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14 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

5. No que à matéria deste Parecer diz respeito, os riscos para a privacidade são, porventura, os mais profundos que podem ser concebidos. «A informatização dos dados de saúde não é, como em muitos outros casos, um mero armazenamento de informação relativa às coisas do homem, mas de informação relativa ao próprio homem em si».
27 Os desafios colocados pela inovação tecnológica e pela aplicação dessa inovação à informação e identidades genéticas revestem, ainda, alguns contornos de aventura da humanidade, com um horizonte de riscos ainda não previsíveis nem, portanto, controláveis.
É possível, hoje, ouvir falar na introdução de tecnologia desenvolvida no ADN recombinante para alteração do património genético de uma pessoa, tal como se pode já ouvir falar na modificação programada do património genético de uma célula humana germinativa ou embrionária; começa a ser tido por normal ouvir falar em atentado à identidade genética; é frequente e estão vulgarizadas no comércio jurídico as patentes biotecnológicas e surge um novo poder fáctico – Biopoder.
28 Na realidade, «as descobertas da tecnologia e da ciência já não circulam livremente entre as universidades e laboratórios, estão a ser privatizadas pela investigação das multinacionais, que, em princípio, guardam os segredos, os resultados das suas investigações numa procura de vencer as concorrentes e conseguir melhores resultados, nomeadamente económicos»
29 6. Com especial cuidado deve colocar-se, por aquele imperativo constitucional consagrado no n.º 3 do artigo 26.º da CRP, conforme o explanado supra em I – 8., mas também pela proibição constitucional constante do n.º 4 do artigo 35.º da CRP
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, a aplicação das inovações tecnológicas ao tratamento de dados pessoais relativos à identidade genética, tal como se deve envolver essa aplicação das maiores precauções relativas ao acesso e à utilização desses dados tratados.
Na verdade, a massificação do tratamento de dados pessoais em todos os sectores da vida social em que os cidadãos se vêem, inelutavelmente, envolvidos, com a consequente concentração da informação que lhes diz respeito, cria uma zona em que existe um efectivo conhecimento da informação total e de todos os dados pessoais dos indivíduos. Os receios situam-se, não apenas nos acessos indevidos ou nos conhecimentos indevidos, «mas nas potencialidades de comunicação inter-institucional ou inter-sectorial, a nível nacional ou mesmo internacional, que as técnicas informáticas propiciam».
31 Existe uma zona criada através das telecomunicações, dos sistemas informáticos e dos locais de interacção destes sistemas em que se verifica a simultaneidade de toda a informação dos cidadãos, processados nos diversos e espartilhados tratamentos de dados pessoais. Esta zona é acessível às elites que tornam a comunicação neste espaço na sua prática social e conseguem, inclusivamente, deslocalizar os pontos de acesso e de decisão de modo a escaparem ao controlo político e às condicionantes sociais existentes num determinado país.
32 7. Mesmo com conhecimento e consciência desta realidade, o clima de desconfiança gerado em torno das anunciadas ou efectivas ameaças à sociedade democrática leva q que a sociedade e os cidadãos, norteados pela pragmática necessidade de sucesso e eficácia, não só das medidas preventivas da segurança colectiva, mas também das medidas repressivas das ofensas a essa segurança, aceitem imediata e inquestionavelmente o quadro de vigilância permissivo do tratamento dos dados pessoais que lhes respeitam, coligindo a informação respeitante aos indivíduos. Como vimos, o conjunto de tratamentos de dados pessoais que simultaneamente acontecem, conduzindo a uma concentração total da informação do cidadão, acontece pelas melhores, mais positivas e virtuosas razões, desde a prevenção da segurança, a eficiência dos recursos, a efectividade das medidas e a eficácia dos resultados, mas não deixa de produzir um efectivo controlo dos cidadãos por parte dos poderes democraticamente legitimados ou meramente fácticos.
33 Este é o contexto real que deve determinar, na perspectiva da CNPD, que a aplicação das novas tecnologias ao tratamento dos dados genéticos deve observar um conjunto de princípios jurídicos que, seguidamente e de forma meramente indicativa, se passam a listar, sem, contudo, pretender esgotar os que elenco desses mesmos princípios aplicáveis aos tratamentos de dados pessoais genéticos, objectos do projecto.

III – Alguns princípios jurídicos aplicáveis ao regime da protecção de dados pessoais

1. Princípio da dignidade da pessoa humana: é o fundamento e limite da actuação do Estado e subordina mesmo a vontade popular. A expressão «pessoa humana» refere-se às pessoas concretas, ao homem 27 Paula Lobato de Faria, «Protecção Jurídica dos Dados Médicos Informatizados», Direito da Saúde e Bioética, Lex, Lisboa, 1991, pag.
155.
28 Maria Helena Diniz, «O Direito Ante a Nova Imagem da Ética Médico-Científica», Lex Medicinae Revista Portuguesa de Direito da Saúde, Centro de Direito Biomédico, Ano 2, n.º 4, 2005, Coimbra Editora, 2005, pag 5 a 10.
29 Stela Marcos de Almeida Neves Barbas, «Direito ao Património Genético», Almedina, Coimbra, 2006, pag. 21.
30 Sobre esta proibição, ver Parecer da CNPD n.º 37/2006, relativo ao diploma que criou o Cartão de Cidadão, pag. 6 a 9, disponível em www.cnpd.pt/bin/decisoes/2006/htm/par/par37-06.htm 31 Paula Lobato Faria, ob. cit., pag. 156.
32 Manuel Castells fala, a este propósito, no «Espaço dos Fluxos», que não é espacial mas é uma verdadeira prática social permitida pelas tecnologias de informação e desenvolvida pelas elites sociais e políticas. Para além da obra deste autor já referida, pode ver-se, de forma muito mais abreviada mas muito clara, Manuel Castells e Martin Ince, «Conversas com Manuel Castells», Campo das Letras, Lisboa, 2004, pag. 65 e ss.
33 De novo, a intervenção de David Murakami Wood na 28.ª Conferência Internacional de Autoridades de Protecção de Dados, realizada em Londres, Reino Unido, entre 2 e 4 de Novembro de 2006.