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II SÉRIE-A — NÚMERO 138

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à existência ou não de um contrato de trabalho ou da existência de subordinação jurídica, bem como a situações

de trabalhadores e trabalhadores liberais e prestadores de serviços, e ainda nas relações de docentes e alunos

e alunas, chamando desta forma à colação a conhecida existência de assédio sexual nas universidades.

É de conhecimento público e patente no Relatório Anual de Segurança Interna de 2020 que os crimes contra

a liberdade a autodeterminação sexual afetam maioritariamente vítimas do sexo feminino. Todavia, importa

lembrar que a forma como são transmitidos os casos e percecionadas as vítimas condiciona, de sobremaneira,

as denúncias dos casos por vítimas do sexo masculino, uma vez que se as mulheres são tratadas da forma

como o são, como serão tratados os homens?

A violência de género, em todas as suas formas, tem vindo a ser uma preocupação reiterada do PAN, tendo

já defendido, no passado, que a legislação portuguesa se encontrava desajustada em matéria de crimes sexuais

e que era premente a adequação da lei nacional ao disposto na Convenção de Istambul, ratificada por Portugal

em 2013. Para o efeito, o PAN elaborou um projeto de lei para alterar o Código Penal (Projeto de Lei n.º

1047/XIII/4.ª) para que o sexo sem consentimento fosse considerado crime de violação, endurecendo a moldura

penal para que os violadores cumpram pena de prisão efetiva e ainda para que a coação sexual e a violação se

tornassem crimes públicos, ou seja, não dependentes de queixa das vítimas para que o processo seja iniciado,

à semelhança do que já acontece para crimes como a violência doméstica.

O constrangimento causado pelo crime na vítima, o receio de voltar a enfrentar o agressor, a exposição

pública da sua intimidade perante as autoridades públicas e policiais e o receio da revitimização associada ao

processo, levam a que, nestes casos, as vítimas acabem por optar pelo silêncio e impunibilidade do agressor à

denúncia do crime e impulso do processo penal.

Entende-se que a atribuição de natureza pública aos crimes sexuais, no presente caso, o crime de assédio

sexual, reforça a proteção da vítima e contribui para a redução deste tipo de crimes.

Relembre-se que o processo penal acarreta aspetos negativos com forte impacto psicológico que não devem

ser ignorados, dos quais se destaca a sujeição da vítima a um penoso processo de revitimização.

Assim, qualquer alteração legal que atribua natureza pública aos crimes contra a liberdade sexual deverá

evitar cair no erro de fazer prevalecer cegamente o interesse comunitário na persecução penal sobre a vontade

da vítima, levando em conta em conta estes aspetos negativos associados ao procedimento criminal e prever,

conforme defende a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima1 (APAV), uma válvula de escape, através da qual

se possa dar voz à vítima e valorar a sua vontade.

Tendo em conta o anteriormente exposto e a necessidade de assegurar o pleno cumprimento da Convenção

de Istambul, o PAN, propôs que todos os crimes contra a liberdade sexual, à exceção do crime de importunação

sexual de pessoas maiores de idade, passem a ter a natureza pública, e desta feita, o crime de assédio sexual,

prevendo-se, contudo e em linha com o que defendeu a APAV, que nos procedimentos iniciados pelo Ministério

Público relativamente estes crimes contra pessoas maiores de idade, a vítima possa, a todo o tempo, requerer

o arquivamento do processo e que tal requerimento só possa ser recusado pelo Ministério Público quando, de

forma fundamentada, se considere que o prosseguimento da ação penal é o mais adequado à defesa do

interesse da vítima e que o pedido se deveu a qualquer tipo de condicionamento por parte do arguido ou de

terceiro, caso em que deverá promover sempre a aplicação das medidas necessárias à sua proteção contra

eventuais retaliações.

O PAN considerou ainda de grande importância, em iniciativa anterior, a revogação dos artigos 165.º e 166.º

do Código Penal, concernentes aos crimes de abuso sexual de pessoa incapaz de resistência e abuso sexual

de pessoa internada, dado entender que estes devem ser integrados nos crimes de coação sexual e violação,

passando a revestir o fundamento de circunstâncias agravantes, uma vez que se reportam a situações de

pessoas com especial vulnerabilidade, onde a reprovação social e legislativa se deve revestir de maior

intensidade.

Desta forma, pretende o PAN promover uma alteração de paradigma intrínseco e crónico da culpabilização

da vítima, que muitas vezes se verifica na forma como são apresentados ou comentados os casos, tanto na

comunicação social como na própria lei ou jurisprudência.

O recurso ao conceito, amplamente utilizado no nosso direito, pertencente ao nosso inconsciente coletivo,

de «homem médio» e «pai de família», não tem tido contraponto, como já vem acontecendo nos Estados Unidos

1 APAV (2018), contributo da APAV referente ao Projeto de Lei n.º 1047/XIII/4.ª (PAN), página 10.