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16 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

IV – O tratamento dos dados pessoais genéticos para fins de identificação civil
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: algumas considerações gerais

1. O Projecto pretende introduzir o tratamento de dados pessoais genéticos para fins de identificação civil.
A base de dados genéticos para fins de identificação civil tem, obrigatoriamente, para se mostrar apta a cumprir a finalidade para a qual foi criada, de ser universal, na medida em que regista os dados genéticos de toda a população nacional. Mais ainda, essa finalidade só é realizável se o tratamento dos dados pessoais genéticos for, não apenas universal, mas ainda multi-geracional . De contrário, a utilização do ADN para fins de identificação civil suporia sempre a pré-existência de algum princípio de identificação dos restos mortais, de tal modo que fosse possível restringir os círculos de pessoas (eventuais parentes, por exemplo) cujos perfis de ADN pudessem ser comparados com os perfis de ADN encontrados em despojos e restos mortais que se pretendem identificar. De igual modo, a identificação e relacionamento entre pais e filhos, netos e avós, também supõe a existência de vestígios genéticos que os liguem entre si.
40 2. Os dados pessoais genéticos, não apenas são os que mais profundamente respeitam ao ser humano e a cada um dos indivíduos, conforme se explanou em supra I–8., como ainda revestem as características dos dados pessoais biométricos. Podem resumir-se as características dos dados pessoais biométricos às seguintes: i) universalidade dos dados pessoais biométricos, na medida em que são comuns a todas as pessoas, todas as pessoas têm esses tipos de dados pessoais; ii) unicidade dos dados pessoais biométricos, na medida em que cada pessoa tem os seus dados pessoais biométricos, diferentes de todas as outras pessoas, conferindo a absoluta singularidade a cada indivíduo, pois os dados pessoais biométricos de cada um não se repetem nos outros; iii) permanentes ou vitalícios, pois os dados pessoais biométricos acompanham os indivíduos durante toda a vida; iv) imutáveis, na medida em que permanecem intactos ao longo do tempo, não sofrendo alterações pelo simples facto do decurso temporal; v) indivisíveis, na medida em que os dados pessoais biométricos mantém sempre a sua integralidade e são incindíveis, não podendo ser objecto de fragmentação.
3. O fundamento ou razão de ser da criação da base de dados genéticos é a constante da introdução do Projecto: identificação de desaparecidos. Este o único fundamento para a criação da base de dados genéticos.
Esta finalidade – a da identificação de desaparecidos – num país como Portugal, que não conheceu, na sua história recente, períodos de conflitos sociais agudizados, nem guerras civis, nem regimes ditatoriais, nem fenómenos episódicos de eliminação dos direitos fundamentais, apenas se concebe no contexto de catástrofes e acidentes imprevisíveis e absolutamente excepcionais.
Estamos, então, perante um tratamento de dados pessoais universal, que atinge a totalidade da população nacional, durante mais do que uma geração e de forma perpétua, sob pena de não ser alcançado o objectivo da criação da base de dados genéticos, para prosseguir uma finalidade única que se mostra excepcional – a finalidade apenas existe em casos excepcionais, como sejam as catástrofes naturais, os acidentes invulgares, ou outros fenómenos similares.
A criação de um tratamento desta natureza – tratamento perpétuo e universal dos dados pessoais mais sensíveis que os cidadãos têm – para prosseguir uma finalidade excepcional revela a desproporcionalidade e a excessividade deste tratamento para esta finalidade.
4. Esta excessividade é ainda revelada na medida em que existem outros dados pessoais biométricos, com iguais características, como é a impressão digital – cujo tratamento já é universal mas cujas potencialidades de prossecução das finalidades de identificação civil não foram totalmente esgotadas. Na medida em que este dado pessoal e o seu tratamento é menos intrusivo na privacidade dos cidadãos do que o tratamento dos dados pessoais genéticos, parece que o princípio da necessidade – ou da indispensabilidade – encontra-se, aqui, ultrapassado. Por outro lado, a impressão digital pode servir a finalidade geral de identificação civil com menos riscos do que o tratamento dos dados genéticos, na medida em que este último exige a adopção de tecnologias e métodos ainda não consolidados, parecendo, aqui, que o princípio da precaução foi também olvidado. E em terceiro lugar, os dados pessoais genéticos, em casos excepcionais que requeiram o seu tratamento para identificação civil – catástrofes naturais ou acidentes – podem ser tratados, quer os relativos às pessoas falecidas/desaparecidas, quer os relativos aos grupos com os quais se pretende identificar por comparação, não ficando inviabilizada a prossecução desta finalidade excepcional.
41 42 39 Limitamo-nos, aqui, a apresentar analisar o projecto à luz do regime da LPD e, sempre que necessário, recorreremos à CRP. No entanto, outros instrumentos legais nacionais, comunitários, europeus e internacionais são, substantivamente, observados: a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada na Organização das Nações Unidas e datada de 19 de Dezembro de 1948; o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos; a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, outorgada no seio do Conselho da Europa e datada de 4 de Novembro de 1950; a Convenção n.º 108 do Conselho da Europa, datada de 28 de Janeiro de 1981; a Recomendação do Conselho da Europa R (97) 5; a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia; a Directiva 95/46/CE do Conselho e do Parlamento Europeu, de 24 de Outubro de 1996; o Código Civil (CC); a lei de Identificação Civil (Lei n.º 33/99, de 18 de Maio; e a Lei sobre a Informação Genética e de Saúde (Lei n.º 12/2005, de 26 de Janeiro) 40 Ver Guilherme Moreira, «Implicações Jurídicas do Conhecimento do Genoma», Temas de Direito da Medicina n.º 1, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pag. 124.
41 Ver nota anterior.
42 Aliás, ao passo que não se conhecem casos de repetição da mesma impressão digital em dois indivíduos diferentes, os gémeos homozigóticos apresentam as mesmas características genéticas: ver Guilherme de Oliveira, na obra citada nas duas notas anteriores, pag. 116.