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11 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

Lisboa, 16 de Julho de 2007.
Eduardo Campos (Relator) — Luís Barroso — Ana Roque — Carlos Campos Lobo — Helena Delgado António — Vasco Almeida — Luís Lingnau da Silveira (Presidente).

PARECER N.º 18/2007

Sua Excelência o Sr. Secretário de Estado Adjunto e da Justiça solicitou à Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) a emissão de um parecer sobre um projecto de diploma que estabelece «os princípios de criação e manutenção de uma base de dados de perfis de ADN para fins de identificação civil e de investigação criminal» (adiante designado também e apenas por Projecto).
Nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º da Lei de Protecção de Dados (Lei n.º 67/98, de 26 de Outubro, designada apenas por LPD), a CNPD é competente para emitir o parecer solicitado.
Cabe, então, emitir o parecer solicitado.

I – Introdução

1. O direito à privacidade é um dos direitos de personalidade que, como tal, está intimamente ligado à dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa – CRP), não obstante ter merecido a atenção do direito apenas em tempos mais recentes, não conhecendo, ainda, formulações e contornos consensuais.
2. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, o direito à privacidade é, talvez, o maior marco dos direitos de personalidade, muito mais, porventura, do que o direito ao bom-nome e o direito à imagem. A «privacy», na sua equação inicial formulada neste país, comporta quatro dimensões distintas: o direito à solidão ou a estar sozinho (right to be alone); o direito à intimidade da vida privada e familiar; o direito ao anonimato e o direito a não conhecer interferência de terceiros.
1 2 3. Na Europa, é famosa a teoria das três esferas, em que se reconhece a esfera íntima, a esfera privada e a esfera social, em que a primeira é o «núcleo duro do direito à intimidade da vida privada; a esfera privada admite ponderações de proporcionalidade; na esfera social estamos já no direito à imagem e à palavra e não no direito à intimidade da vida privada».
3 4. O que parece inegável é que a protecção da privacidade visa proteger as pessoas em dois sentidos: por um lado, proteger as pessoas em relação à devassa da sua vida privada, preservando uma zona de não ingerência e de não acesso; por outro lado, dotar as pessoas de autonomia no desenvolvimento livre da sua personalidade e na condução da sua vida.
A privacidade é, então, condição de liberdade dos cidadãos.
4 5. Na modernidade, no contexto da sociedade da informação, a efectividade do direito à privacidade reclamou a consagração de um outro direito fundamental que, não apenas garantisse essa efectividade, mas que alargasse e aprofundasse a autonomia dos indivíduos no que toca à informação que lhes é respeitante.
Surgiu, então, o direito à protecção dos dados pessoais, tendo conferido aos cidadãos o direito de definir positiva (permitindo) e negativamente (negando) a utilização dos dados pessoais de que são titulares.
5 Este direito foi eleito para integrar o elenco positivado dos direitos fundamentais, quer na CRP (artigo 35.º da CRP), quer na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (artigo 8.º da Carta), como já havia conhecido reconhecimento no seio do Conselho da Europa, nomeadamente através da Convenção n.º 108, relativa à protecção dos dados pessoais no âmbito dos tratamentos automatizados.
6. Seja no papel instrumental do direito à privacidade, enquanto meio de garantir a protecção da reserva da intimidade da vida privada, seja na consideração da sua autonomia enquanto direito fundamental que dota os cidadãos de uma verdadeira autodeterminação informativa, o direito à protecção dos dados pessoais está intimamente ligado, não apenas aos direitos de personalidade, mas igual e directamente à dignidade da pessoa humana, a base da comunidade política portuguesa (artigo 1.º da CRP). Essa suprema importância do direito à protecção dos dados pessoais deu-lhe um lugar próprio no elenco dos direitos, liberdades e garantias.
O alcance de uma sociedade livre e justa (artigo 1.º da CRP) depende da acertada ponderação dos direitos 1 Garcia Marques e Lourenço Martins, «Direito da Informática», Almedina, 2000, Coimbra, pag. 102; André Gonçalo Dias Pereira «O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente», Estudos de Direito Civil, n.º 9, Centro de Direito Biomédico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra Editora, 2004, Coimbra, pag. 65.
2 Não cabe neste Parecer apresentar de forma doutrinária, muito menos dogmática, os conceitos de privacidade, de intimidade da vida privada ou de «privacy». Sobre este assunto, veja-se, de forma sintetizada mas deveras abrangente, Huw Beverley-Smith, Ansgar Ohly and Agnès Lucas-Schloetter, «Privacy, Property and Personality. Civil Law Perspectives on Commercial Appropriation», Cambridge Studies in Intellectual Property Rights, Cambridge University Press, Cambridge, Reino Unido, 2005, pag. 53 e ss.
3 Jorge Miranda – Rui Medeiros, «Constituição Portuguesa Anotada», Tomo I, Coimbra Editora, 2005, Coimbra, pag. 290.
4 Ver, quanto a este aspecto, o Parecer da CNPD n.º 37/2006, relativo ao projecto de diploma que visava criar o cartão e cidadão.
5 Ver Maria Eduarda Gonçalves, «Direito da Informação», Almedina, Coimbra, 2003; Catarina Sarmento e Castro, «Direito da Informática, Privacidade e Dados Pessoais», Almedina, Coimbra, 2004.