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9 DE NOVEMBRO DE 2021

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A iniciativa assume a forma de projeto de lei, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 119.º do

Regimento, encontra-se redigida sob a forma de artigos, é precedida de uma breve exposição de motivos e

tem uma designação que traduz sinteticamente o seu objeto principal, embora possa ser objeto de

aperfeiçoamento em caso de aprovação, dando assim cumprimento aos requisitos formais estabelecidos no

n.º 1 do artigo 124.º do Regimento.

A iniciativa define concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa, cumprindo o

disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 120.º do Regimento3, relativo aos limites à admissão das iniciativas.

No que respeita ao cumprimento da alínea a) do mesmo artigo, saliente-se que as normas constantes do

artigo 1.º e dos dois artigos numerados como «artigo 2.º»4 do projeto de lei parecem poder suscitar dúvidas

relativamente ao respeito pelo princípio da separação e interdependência entre órgãos de soberania (artigos

2.º e 111.º da Constituição).

Com efeito, as normas indicadas determinam a abertura de «processos negociais com as estruturas

sindicais» com vista à «negociação» de um despacho (n.º 1 do artigo 1.º), estabelecendo os critérios a que tal

negociação deve atender (artigo 2.º), e à revisão do Estatuto da Carreira Docente, neste último caso fixando

um prazo para o efeito (n.º 2 do artigo 1.º e artigo numerado como 2.º).

O início de um processo negocial com sindicatos parece ser um ato de natureza administrativa que envolve

uma margem de discricionariedade e juízos de oportunidade por parte do órgão de soberania que o pratica. A

vinculação legislativa neste sentido, nomeadamente com fixação prazos para o efeito, poderá ser suscetível de

interferir com a autonomia do Governo no exercício da sua competência administrativa (mormente da prevista

na alínea d) do artigo 199.º da Constituição).5

Por outro lado, ao determinar e estabelecer regras para a «negociação» de um despacho a ser emitido pelo

Governo (n.º 1 do artigo 1.º e artigo 2.º) e para a revisão do Estatuto da Carreira Docente, a iniciativa parece

impor a emissão de nova legislação pelo Governo, fixando prazos para o efeito e assim condicionando o

exercício da competência legislativa governamental. Nesta medida, poderá ser relevante para a posterior

discussão em comissão a decisão do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 461/876, onde, sobre questão

semelhante, se considerou ser nota característica da função legislativa «a liberdade ou autonomia dos

correspondentes órgãos – seja a Assembleia da República ou o Governo – de determinarem o se e o quando

da legislação (…): trata-se de um momento essencial da chamada 'liberdade constitutiva' do legislador». Aí se

afirma que a competência legislativa e de iniciativa legislativa do Governo é «essencialmente autónoma ou

livre (…), não podendo o seu exercício ser juridicamente vinculado pela manifestação de vontade de qualquer

outro órgão de soberania, mormente da Assembleia da República», não sendo «dado à AR condicionar

juridicamente o Governo, através de quaisquer injunções, no exercício dessas competências».7

Apesar de as normas acima referidas suscitarem dúvidas sobre a sua constitucionalidade, as mesmas

podem sempre ser eliminadas ou corrigidas em sede de apreciação na especialidade, pelo que não

inviabilizam, como tal, a discussão da iniciativa, cabendo, naturalmente, a análise do cumprimento das normas

constitucionais em causa à comissão competente.

Sem prejuízo, refira-se que, recentemente, o Presidente da República promulgou a Lei n.º 47/2021, de 23

de julho8, com normas semelhantes às do presente projeto de lei, considerando tais disposições como meras

3 De acordo com o qual não são admitidos projetos e propostas de lei ou propostas de alteração que infrinjam a Constituição ou os princípios nela consignados [(alínea a)] e que não definam concretamente o sentido das modificações a introduzir na ordem legislativa [(alínea b)] 4 Certamente por lapso, a iniciativa contém dois artigos numerados como 2.º. Assim, para evitar indicações erróneas e simplificar o texto, referir-nos-emos a «artigo 2.º» para indicar o primeiro artigo numerado como 2.º (Processo de negociação coletiva do despacho de fixação de vagas para 2022), e faremos expressa menção ao lapso de numeração sempre que pretendamos indicar o segundo. 5 Questão semelhante à colocada pela presente iniciativa foi já apreciada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 214/2011, onde se refere que «o início de um procedimento negocial é matéria de natureza administrativa uma vez que envolve juízos de mérito e de oportunidade (…)» e que «a decisão sobre o se e o quando da iniciativa de desencadear negociações com vista à alteração do ordenamento – com as associações sindicais ou com outros portadores de interesses que devam participar – é uma opção política que um órgão de soberania não pode impor ao outro, mesmo nos espaços onde ambos concorram no poder de regulação emergente, seja este equiordenado (decreto-lei) seja escalonado (ato legislativo-ato regulamentar).» 6 Disponível em www.tribunalconstitucional.pt. 7 Ainda a este respeito, Gomes Canotilho e Vital Moreira escrevem que «as relações do Governo com a Assembleia da República são relações de autonomia e de prestação de contas e de responsabilidade; não são relações de subordinação hierárquica ou de superintendência, pelo que não pode o Governo ser vinculado a exercer o seu poder regulamentar (ou legislativo) por instruções ou injunções da Assembleia da República». CANOTILHO, J.J. e MOREIRA, Vital, Constituição da República Portuguesa Anotada. vol. II, 4.ª ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 415 (anotação ao artigo 182.º). 8 Que teve origem no Projeto de Lei n.º 761/XIV/2.ª (BE), aprovado em votação final global a 20 de maio de 2021.