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19 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

O tratamento dos dados pessoais genéticos mostra-se, então, uma restrição da privacidade e da protecção dos dados pessoais, enquanto direitos fundamentais, proporcionada à finalidade da investigação criminal, da prevenção da prática de crimes e da repressão dos seus fautores.
No entanto, essa proporcionalidade, porque estamos perante direitos fundamentais pertencentes aos direitos, liberdades e garantias, porque estamos em face dos direitos gerais de personalidade e porque se joga a dignidade da pessoa humana, deve ser aferida em concreto, caso a caso, perante cada homem e cada mulher. A previsão legal dessa restrição deve, também, ser formulada em termos bem definidos e circunstanciados, em razão do princípio da proporcionalidade.
Assim, o tratamento do dado pessoal genético para efeitos de investigação criminal deve ter lugar apenas nos casos em que esse meio de prova – o perfil de ADN – se mostra relevante e adequado a demonstrar a autoria dos crimes que se visam investigar. Depois, o tratamento do dado pessoal ADN só deve ter lugar se for estritamente necessário, absolutamente indispensável, para a investigação e instrução criminal em causa.
Em terceiro lugar, exige-se ainda que a utilização do ADN não se revele excessiva em relação ao crime que se pretende provar.
50 «Mas, também é importante que se saiba distinguir quando é que a prova pericial é adequada a obter determinado resultado, quando é, de facto, relevante e pertinente para o apuramento da verdade e boa decisão da causa.»
51 4. Importa ter presente que, como já aqui dissemos, existe uma pressão da sociedade sobre as autoridades no sentido da obtenção de resultados satisfatórios na investigação policial e judiciária e uma necessidade destas de apresentarem esses resultados com grande eficácia e eficiência – quer do ponto de vista dos meios utilizados, quer do ponto de vista temporal.
Por outro lado, as provas periciais e obtidas através da utilização de tecnologias e de meios científicos gozam de uma reputação próxima da infalibilidade que provocam a tendência para o seu recurso na primeira linha das diligências investigatórias.
52 Sobre o perigo dessa presunção de infalibilidade, mais à frente voltaremos. Mas a fama de rapidez, eficiência e fiabilidade dos resultados que gira à volta do ADN enquanto meio de prova facilmente leva a que as autoridades judiciárias lancem mão deste meio de prova para utilização em casos criminais de menor gravidade, desviando-se, assim, do princípio da proporcionalidade que deve presidir ao tratamento do ADN, vulgarizando os exames genéticos e banalizando aquilo que é, afinal, o depósito mais profundo da identificação individual e o da mais nuclear da dignidade da pessoa humana. 5. O recurso ao ADN para prova de crimes tem consequências ao nível dos princípios da presunção de inocência, do seu derivado «in dúbio pro reo» e do «nemo tenetur se ipsum accusare»: n.º 1 do artigo 32.º da CRP.
Brevemente dizemos que o princípio da presunção de inocência deve ser uma constante intocada, desde o momento em que o indivíduo nem sequer tange os processos investigatórios ou judiciários e até trânsito em julgado de sentença condenatória. Mas após esta sentença e até que nova sentença, por outro crime, transite igualmente em julgado, de novo o indivíduo goza da mesma presunção e esta, de igual modo, deve permanecer intocada até então.
Existe, então, um cuidado muito grande e deveras afinado a ter com o princípio do in dúbio pro reo, sendo este uma expressão matriz do princípio da presunção de inocência. Existe, já o dissemos, a reclamação de eficácia da actuação do sistema judiciário e a necessidade deste sistema apresentar resultados satisfatórios; existe, por outro lado, a fama do ADN como meio de prova, dotado de certeza, de rigor científico e de infalibilidade. No meio, pode acabar por verificar-se um determinismo na classificação do titular do ADN como agente do crime. A utilização do ADN como meio de prova exige, em primeiro lugar, que se tenha em conta que a prova pericial, só por si, não é suficiente para deduzir acusação ou ordenar o arquivamento, para decidir pela pronúncia ou despronúncia, para condenar ou absolver o arguido, antes deve ser vista como um meio complementar de prova ou, pelo menos, de ser complementada por outros meios de prova.
53 Por outro lado, os decisores do sistema judiciário, agentes dos órgãos de polícia criminal e de outras entidades com poderes de autoridade e de inquérito, magistrados do Ministério Público e magistrados judiciais devem estar alertados para a relativização do valor probatório do perfil de ADN, actuando com toda a prudência e ciência a partir dessa relativização. Esta chamada de atenção deve ser tão mais audível quanto, por força dos n.º 1 e 2 do artigo 163.º do CPP, o juízo técnico ou científico inerente à prova pericial situa-se fora da livre apreciação do julgador, devendo este fundamentar qualquer decisão que divirja daquele juízo. Claro que a utilização do ADN e o juízo técnico que lhe está inerente é apenas respeitante à autenticação ou identificação de pessoas, mas 50 Mais à frente comentaremos a opção do legislador. Não parece, neste momento, consentâneo com o princípio da proporcionalidade que os agentes de certos crimes contra o património – burla agravada, por exemplo, p.p. pelo artigo 218.º do CP – punidos com pena de prisão concreta superior a 3 anos, só por isto, vejam o seu DNA recolhido e registado. O DNA não parece não ser relevante para a prova deste tipo de crimes, a demonstração da autoria deste tipo de crimes deve passar por outros elementos de prova e o DNA não deve ser utilizado para prova de crimes semelhantes mas de menor gravidade – como seja o furto simples de bens de valor diminuto (artigo 203.º e 202.º do CP).
51 Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias, «Particularidades da prova em processo penal. Algumas questões ligadas à prova pericial», Revista do CEJ «Prova, Ciência e Justiça», N.º 3, 2.º Semestre de 2005, Almedina, Coimbra, 2005, pags. 188.
52 Damos eco a Guilherme de Oliveira: «Os laboratórios, por melhores que sejam, não chegam para decidir as questões judiciais»: Temas de Direito da Medicina, n.º 1, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, pag. 120.
53 Ver Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias, ob. cit., pags. 169 e ss.