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21 | II Série A - Número: 003S1 | 29 de Setembro de 2007

admissibilidade de recusar a intervenção no seu corpo
59 para esse mesmo fim, sem qualquer penalização nem oneração no processo criminal em que se vê envolvido, bem como, por outro lado, a admissibilidade da coercibilidade para obtenção dessa mesma amostra, ou o sancionamento com pena ou ónus, é uma opção que deve ser feita pelo legislador de modo totalmente claro (artigo 18.º, 32.º e 35.º da CRP, artigos 126.º, n.º 2, alínea c), d) e e) do CPP e artigos 7.º, n.º 1 e 2 e 8.º n.º 1 da LPD) De resto, o princípio da legalidade vigente no domínio dos direitos fundamentais e no domínio do Direito Penal e Processual Penal, princípio consagrado no n.º 3 do artigo 3.º do Projecto, em todas as suas vertentes, reclama a consagração em lei dos limites da actuação coerciva dos poderes públicos na obtenção da amostra para recolha do ADN.
De acordo com o Projecto, a recolha de amostra para fins de investigação criminal é ordenada por despacho do juiz: n.º 1 e 2 do artigo 8.º do Projecto. Nada se diz sobre a admissibilidade de recusa por parte do arguido ou da viabilidade de recolha coerciva. No local próprio, assinalaremos algumas observações a este respeito.
8. No entanto, adiantamos que o artigo 172.º, n.º 1. do CPP diz que se alguém se eximir a qualquer exame ordenado pela autoridade judiciária pode ser «compelido» (relevo nosso) por decisão da autoridade judiciária competente. A Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto que estabelece o regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses, diz no seu artigo 6.º, n.º 1, que ninguém pode eximir-se a ser submetido a qualquer exame médico-legal desde que este se mostre necessário ao processo e seja ordenado pela autoridade judiciária competente. O Decreto-Lei n.º 96/2001, de 26 de Março, que introduz os Estatutos do Instituto Nacional de Medicina Legal, a quem compete realizar as periciais médico-legais e forenses (artigo 2.º da Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto), nada diz sobre a coercibilidade da sujeição a exames médicos dos indivíduos.
Ficamos, então, com a obrigatoriedade da sujeição a exame desde que se mostre necessário ao processo e seja ordenada pela autoridade judiciária competente e pela possibilidade de compelir o sujeito a submeter-se a esse exame. Porém, seja exemplo para nós bastante, o Acórdão n.º 616/98 do Tribunal Constitucional, de 17 de Março de 1999, o qual considerou que, apesar de a recolha de sangue para análise ser uma «intervenção banal», ainda assim, essa intervenção é uma violação à integridade física se for feita contra a vontade do titular, à força, coactivamente.
Várias soluções podem ser elencadas:

— A coercibilidade da subtracção de amostras é admitida em alguns ordenamentos jurídicos para fins de investigação de paternidade, como é o caso da Alemanha,
60 para efeitos de investigação criminal, essa prática poderia significar, não apenas a «coisificação» do corpo humano, mas ainda a negação dos princípios constitucionais e de processo penal acima indicados. De resto, a recolha coerciva do ADN, com recurso à força física para obtenção da amostra, em ordem a instruir o processo penal de natureza acusatória contra o próprio titular da amostra, parece assemelhar-se, muito de perto, a práticas próximas da tortura; — A inversão do ónus da prova caso o arguido se recusasse a submeter-se a exames é outra solução, como vigora entre nós no direito civil sobre a investigação da paternidade, mas no direito criminal essa repartição do ónus da prova, além de desvirtuar o princípio da presunção de inocência, parece contradizer a estrutura acusatória do processo criminal, que não se compadece, em caso algum, com uma repartição do ónus da prova (artigo 32.º, n.º 5 da CRP);
61 — A imposição ao arguido de sanção penal ou ónus probatório no caso da recusa retira, em virtude dessa ameaça com medida legalmente prevista, a liberdade do consentimento, para mais, estando o arguido numa «relação especial de poder»
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, e pouco pode adiantar, pois a recusa pode continuar a ser feita; — A inocuidade para o arguido da sua recusa se se submeter a exame para recolha do perfil de ADN, para além do conhecimento do julgador deste facto e da sua livre apreciação em sede da prova produzida (parece ser o regime vigente entre nós).
— Existe, ainda, uma hipótese que parece não ter sido desenvolvida e que pode surgir como um compromisso entre os direitos dos indivíduos – direito à integridade física, direito a dispor livremente do seu corpo, direito a gozar da plena presunção de inocência, direito a não contribuir para a sua própria condenação, direito a ter um processo criminal de estrutura acusatória e de não pender sobre si qualquer ónus probatório – e os objectivos «sociais»
63 da missão básica do processo – a pacífica convivência social. Essa hipótese é a seguinte: em primeiro lugar, a tentativa de utilizar o ADN de parentes do arguido para efeitos de exclusão e, em segundo lugar, a consagração legal de obrigatoriedade de registo na base de dados genéticos do despacho que ordena a realização do exame, com toda a sua fundamentação
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, bem como da recusa de submissão por parte do arguido, tudo deixado à livre apreciação da prova por parte do prudente julgador.
65 66 59 Corpo, não apenas como um todo, mas também como um conjunto de partes destacáveis ou separáveis.
60 Fonte: Paula Costa e Silva, ob. cit., pag. 176 61 Guilherme de Oliveira, em «Implicações Jurídicas do Conhecimento do Genoma», já referida, admite a possibilidade de se reflectir sobre a imposição de multa ao agente que se recuse a submeter-se a exame para recolha de amostra para fins de retirar o perfil de ADN, bem como uma inversão do ónus da prova neste caso.
62 José Carlos Vieira de Andrade, «Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976», Almedina, Coimbra, 1987, pag. 243.
63 Germano Marques da Silva, «Curso de Processo Penal», Volume I, Verbo, Lisboa, 2000, pag. 52.
64 Mais adiante, a propósito do artigo 8.º do Projecto, defenderemos que este despacho, ao invés do previsto nesta intenção legislativa, devia ser sempre fundamentado. Assim entendemos, também mas não apenas nem sobretudo, por causa desta solução.
65 Ver, atrás, Ponto 5. deste capítulo e nota 54.