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II SÉRIE-A — NÚMERO 157

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Enriquecimento ilícito e enriquecimento injustificado

No âmbito do combate à corrupção, mas especificamente sobre enriquecimento ilícito e enriquecimento

injustificado foram apresentadas na Assembleia da República, entre as X e XIII Legislaturas, 20 iniciativas pelos

diferentes Grupos Parlamentares, as quais se encontram elencadas como antecedentes parlamentares no

capítulo II – Enquadramento parlamentar, desta nota técnica. Até à data, o Parlamento aprovou dois decretos

que visavam criminalizar o crime de enriquecimento ilícito, decretos esses que foram objeto de veto por

inconstitucionalidade.

O primeiro ocorreu em 2012 na sequência da aprovação dos Projetos de Lei n.os 4/XII (BE) – Cria o tipo de

crime de enriquecimento ilícito, 5/XII (BE) – Alteração à Lei n.º 4/83, de 2 de abril, do Controle Público da Riqueza

dos Titulares de Cargos Políticos, 11/XII (PCP) – Cria o tipo de crime de enriquecimento ilícito, e o 72/XII (PSD,

CDS-PP) – Enriquecimento ilícito, que deram origem ao Decreto da Assembleia da República n.º 37/XII

aprovado, em votação final global por todos os grupos parlamentares, com exceção do Partido Socialista que

votou contra. Submetido em sede de fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional foi declarado

inconstitucional por violar o princípio da presunção de inocência constitucionalmente consagrado e,

consequentemente, vetado pelo Presidente da República. De acordo com o Acórdão n.º 179/2012, o referido

Decreto não respeita, nomeadamente, o previsto nos artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, e 32.º, n.º 2, da Constituição

da República Portuguesa (Constituição).

Três anos depois, em 2015, o Projeto de Lei n.º 798/XII (PSD, CDS-PP) – Enriquecimento injustificado foi

aprovado, em votação final global, com os votos dos Grupos Parlamentares do PSD e CDS-PP, tendo os

restantes grupos parlamentares votado contra. O Decreto da Assembleia da República n.º 369/XII foi submetido

em sede de fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional, que se pronunciou pela sua inconstitucionalidade,

através do Acórdão n.º 377/2015, tendo considerado que foram violados os artigos 18.º, n.º 2, 29.º, n.º 1, e 32.º,

n.º 2, da Lei Fundamental. Naturalmente, foi o mencionado Decreto objeto de veto pelo Presidente da República.

Nos dois acórdãos, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela inconstitucionalidade dos decretos, por

violação dos mesmos artigos da Constituição. O n.º 2 do artigo 18.º da Lei Fundamental prevê que «a lei só

pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo

as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente

protegidos». Já o n.º 1 do artigo 29.º estabelece que «ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em

virtude de lei anterior que declare punível a ação ou a omissão, nem sofrer medida de segurança cujos

pressupostos não estejam fixados em lei anterior». Por sua vez, o n.º 2 do artigo 32.º determina que «todo o

arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, devendo ser julgado no

mais curto prazo compatível com as garantias de defesa».

Relativamente à presunção de inocência, o Acórdão n.º 179/2012 menciona a anotação ao artigo 32.º da

Constituição dos Profs. Doutores Gomes Canotilho e Vital Moreira, em que estes afirmam que «não é fácil

determinar o sentido do princípio da presunção de inocência do arguido (n.º 2). (…) Como conteúdo adequado

do princípio apontar-se-á, designadamente, (a) proibição de inversão do ónus da prova em detrimento do

arguido; (b) preferência pela sentença de absolvição contra o arquivamento do processo; (c) exclusão da fixação

de culpa nos despachos de arquivamento; (d) não incidência de custas sobre o arguido não condenado; (e)

proibição da antecipação de verdadeiras penas a título de medidas cautelares (cf. AcTC n.º 198/90); (f) proibição

de efeitos automáticos da instauração do procedimento criminal; (g) natureza excecional e de última instância

das medidas de coação, sobretudo as limitativas ou proibitivas da liberdade; (h) princípio in dubio pro reo,

implicando a absolvição em caso de dúvida do julgador sobre a culpabilidade do acusado». (…) O princípio da

presunção de inocência surge articulado com o tradicional princípio in dubio pro reo. Além de ser uma garantia

subjetiva, o princípio é também uma imposição dirigida ao juiz no sentido deste se pronunciar de forma favorável

ao réu, quando não tiver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Este princípio considera-se

também associado ao princípio nulla poena sine culpa, pois o princípio da culpa é violado se, não estando o juiz

convencido sobre a existência dos pressupostos de facto, ele pronuncia uma sentença de condenação. Os

princípios da presunção de inocência e in dubio pro reo constituem a dimensão jurídico-processual do princípio

jurídico-material da culpa concreta como suporte axiológico-normativo da pena»18.

18 J CANOTILHO, Gomes; MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa anotada. 4.ª ed. revista. Coimbra: Coimbra Editora, 2007-2010. Vol I. P. 518, 519. ISBN 978-972-32-1464-4 (obra completa).