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II SÉRIE-A — NÚMERO 27

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imperativo de satisfazer as necessidades sociais.

A 4 de março de 2020 a Comissão Europeia apresentou a sua proposta de Lei Europeia do Clima que

estipula a neutralidade climática até 2050. No entanto, a proposta não dispõe das medidas necessárias para

atingir essa meta nem de reduções de emissões nos curto e médio prazos em linha com um aumento da

temperatura até 1,5ºC. A proposta não prevê o importante papel dos ecossistemas costeiros e marinhos no

sequestro de carbono. A proposta falha ainda ao não abordar as causas que nos levaram à crise climática,

nomeadamente o capitalismo fóssil e a primazia do mercado.

O mercado é incapaz de resolver o problema que criou

Apesar do reconhecimento da urgência do combate à crise climática, as emissões globais de GEE

continuam a aumentar no planeta. No período 2010-2018, de acordo com um estudo da Agência Internacional

de Energia – que opera no quadro da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE)

– os principais responsáveis foram a produção de energia [aumento de 1405 milhões de toneladas (Mt) de

CO2], a substituição do parque automóvel por veículos utilitários desportivos (SUV) (544 Mt), a indústria

pesada (365 Mt), a camionagem (311 Mt), a aviação (233 Mt) e os navios (80 Mt).

O aumento das emissões nestes setores revela que, mesmo com o desenvolvimento tecnológico, o modelo

de organização económico e social das nossas vidas continua a provocar o aumento de emissões de GEE. É

assim importante que a resposta – e a presente Lei de Bases – enquadre e procure soluções para debelar as

emissões nestes setores.

O caso dos SUV é elucidativo e o seu efeito global nas emissões desproporcionado. No período em

referência, os SUV duplicaram a sua quota de mercado global, passando de 17% para 39%. Na Europa, esse

número é de 33%. A mesma necessidade social – e analisando apenas no quadro da mobilidade individual – é

suprimida agora à custa de mais emissões, já que os SUV, quando comparados com o automóvel médio, são

centenas de quilos mais pesados e menos eficientes sob o ponto de vista aerodinâmico, tendo de consumir

muito mais combustível e por isso emitir mais GEE.

Também no setor do transporte marítimo as emissões de GEE são elevadas, nomeadamente entre os

navios de comércio e de cruzeiro. Comparando as emissões dos navios de comércio que navegam com

destino e partida da Europa com as emissões dos países da União Europeia, verifica-se que o setor do

transporte marítimo ocupa o oitavo lugar dos maiores emissores de GEE, logo a seguir à Holanda.

Os navios de comércio emitiram mais de 139 milhões de toneladas de GEE em Portugal no ano de 2018.

No mesmo ano, os navios de comércio que atracaram em portos nacionais produziram mais emissões de GEE

do que todo o tráfego rodoviário das oito cidades do País com mais automóveis registados, isto é, Lisboa,

Sintra, Cascais, Loures, Porto, Gaia, Matosinhos e Braga. Portugal é ainda o quinto País da União Europeia

com maior percentagem de emissões associadas ao transporte marítimo de combustíveis fósseis (25%).

Apesar de a magnitude das emissões do setor do transporte marítimo, os gases com efeito de estufa emitidos

pelos navios de comércio e de cruzeiro não fazem parte das metas de redução de emissões definidas pelo

Acordo de Paris.

A legislação comunitária isenta o setor do transporte marítimo do pagamento de impostos sobre o

combustível, o que constitui uma subsidiação pública ao setor no valor de 24 mil milhões de euros por ano. A

subsidiação é também um incentivo para que o setor mantenha a insustentabilidade da situação atual e não

invista na transição energética da sua frota para combustíveis menos poluentes.

De forma a mitigar as emissões de GEE, as políticas comunitárias e nacionais têm incentivado o comércio

de carbono e outros mecanismos de financeirização. Estes mercados de carbono têm falhado rotundamente

como meio de redução das emissões de GEE. Constituem mercados especulativos e não permitem à

sociedade a definição das necessidades sociais prioritárias e a verdadeira alocação das emissões. Os maiores

poluidores receberam à cabeça, e sem esforço, direitos de emissões pelo seu histórico poluente de carbono,

ou seja, foi-lhes atribuído um bem transacionável que vale dinheiro apenas porque eram poluidores. Acresce

que quando estes poluidores reduzem as suas emissões substancialmente podem vender esses direitos de

emissões garantindo que essa melhoria substantiva não tem reflexo no planeta, mas sim que essas emissões

sejam produzidas por outra entidade. De facto, com a expansão mundial dos mercados de carbono, as

emissões globais de GEE não têm diminuído como previsto pelos mercados, mas, pelo contrário, têm