas falhas de sistema são ainda agravadas por inúmeras omissões que se verificam em torno do desempenho de outras tantas responsabilidades. Em vez do oportuno e determinado exercício de legítimos poderes e incontornáveis deveres de avaliação e responsabilização, não raro dirigentes dos mais diversos escalões optam pela omissão laxista e pelo silêncio cómodo.
Comportamentos deste tipo estão entre as mais poderosas alavancas propulsora das facilidades e imunidades de que beneficia em Portugal a corrupção endémica.
É contra este estado de coisas que é inadiável mobilizar o máximo de recursos públicos, incentivando também o envolvimento e a participação dos cidadãos nesse combate tão decisivo para o futuro do País.
Designadamente, o projecto de lei a seguir apresentado:

— Cria a Comissão para a Prevenção da Corrupção (CPC), entidade pública independente, que funciona junto da Assembleia da República, devendo organizar-se e actuar de modo a incentivar a participação dos cidadãos no desenvolvimento de uma cultura de responsabilidade e de intervenção proactiva no combate à corrupção; — Define as atribuições e competências da Comissão para a Prevenção da Corrupção, nomeadamente a centralização das informações necessárias à gestão preventiva dos riscos de corrupção, o acompanhamento e apreciação do cumprimento das disposições legais e regulamentares vigentes em matéria de prevenção da corrupção, a criação e a manutenção de um observatório actualizado das ocorrências ligadas à corrupção, a tipificação dos riscos e a identificação de sectores ou actividades de risco agravado, a promoção da elaboração de códigos de boas práticas e a sugestão à Assembleia da República das providências que entender úteis no âmbito da sua competência, muito em especial através de um relatório bienal; — Institui uma Comissão de Acompanhamento da Comissão para a Prevenção da Corrupção com poder, designadamente, de submissão do plano bienal de actividades e respectivo relatório de execução a parecer favorável; — Introduz as Orientações Estratégicas de Prevenção da Corrupção a submeter pelo Governo à aprovação da Assembleia da República, fixa o processo de elaboração e execução dos planos de prevenção da corrupção apenas em actividades e sectores de risco agravado, sendo, desde já, considerados como tais as actividades de aquisição externa de bens e serviços e a gestão do território; — Prevê a dispensa de plano de prevenção no caso de entidades sob risco negligenciável e, transitoriamente, nas primeiros quatro anos, limita a obrigatoriedade da elaboração de planos de prevenção da corrupção aos municípios com população superior a 100 000 habitantes ou orçamento superior a 50 000 000 euros e a entidades a designar pelo Governo, de acordo com critérios de análise de risco, em número não inferior a 25; — Estabelece o processo de apreciação parlamentar dos relatórios bienais apresentados pelo Governo e pela Comissão de Prevenção da Corrupção à Assembleia da República; — Determina a realização de um inquérito ao serviço em que preste a sua actividade funcionário ou titular de alto cargo público acusado pela prática de crimes de corrupção previstos no Código Penal ou na Lei n.º 34/87, no sentido de apurar eventuais responsabilidades de superiores hierárquicos e corrigir eventuais falhas de sistema; — Institui a Carta Nacional de Prevenção da Corrupção, a aprovar pela Assembleia da República depois de discussão pública.

O aspecto mais grave da corrupção em Portugal é a sua filiação num sistema alimentado pela opacidade e falhas de gestão das coisas públicas.
Tal estado de coisas só pode ser combatido pela acção transparente e coerente de outros sistemas, por um lado, especificamente desenhados para prevenir as falhas de sistema propiciadoras da corrupção, e, por outro, continuamente escrutinados por entidades independentes e pelos órgãos de soberania. Por imperativo constitucional, a Assembleia da República terá de estar no centro desse escrutínio.
Assim, nos termos constitucionais, legais e regimentais aplicáveis, os Deputados do Partido Socialista, abaixo assinados, apresentam o seguinte projecto de lei: