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34 | II Série A - Número: 004 | 23 de Setembro de 2010

Na sua versão mais recente também o Código Deontológico da Ordem dos Médicos explicita e clarifica o direito do doente recusar um tratamento que lhe seja prescrito.
Nestas matérias a legislação portuguesa acompanha o direito comunitário.
Em 2000 a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada no Conselho Europeu de Nice, a 9 de Dezembro de 2000, consagra, no seu artigo 3.º, o respeito pelo «consentimento livre e esclarecido da pessoa, nos termos da lei» no domínio do exercício da medicina.
Em 2001 Portugal ratificou a Convenção de Oviedo, realizada em 4 de Abril de 1997 e aberta à assinatura dos Estados-membros do Conselho da Europa — Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e da Dignidade do Ser Humano face às Aplicações da Biologia e da Medicina — , cujo artigo 5.º determina que «qualquer intervenção no domínio da saúde só pode ser efectuada após ter sido prestado pela pessoa em causa o seu consentimento livre e esclarecido».
Por outro lado, o artigo 9.º da Convenção de Oviedo determina que «a vontade anteriormente manifestada no tocante a uma intervenção médica por um doente que, no momento da intervenção, não se encontre em condições de expressar a sua vontade, será tomada em conta».
Duas recomendações do Comité de Ministros do Conselho da Europa reforçam o direito dos cidadãos à autodeterminação no que respeita aos cuidados de saúde, nomeadamente em situações que os incapacitam de expressar a sua vontade, reconhecendo que as pessoas incapazes constituem o segmento mais frágil e vulnerável das sociedades contemporâneas, o que justifica o aperfeiçoamento dos mecanismos de garantia e protecção daqueles direitos nos casos de incapacidade.
Primeiro, a Recomendação REC(1999)4, do Comité de Ministros do Conselho da Europa, aos Estadosmembros sobre os «Princípios relativos à protecção legal de pessoas adultas incapazes».
No n.º 1 do seu Princípio 9 afirma-se que «ao estabelecer ou implementar uma medida de protecção de um adulto incapaz, os desejos e sentimentos passados e presentes do adulto devem ser identificados, tanto quanto possível, e ser tidos em consideração e respeitados».
Segundo, a Recomendação REC(2009)11, do Comité de Ministros do Conselho da Europa, aos Estadosmembros sobre «Princípios relativos ao poder de procuração e directivas antecipadas de vontade por incapacidade» (adoptada em Dezembro de 2009), assim como o seu memorando explanatório, estabelece que os «Estados devem promover a autodeterminação de adultos capazes para o caso de se tornarem futuramente incapazes», através da criação de alguns mecanismos como as directivas antecipadas de vontade e o estatuto de procurador de cuidados de saúde.
Em resumo, quer o consentimento informado quer a opção de recusar um tratamento estão profusamente contemplados e valorizados como direitos dos cidadãos na legislação comunitária e nacional, reconhecendose a todos os indivíduos o direito, em matéria de cuidados de saúde, de exprimirem a sua vontade livre, esclarecida e consciente quanto aos cuidados que lhe são prestados mas, também, o direito a que os profissionais de saúde, as instituições prestadoras de cuidados e a sociedade de uma forma geral respeitem integralmente essa vontade.
Quanto às situações em que, por motivo de doença, o indivíduo perde a capacidade de expressar autonomamente a sua vontade e, em consequência, deixa de poder participar no processo de decisão sobre os cuidados de saúde que lhe venham a ser prestados, vários países aprovaram legislação que garante o respeito pela declaração antecipada de vontade, nomeadamente Espanha, França, Inglaterra, Bélgica, Alemanha, Suíça, Áustria, Hungria e Finlândia. O próprio Conselho da Europa tem incentivado a aprovação de tais mecanismos, como resulta das recomendações citadas. Em Portugal nem a legislação contempla estas situações nem as instituições de saúde estão em condições de lhes responder, apesar de elas serem cada vez mais frequentes e dramáticas, tanto para os próprios e seus familiares como para os profissionais de saúde.
No futuro a esperança média de vida vai continuar a aumentar e a marcar a evolução demográfica das sociedades no sentido do inevitável crescimento do número daqueles que atingirão uma idade mais avançada.
Nestas idades as faculdades mentais tendem a declinar de forma irreversível, com compromisso da autonomia e da capacidade de expressão da própria vontade.
Viver até mais tarde é uma extraordinária aquisição civilizacional e um enorme benefício para as pessoas.
Mas não deixa de gerar novos e complexos problemas, para os quais é necessário encontrar novas respostas, também, no domínio dos direitos individuais.